O País, meio ébrio e meio embrutecido que ainda somos, acha por bem lançar fogos de artifício durante o mês de agosto, enquanto a temperatura chega aos 40 graus, e os habituais incêndios consomem floresta. Antecipa-se em trinta minutos o espetáculo, para contornar proibições. Pagam-se bombeiros para apagar os incêndios logo iniciados após o lançamento. A nossa pujante indústria dos foguetes e a ainda mais vigorosa economia dos poderes locais temem os efeitos negativos da falta de festa, especialmente em tempo autárquico. Afinal, o que são umas dezenas de milhar de hectares de área ardida comparado com o direito natural a lançar foguetes pela noite fora, sempre que o povo o requeira?Portugal e rocket science sempre foram indissociáveis. Como bardo recente canta, em língua portuguesa, “Quando ela sarra e o bumbum no chão chão chão chão chão / Olha a explosão”. Honrar a nossa História é também manter foguetórios irrestritos em honra das santas, seja a senhora do altar, sejam as mais da planície em aluvião de lúpulo e olhos postos no céu. Se alguma vez as regionalizações e descentralizações sempre prometidas e nunca feitas avançarem, ver-se-á então o fulgor impante e permanente de foguetes que será assegurado por todas as terriolas finalmente livres do jugo centralista. Apenas a par, seguramente, como espetáculo de luz e cor, ao alto nível de desigualdade, nepotismo e incompetência que se acentuará.O mantra da descentralização e regionalização é apenas ligeiramente distinto do mantra do mercado como redentor. Tudo matéria de fé. Quando um neoliberal entende que o mercado, ao funcionar, autoregula as relações económicas e sociais e valoriza o mérito e o esforço, um adepto dessa fé renovada nas virtudes da decisão local entende o mesmo, mas aplicado à justiça e à qualidade de desenvolvimento do território e qualidade de vida das populações.Passar tudo ou quase tudo ao nível local é, só por si, sinónimo de salvação. Nada pelos vistos ensinaram as últimas décadas. O enorme sucesso da decisão municipal em matéria de urbanismo, desenvolvimento e ordenamento do território, ambiente, habitação e outras matérias, que encontramos um pouco por todo o País, e especialmente quando cruzado com financiamento público disponível, construção civil e turismo, não faz ninguém pensar duas vezes antes de louvar aos céus o credo do municipalismo.Os exemplos mais avançados de localização do poder, as regiões autónomas, apresentam até aspetos de alguma perversidade adicional. Haverá alguém que não tenha nascido nos Açores ou na Madeira a exercer cargos políticos na respetiva região? Ou à frente de serviços públicos? Ou de empresas públicas regionais? No fundo, que atratividade criaram os Açores e a Madeira para captar quadros para a esfera pública, independentemente da sua origem? E que efeitos teve esta espécie de consanguinidade absoluta ou de tribalismo na decisão pública? Aprofundar a regionalização e a municipalização significará, conscientemente, acentuar critérios, mesmo que informais, de naturalidade para o exercício de cargos públicos? É mesmo essa a democracia e a Administração que se quer? Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa