Na diplomacia do hóquei, Putin já está a ganhar

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Depois da “diplomacia do pingue-pongue”, que ajudou à aproximação entre os EUA e a China nos anos 1970, e da “diplomacia do basquetebol” que Dennis Rodman protagonizou nos anos 2010 num esforço de normalização das relações com a Coreia do Norte, a América de Donald Trump parece estar disposta a embarcar numa “diplomacia do hóquei”, proposta por Vladimir Putin. Depois da chamada telefónica entre o presidente americano e o seu homólogo russo, na passada terça-feira, o Kremlin confirmou que os dois líderes discutiram a possibilidade de a Rússia, que está banida de participar em competições internacionais, vir a competir em jogos de hóquei no gelo nos EUA.

Um cessar-fogo de 30 dias em relação às infraestruturas energéticas, negociações “técnicas” para um cessar-fogo marítimo no Mar Negro, a começar “imediatamente” no Médio Oriente, como primeiro passo para o fim das hostilidades. Necessidade de interromper a proliferação de armas estratégicas e melhoria dos laços entre EUA e Rússia, que passa por acordos económicos e estabilidade geopolítica quando a paz for alcançada. Estes são as principais conclusões que a Casa Branca tirou da chamada telefónica entre Trump e Putin.

E se o Kremlin acrescentou uma troca de prisioneiros com a Ucrânia, que se materializou na quarta-feira, está mesmo assim bem longe do objetivo que saíra das negociações entre americanos e ucranianos na Arábia Saudita e que apontava para uma trégua total de 30 dias. Até porque Putin fez depender um cessar-fogo total do fim da ajuda militar a Kiev e da partilha de informações das secretas, o que os aliados europeus já rejeitaram. Poucas horas depois, tanto russos, como ucranianos tinham voltado aos ataques.

Tal não impediu Trump, na véspera de uma outra conversa telefónica com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, de se regozijar com conversações “muito boas e produtivas”, prometendo continuar a trabalhar com Putin para “alcançar um cessar-fogo completo e, por fim, terminar esta guerra horrível”.

Sarah Rainsford, correspondente da BBC para a Europa de Leste, resumia assim a situação: “O presidente russo deu ao líder dos EUA o suficiente para afirmar que fez progressos no sentido da paz na Ucrânia, sem dar a impressão de ter sido enganado pelo Kremlin.” Ou a prova aparente de que Putin percebeu como manobrar Trump para prosseguir com os seus objetivos finais, cedendo o mínimo possível. E a Ucrânia nisto tudo? Zelensky pode vir dizer que uma “paz duradoura é alcançável dentro de um ano”, mas é bem provável que tenha de ser ele a fazer as maiores cedências.

Os jogos de hóquei no gelo entre russos e americanos ainda são uma miragem, mas Putin já parece estar a ganhar no jogo de xadrez diplomático mundial.

Editora-executiva do Diário de Notícias

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