O semanário francês Marianne, da primeira semana de Dezembro, tem na capa, como título, En marche vers la Guerre –Service Militaire, Réarmement – comment Macron nous prépare au pire.E vê o presidente francês marchando, com um ar marcial, tendo por fundo encarnado, uma silhueta do agora sempre presente nestes pesadelos mediáticos – Vladimir Putin.Nos relatos maniqueístas a que nos habituou a “imprensa de referência” há, claro, como nas coboyadas tradicionais, bons, maus e vilões. Macron, Starmer e Merz são os “bons”; Putin é o “mau”; Trump, Orban e um desses líderes da Europa Oriental, suspeitos de russofilia, são os vilões.É com estas fábulas que “os europeus” pretendem, como num filme B de terror, exorcizar uma realidade que criaram na sua cabeça, com as suas próprias mãos, embora usando e abusando dos votos e dos euros dos seus concidadãos. Viu-se isto, na tentativa, gravíssima, para a confiança e estabilidade dos mercados financeiros, de financiar a Ucrânia com os fundos russos, entregues à confiança dos bancos europeus, com que pretenderam financiar a guerra da Ucrânia contra a Rússia. Pararam in extremis, pela oposição de três dos vinte e sete e, sobretudo, pela dissuasão das represálias de que os russos seriam capazes – com os seus aliados BRICS, caso a cativação e congelamento dos seus activos tivesse ido por diante.A ordem liberal internacional, que sucedeu à ordem bipolar da Guerra Fria acabou com a eleição de Trump em 5 de Novembro de 2024. A política agressiva de Reagan e o bluff das Star Wars, foram decisivos para acabar com o “império do Mal” comunista, mas não se justificavam, uma vez este desaparecido. Mas os NeoCons, e o seu vigário-mor Dick Cheney, tão bem retratado no filme de Adam McKay, Vice, promoveu essa política, destruiu Saddam Hussein, um “vilão” que temia os Americanos, que o tinham jogado contra o Irão e que durante alguns anos o tiveram por aliado fiel. Depois, quando deu jeito, passou a ser o “mau da fita”.É preciso entender que a Guerra Fria e a acção antissoviética de Reagan que levou ao desmantelamento da URSS e do império comunista na Europa Oriental, acabou. Os NeoCons parecem não ter entendido isto e tentaram exportar o sistema político-económico do Ocidente para áreas que nada têm a ver com ele, como o Iraque, a Síria ou o Afeganistão. Correu mal, como era de esperar.O mundo que está a ser desenhado é um mundo multipolar, de grandes potências, que deixaram de querer exportar as suas ideologias e concepções teóricas da organização do Estado, e priorizam os seus interesses nacionais. Seguem também os princípios da Realpolitik e vão repartir zonas de influência. A China de Xi Jinping, a Índia de Modi e os Estados Unidos de Trump estão alinhados e procurarão entender-se nestes princípios.A Europa, ou melhor o trio Merz-Starmer-Macron, mais os dirigentes da Comissão de Bruxelas, parecem não estar de acordo com esta linha que os marginaliza, mas as suas perspectivas eleitorais não são as melhores. A ver se não nos levam para a guerra, como última hipótese de guardarem o poder.Em Portugal, estes aspectos não são muito tratados por causa da diferença entre o peso eleitoral da Esquerda, da moderada dos eleitores e da direcção do Partido Socialista, e da radical, composta pelo PCP, pelo Bloco, pelo Livre e pelo PAN, que é minoritária, e a sua presença na comunicação social onde continua a ser maioritária.Daqui derivou uma “lavagem ao cérebro” que ainda persiste e que, no entendimento das questões internacionais, distorce a realidade, com uma bolha mediática que paira sobre e às vezes se impõe a esta. Só para dar um exemplo de como funciona: há cerca de dez dias houve um caso de um assessor de uma ministra socialista que foi acusado e detido por abusos sexuais sobre menores. Primeiro a notícia custou a aparecer; depois apareceu sem identificação partidária do abusador; finalmente a custo, e depois das redes sociais divulgarem insistentemente o caso, apareceu completo nos órgãos de referência. Seguidamente, um candidato autárquico do Chega, foi acusado do mesmo crime de pedofilia. A intensidade da notícia, com a referência permanente à filiação partidária do abusador, veio por todos os meios, parecia um aviso meteorológico de um temporal que se aproxima.Os criminosos abusadores de crianças são uma praga, que a sociedade deve punir e neutralizar de modo severo e exemplar. Igualmente e sem olhar afiliações partidárias.As eleições presidenciais vão dar-nos alguns sinais sobre a repartição ideológica e partidária do país: a Esquerda radical, responsável pela descolonização exemplar e pela socialização da economia em 1974-1975, não chega, nas sondagens, a 10% do eleitorado, sinal de que o país acordou, como o resto da Europa, para o seu real valor. Assim, a escolha útil é entre três ou quatro candidatos do Centrão, muito próximos em ideias ou sua ausência. E um candidato da Direita.Les Jeux sont faits. Politólogo e escritorO autor escreve de acordo com a antiga ortografia