“Italian design”
Apesar do peso das importações institucionais dessa proveniência no último século, não prestamos a atenção devida aos sinais dos tempos em Itália. João de Almeida Santos, no seu recente Política e a Ideologia na Era do Algoritmo, dedica-lhes um lugar relevante e estimulantes observações - sigo a pista.
No país em que há um século se modelou o fascismo e enterrou a democracia liberal, continuam a desenvolver-se nas últimas décadas novas sugestões: uma vasta operação judiciária a ocasionar uma mudança de vulto no panorama político; recorrentes exercícios de base mediática e populista, com Berlusconi a preceder Trump em duas décadas; um premierato agora que, assumindo a herança neo-fascista, designa uma vice-presidência na Comissão Europeia e cria aceitação e influência.
Cinjo-me ao que Meloni considera “a mãe de todas as reformas”: um processo de revisão constitucional em curso que já averbou, à data, uma primeira aprovação no Senado. Pretende-se instituir a eleição directa do cargo de primeiro-ministro, a ocorrer ao mesmo tempo que a das duas Câmaras. A Constituição passará a garantir à lista vencedora um prémio eleitoral, concedendo-lhe a maioria absoluta nas duas Câmaras. Ficará dificultada ao máximo a hipótese de afastamento do PM directamente votado. E em caso de saída antes do termo do mandato, prevê-se que só alguém da lista com ele eleita possa ocupar o lugar, e para prosseguir o anterior programa.
Isto envolve acentuada redução dos poderes, já limitados, do Presidente da República, indirectamente eleito, e enorme compressão da margem de intervenção parlamentar: o actual sistema de pesos e contrapesos ficará profundamente afectado. A atribuição do bónus eleitoral facilitará o acesso de quem obtenha maioria simples a uma posição de que muito dificilmente pode ser removido. O “capo del Governo” passaria a constituir o centro em torno do qual todo o sistema gravitaria.
Em caso de triunfo destas propostas, um regime constitucional “by design” consagraria o alto grau de personalização política que tem caracterizado a actuação de Meloni e do seu partido, num estilo que a Itália e o mundo não desconhecem. Ironia das datas: foi há 100 anos que entrou em vigor, sob Mussolini, uma famosa Lei Acerbo, introduzindo um generoso prémio (desde que recebesse mais de 25% dos votos, a lista vencedora tinha direito a 2/3 dos lugares).
O mais provável é que este projecto de revisão constitucional, com esta amplitude, não ultrapasse as provas que tem pela frente. Para além das exigências próprias do processo, afecta-o o facto de ter surgido ligado a um outro, dito de “autonomia diferenciada” das regiões, de que há poucos dias a Corte Constitucional reprovou alguns artigos. Mas o desenho da “mãe de todas as reformas” é, por si, eloquente . “Meloni, fantástica” - disse entretanto Trump.
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico.