Falso igualitarismo

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Tornou-se um triste sinal dos tempos que aquilo que se apresenta como “debate” não seja mais do que o disparo incessante de posições intransigentes sobre um dado assunto. Quem surge a debater uma ideia ou medida já tem a sua opinião estabelecida e considera que é uma fraqueza se admitir que há argumentos contrários ou adicionais que possam levar à sua mudança ou flexibilização. É o caso do uso pelos alunos mais novos dos smartphones nas escolas, acrescido de uns requintes que qualificaria como vingativos. 

Concordo que o professor deve ser o primeiro a dar o exemplo na sala de aula do não uso do smartphone, quando isso não tem qualquer sentido ou objectivo pedagógico. Mas a ideia, defendida por alguns representantes parentais, em conjunto com certas luminárias docentes, em especial de quem leva muitos anos em gabinete com todos os meios de comunicação disponíveis a qualquer hora, de que os professores também devem ser proibidos de os usar nas escolas, em qualquer momento ou espaço, é apenas uma forma hipócrita de equalizar tudo, como se todos fossemos iguais, o que só é democrático na aparência.  

A ideia é apenas a expressão de mais um desforço amesquinhante de quem quer reduzir a docência a um funcionalismo acéfalo e indistinguível de qualquer outro elemento presente nas escolas. O professor é apenas mais um, com os mesmos direitos e deveres de todos os outros, o que está profundamente errado, em especial quando tanto se fala da necessidade de individualização e diferenciação no ensino. Sei que há quem tenha receio ou mesmo vergonha de o afirmar, mas eu nem por isso: alunos e professores não têm as mesmas funções nas escolas e os seus direitos e deveres não são simétricos em todas as áreas. 

Para além de que, em escolas onde convivem alunos dos 2.º e 3.º ciclos, em que uns podem usar os referidos equipamentos e outros não, como se faz a diferenciação entre os professores. Quem dá aulas aos 5.º e 6.º anos não os pode usar, mas os alunos do 7.º ano já podem? 

Pessoalmente, usei um dumbphone até 2023, quando ao fim de uns 12 anos o meu Samsung paleolítico se rendeu à degenerescência, para gáudio dos meus alunos (e colegas). O meu problema não está na necessidade do uso do smartphone, mas na falsa ‘moralidade’ pseudo-democrática de quem ao longo do tempo cruzou os limites do razoável na tentativa de dar apresentar os professores como peças indiferenciadas e de baixo valor no sistema educativo, a quem convém “colocar no seu lugar”. Desde logo, ao nível da intromissão abusiva no quotidiano docente. 

Se querem toda a gente com os mesmos ‘deveres’ nas escolas, é bom que respeitem, então, as horas de atendimento aos encarregados de educação sem bombardeamentos 24/7 e, no caso de certas lideranças tão sensíveis ao igualitarismo, que deixem de tratar dos seus interesses políticos ou comerciais com o tempo e recursos das escolas. 

 Professor do Ensino Básico.

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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