Estigmas
Sobre o “estudo” que abordei na semana passada, do ex-ministro David Justino, destacando apenas alguns dos erros ou equívocos metodológicos mais evidentes, ficámos a saber com o passar dos dias que o autor admitia o erro mais evidente, prometendo rever alguns dos seus cálculos, sendo o dito “estudo” retirado da página do think tank Edulog, enquanto isso não estiver feito, o que à data em que escrevo (4 de Março), ainda não aconteceu.
Claro que é estimável esta atitude, mas era inevitável. Até porque o que foi destacado na ampla cobertura mediática garantida por muita comunicação social - os 40% de escolas (nem sempre explicitamente do 1.º ciclo) com menos de 15 alunos - foi o erro mais evidente para quem conheça a evolução e estado da nossa rede escolar. Embora existam outros.
Em toda a referida cobertura, há que destacar, pela sua pertinência, a questão colocada pela jornalista Cynthia Valente “sobre as zonas do país onde se localizam as escolas com menos alunos”. Ao que o autor respondeu “que não foi feita uma abordagem por regiões na investigação, pois o objetivo foi ‘identificar o problema’, não querendo ‘estigmatizar essas escolas’.” (DN online, 25 de Fevereiro de 2025).
Aparentemente, identificar as regiões onde se localizariam mais escolas de pequena dimensão iria ser um “estigma”, mas culpar todo o sistema de ensino público de ser ineficiente e desperdiçar recursos já não o seria. A explicação é incoerente, mas pode ter uma razão óbvia: não era possível fazer, com dados corretos, uma cartografia que provasse a afirmação.
Essa constatação afigura-se mais evidente se tivermos em conta que o Edulog divulgou um estudo com o título, Da desigualdade social à desigualdade escolar nos municípios de Portugal, coordenado por Luís Catela Nunes, com o objetivo de “caracterizar e analisar até que ponto o desempenho escolar dos alunos está condicionado ao contexto socioeconómico das suas famílias com uma análise geográfica detalhada ao nível dos 278 municípios em Portugal Continental.” (Sumário Executivo, p. 7).
O que significa que existia uma ferramenta disponível para fazer uma cartografia que estabelecesse a relação entre a dimensão das escolas e o desempenho escolar dos alunos, até porque enriqueceria os nossos conhecimentos sobre os “preditores de disparidades regionais” (p. 27) usado pela equipa de Catela Nunes, que analisou a relação dos resultados dos alunos com variáveis extrínsecas às escolas (emprego, salários, desigualdade de rendimentos, finanças municipais, etc), mas nenhuma relacionada com a sua tipologia ou dimensão.
Estou convicto de que numa revisão do “estudo” de David Justino, o cruzamento dos dados apurados com aqueles já trabalhados por outras equipas do próprio Edulog seria um contributo para não estigmatizar todo o nosso sistema de ensino público.
Economista e professor universitário