Há notícias que passam quase despercebidas, mas que dizem mais sobre o país do que qualquer discurso no Parlamento. A possibilidade de a VASP deixar de distribuir jornais e revistas em oito distritos é uma dessas notícias: discreta, técnica, aparentemente inevitável e profundamente política. Um daqueles sinais silenciosos que anunciam não apenas uma crise no setor, mas uma erosão lenta da própria ideia de democracia.Vendemo-nos facilmente a explicações pragmáticas: já não compensa distribuir, os quiosques fecharam, o papel não se vende, as pessoas leem tudo no telemóvel. Talvez. Mas este “talvez” é insuficiente quando falamos de algo tão básico como o acesso à informação. E é insuficiente sobretudo quando o argumento do digital se ergue como solução universal para um país que não é, nunca foi, universal nas suas condições de acesso. Não: nem todos têm internet, nem todos têm rede, nem todos têm dispositivos, nem todos vivem perto de uma biblioteca que funcione ou de um centro cultural que resista.O que se passa no interior do país não é novidade, mas também não costuma ser manchete: bibliotecas encerradas, escolas a perder serviços, centros de saúde a funcionar no limite, transportes que nunca chegam, projectos culturais que sobrevivem por teimosia. O que está em causa não é apenas a distância geográfica, é uma distância política, uma forma de abandono que se tornou rotina. E, como todas as rotinas, normalizou-se ao ponto de quase deixarmos de reparar. Mas quando um território fica sem jornais, sem esse gesto simples de alguém chegar com informação atual debaixo do braço, o abandono torna-se literal.E aqui entra a desinformação. Porque a ausência de jornalismo não cria silêncio; cria ruído. Abre espaço para boatos, para narrativas rápidas, para indignações sem contexto. Quem vive longe dos centros tende a sentir, e com razão, que também vive longe das prioridades do Estado. E quando o acesso à informação se fragiliza, a democracia fragiliza-se com ele. A revolta que explode nas urnas, muitas vezes lida como “antissistémica”, é, na verdade, um pedido de atenção. Não nasce do nada: nasce deste encolhimento contínuo do Estado e dos serviços públicos, deste défice de escuta e de presença.Costumamos dizer que o Estado somos nós, mas raramente pensamos no que isso implica. Se somos nós, então também somos responsáveis por garantir que um país inteiro tem acesso ao jornalismo, à cultura, à saúde, à educação. Não por caridade, mas por constitucionalidade. Uma democracia sem informação não é democracia; é administração. Um simulacro de participação que deixa de fora quem vive longe do betão e das grandes redações.Por isso, sim: a notícia sobre a VASP parece pequena, mas não é. É mais uma peça num puzzle perigoso que nos aproxima, devagarinho, de um país onde uns podem escolher como se informam e outros têm de se resignar a receber o que sobra. E não há nada de democrático nisso.Jornalista e escritora