Do assalto à greve, o 'annus horribilis' do Louvre

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Em novembro de 1992, depois de passar pelo fim dos casamentos de três dos quatro filhos, com todos os detalhes escandalosos que os tabloides britânicos encontraram sobre o assunto e de ver o seu amado Castelo de Windsor parcialmente destruído por um incêndio, a rainha Isabel II referia-se ao annus horribilis num discurso que marcaria o seu longo reinado. Mas a expressão latina também seria agora muito bem aplicada ao ano desastroso do Louvre. Além do assalto em outubro que resultou no roubo de oito jóias de valor inestimável, cujo paradeiro continua desconhecido, de ter tido de encerrar uma das suas salas devido ao risco de desabamento, e após a inundação da biblioteca de Antiguidades Egípcias, esta semana os funcionários do maior museu do mundo votaram por uma greve que ditou o encerramento total do Louvre durante dois dias e a sua reabertura apenas parcial desde então.

Cerca de 400 funcionários do museu “votaram unanimemente a greve“, num movimento “renovável”, anunciaram na segunda-feira os sindicatos CGT e CFDT. E parte desses funcionários juntaram-se diante da famosa pirâmide do Louvre para protestar contra os problemas de falta de pessoal, a degradação do edifício ou o aumento das entradas para os não-europeus. Desde então multiplicaram-se as reuniões entre os representantes dos sindicatos e a ministra da Cultura, Rachida Dati. A também candidata à Câmara de Paris nas eleições do próximo ano já aceitou anular a redução prevista de 5,7 milhões de euros na dotação do Louvre para 2026. E o ministério propõe abrir vagas de recrutamento dedicadas ao atendimento e vigilância do museu e uma revalorização salarial que os sindicatos gostariam que fosse permanente. Mas a tensão mantém-se.

Maior museu de arte do mundo, instalado no palácio homónimo, durante séculos residência dos reis de França, o Louvre é também o mais visitado do mundo. Em 2024, o museu parisiense recebeu 8,7 milhões de visitantes.

Mas na sua longa história, o Louvre tem sido tudo menos imune às polémicas. Porém nenhuma como a da pirâmide de vidro. Encomendada pelo presidente François Mitterrand ao arquiteto I. M. Pei, a enorme estrutura de vidro e metal que hoje nos parece inseparável do museu começou a causar polémica logo aquando da apresentação do projeto, em 1984. Audácia modernista para os seus defensores, traição patrimonial, para os seus detratores, a verdade é que a pirâmide de Pei veio para ficar e o museu continuou a atrair milhões.

Aberto ao público desde 1793, só posso esperar que o Louvre ultrapasse estas dificuldades para que em 2026 todos possamos voltar a entrar pela pirâmide, descer as escadas rolantes e perder-nos nas salas e corredores que escondem tesouros como a Mona Lisa, a Vénus de Milo ou, a minha preferida, a Vitória de Samotrácia. Entre muitos, muitos outros.

Editora-executiva do Diário de Notícias

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