Divergência ibérica

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Muitos apreciam e muitos verberam a solução governativa que, em Espanha, o sistema constitucional tem validado e, obviamente, o seu desempenho. Contudo, em meios académicos, organizações internacionais, imprensa de referência (incluindo Financial Times e The Economist) e até, agora, nas principais agências de rating, não há avaliações tão contrastantes acerca dos resultados económicos alcançados nos últimos anos. E até, em larga medida, dos factores que os explicam. Há dois anos que a Espanha é o país europeu que mais cresce e prevê-se que vá continuar a sê-lo. O crescimento do PIB no último ano foi de 3,5% (e a OCDE fixou recentemente as suas previsões para o próximo em 2,6% ), um panorama bem distinto do oferecido pela Alemanha, a França e a Itália. Quem diria que a economia espanhola, que nem sequer integra o trio das maiores, poderia responder por 40% do crescimento na zona euro – como aconteceu no último ano e o governo de Sanchez sublinha? “Em cada dez euros de crescimento europeu, contribuímos com quatro”…é uma mensagem de réplica difícil.

Por diferença que haja nas narrativas, nas explicações há sempre um grande lugar para o “dinamismo migratório”. Foi por essa via que a Espanha registou um forte aumento da população em idade de trabalhar (mais de 5% nos últimos anos), com directa repercussão no consumo, no investimento e na arrecadação, fiscal e não só. Analisando o período, Juan Carlos Lazaro, professor na IE University, é um dos muitos que, dentre os vários factores, aponta em primeiro lugar a “dinamização do mercado do trabalho”, sublinhando “o forte aumento da população, com a chegada em três anos de dois milhões de imigrantes em idade de trabalhar e com um bom nível de empregabilidade”. Isto com a relevante particularidade de mais de 70% dos migrantes serem de proveniência ibero-americana. Deixando para outros o detalhe deste immigration-led growth, fiquemo-nos pelo resultado: frente ao ameaçador envelhecimento demográfico, Espanha colhe benefício múltiplo do aumento da população em idade de trabalhar.

É improvável que algo de similar seja potenciado pelo novo desenho legislativo para a imigração, que há pouco transitou, pela segunda vez, de S. Bento para Belém. Abstraindo dos efeitos negativos que se lhe somarão por via da proposta de lei sobre nacionalidade,que aprofundarão diferenças em relação ao direito espanhol, concorrem para isso a cega visão restritiva, o erro histórico cometido em relação à lusofonia, as soluções inadequadas e, nalguns casos, muito defeituosas, em pontos decisivos para a integração. Sem esquecer, ainda, a fragilidade constitucional de que continuam a enfermar algumas das novas formulações, introduzidas a título de expurgo das anteriores falhas. Pode o Presidente decidir – ou não – voltar a assinalá-lo. Mas bem sabe o constitucionalista que, se a opção for não recorrer ao Tribunal, poderão chegar mais adiante, em sede de fiscalização sucessiva, as notícias perturbadoras que, nesse caso, apenas estaria a adiar.

Não se trata de um olhar pessimista sobre uma divergência ibérica na aparência irremediável. É apenas a percepção de que se revelarão necessárias sérias alterações no quadro agora resultante do acordo PSD-Chega se se pretender assegurar maior convergência nos resultados.

Jurista, antigo ministro.

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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