Sendo presidente de uma instituição centenária que lida com o dinheiro, e tendo a responsabilidade de poder “pensar” consigo neste encontro semanal, é interessante o desafio de escrever sobre a matéria que é a raiz do progresso, mas para muitos uma fonte de problemas – uma parte substancial do pensamento cristão acredita que o dinheiro é sinónimo de desonra. Por vezes, pela nossa complexidade, tendemos a tornar difícil o que é simples. O dinheiro é útil e utilitário, sendo que a sua disponibilidade é essencial para o desenvolvimento do humanismo centrado no Homem. Não há antropocentrismo sem que essa premissa seja respeitada. Os bancos e o mercado obrigacionista proporcionaram a base material para o Renascimento, o esplendor das luzes dependeu claramente de uma nova elite florentina. E de Florença para os Países Baixos foi um pequeno passo de gigante. O expansionismo mercantil holandês do século XVII e a revolução industrial inglesa do século XIX foram a consequência natural. Mas também o foram as inovações nos seguros, nas finanças hipotecárias e no crédito ao consumidor que colocaram a América na liderança do século XX. Havia, há sempre, um elo comum a todos esses momentos revolucionários: a confiança. Confiança em pessoas, processos e produtos. No século XIV, em Florença, dois terços das famílias tinham contribuído para o financiamento da dívida pública e privada das sua cidade-estado. As entradas dos Médicis no Ruolo delle Prestanze atesta a escala da sua riqueza, mas também a razão de estes modelos incipientes de capitalismo serem eficazes à época em que as partes interessadas, designadamente, os aforradores controlavam o governo da cidade e, por conseguinte, as suas finanças. Esta estrutura de poder oligárquica conferiu ao mercado das obrigações uma firme fundação política. Ao contrário dos monarcas hereditários que podiam renegar arbitrariamente o pagamento aos seus credores, as pessoas que emitiam as obrigações em Florença eram as mesmas que as compravam. Assim, não é de admirar que tivessem um forte e particular interesse em garantir os contratos. É neste modelo de criação de valor, suportado no contrato social, que Friedrich Raiffeisen, na década de 1860, assente numa trilogia de valores (autoajuda, autorresponsabilidade e autoadministração), edificou bancos cooperativos rurais que disponibilizaram crédito suportado na poupança monitorizada pelas suas comunidades. O cooperativismo nasceu de uma ambição humana corporizada por uma cidade italiana onde floresceram ideias e nasceu, de alguma maneira, a nossa civilização. Nas próximas semanas continuarei a procurar as raízes do pensamento, da importância e dos perigos do capitalismo, um tema que nos define como seres humanos. Nial Ferguson, no seu A ascensão do dinheiro pergunta o que é, exatamente, o dinheiro? Será um monte de prata, como pensavam os conquistadores espanhóis? Ou será invisível, como tendemos a nos habituar a viver num mundo onde o dinheiro passou a ser virtual? Presidente da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedrasmanuel.guerreiro@ccamtv.pt