Balanço com quatro nomes: Porto, Gaia, Lisboa e Sintra

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A extrapolação dos resultados das eleições autárquicas para eleições legislativas é sempre um exercício perigoso. Se se considerar, por exemplo, os votos expressos para as câmaras municipais nas eleições do passado domingo (um total de pouco mais de 5 milhões e 300 mil votos), quando dispersos entre PS e PSD (ou coligações que estes partidos integraram), nota-se uma proximidade: ambos os partidos recolheram, cada um, pouco mais de 30% dos votos dos eleitores. O Chega obteve quase 12% dos votos, mesmo que tal não se tenha traduzido numa multiplicidade de lideranças autárquicas (12% em legislativas, seguindo o padrão de distribuição de votos do Chega nas últimas eleições, seriam cerca de 30 a 35 deputados – mas, isto, sem o “efeito André Ventura” a funcionar em pleno). O PCP, já agora, obteve 5% dos votos (o que lhe permitiria duplicar os mandatos de deputado à Assembleia da República, no mesmo exercício, com concentração em Lisboa, Porto e Setúbal).

Sabemos, contudo, que, em grande parte do território, as escolhas são fortemente personalizadas, mesmo em concelhos com maior dimensão e até sedes de distrito. O partido dilui-se. Poucos concelhos serão aqueles em que o contacto prévio de um eleitor, mais ou menos direto, com um candidato que se apresenta à liderança do município é inexistente ou francamente diminuto. Há sempre um conhecimento direto ou mediatizado por um familiar, um vizinho, um colega, um amigo. Talvez quatro concelhos estejam imediatamente nesta categoria, pela sua dimensão populacional, e onde, portanto, a influência de uma lógica nacional e de apelo político-partidário geral esteja mais presente. Escolho, assim, entre os mais populosos: Porto, Gaia, Lisboa e Sintra. No conjunto destes quatro concelhos vive um milhão e meio de pessoas (só os concelhos de Sintra e Gaia têm mais de 700 mil habitantes). Nestes quatro concelhos ganhou o PSD.

Alargando o espaço, na faixa litoral entre Braga e Setúbal concentra-se boa parte da população portuguesa. Sabemos que nos distritos litorais entre Braga e Setúbal vive 70% da população portuguesa e não por acaso aí se concentram as campanhas eleitorais nacionais (são, afinal, 7,5 milhões de eleitores recenseados). E, neste território, os concelhos de Braga, Porto, Gaia, Aveiro, Lisboa, Sintra e Setúbal representam 18% da população nacional. Nestes sete concelhos, ganhou o PSD. Se se juntar a estes também Cascais, Beja, Portalegre, Funchal e Ponta Delgada, chega-se a 20%.

Noutros concelhos com uma dimensão populacional assinalável, como Bragança, Viseu, Coimbra, Leiria, Amadora, Loures, Almada, Castelo Branco, Évora ou Faro, o vencedor foi, de facto, o PS. Estes concelhos, todavia, representam apenas 10% da população...

Desconsidera-se aqui o facto de, para as eleições autárquicas, poderem votar diversos estrangeiros residentes em Portugal (dos Estados-membros da União Europeia, do Brasil, de Cabo Verde, da Venezuela, etc.) – mas seria muito interessante saber se votaram e em quem votaram (nas eleições legislativas, por exemplo, apenas os cidadãos brasileiros residentes em Portugal com estatuto de igualdade de direitos políticos podem votar).

Ou seja, apesar de um discurso um pouco mais animado para consumo interno, o PS não teve boas notícias destas eleições. Não conseguiu genericamente captar o eleitorado mais urbano, nos espaços económicos mais dinâmicos e, previsivelmente, não conseguiu obter eleitorado mais jovem, o seu maior drama, que vem muito de trás. A cada dia que passa, diminuem os eleitores do PS, pela lei natural da vida, sem serem compensados por outros. Num contexto internacional e ideológico de enaltecimento do eu e do meu e de apoucamento da verdade, escolhas políticas que mitigam estes imperativos estão a dar-se mal. Sem qualquer mudança radical no PS, nomeadamente de pessoas e de clientela, bem como especialmente de modelo de construção de propostas e de ligação às pessoas reais – uma ligação que é cada vez mais virtual –, será francamente difícil o seu futuro.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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