Averiguação preventiva. Ser e parecer

Antes de irem a votos, os portugueses têm o direito de saber o que está imputado a Costa e também se Luís Montenegro tem ou não condições para voltar a São Bento. Esse é o trabalho que compete ao MP.
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O procurador-Geral da República tem reputação entre os seus pares de ser um profissional firme nos princípios e isento nas decisões. Durante vários anos foi o “braço armado” do Ministério Público (MP) contra a corrupção.

Operação Aquiles, Operação Fizz, Monte Branco, Operação Marquês, foram algumas das investigações do tempo em que liderava o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).

Jubilado desde 7 de julho de 2020, Amadeu Guerra cessou nessa altura 40 anos de ligação ao MP, mas no ano passado foi proposto pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro, e nomeado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, para as atuais funções.

Depois de José Sócrates, com as devidas e relevantes diferenças, eis que, de novo, um primeiro-ministro surge na mira de Guerra. Desta vez, porém, as suspeitas que envolvem o chefe do Executivo, Luís Montenegro, levaram à queda de um Governo, apenas 10 meses depois de ter tomado posse, e à dissolução do Parlamento.

Perante uma hecatombe que expõe mais uma imperfeição da cinquentenária Democracia (por que é que todo um Governo e um programa votado pela maior parte dos portugueses têm de ser sacrificados pelas escolhas de uma pessoa?) o Procurador-Geral decidiu abrir uma “averiguação preventiva” à empresa que foi de Montenegro, e depois da mulher e agora dos filhos.

Uma espécie de “inquéritozinho”, sem poderes de uma investigação judicial, em “fontes abertas” e dependente da boa vontade dos visados em facultar documentos.

Sabemos que a decisão foi tomada em resultado de três denúncias anónimas (uma delas de Ana Gomes) e, segundo a lei, “a denúncia anónima só pode determinar a abertura de inquérito se dela se retirarem indícios da prática de crime ou constituir crime”.

No entender do procurador-Geral “até agora não há fundamento para abrir qualquer inquérito” e, por isso, avançou para esse modelo, visando “aprofundar, nesse âmbito, a recolha de elementos e a análise que já vinha a ser feita das denúncias recebidas”, e obter “elementos adicionais relativamente a entidades terceiras”.

Convictos de que o processo terá a marca de seriedade e isenção de Amadeu Guerra, estamos, no entanto, num momento histórico sem precedentes, em que, mesmo não querendo, as perceções podem ser um obstáculo sério à verdade.

Tudo o que se puder fazer para travar perceções erradas é mais um passo pela credibilidade do Estado de Direito. Ora, ter certezas, e não perceções, sobre se a atuação do primeiro-ministro foi ou não legítima, deve ser um objetivo linear nesta intervenção do MP.

Mesmo sem poder recorrer a todos os instrumentos de investigação utilizados num inquérito criminal, o MP - no caso do DCIAP - deve poder socorrer-se de todos os meios que fortaleçam a sua decisão.

Como já foi explicado aqui no DN, segundo o Código de Processo Penal “compete ao Ministério Público e à Polícia Judiciária (PJ), através da Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) realizar” estes processos. Ao MP “e” à PJ, sublinhe-se.

Porém, aparentemente, a PJ está fora desta averiguação. Questionada, a Procuradoria-Geral da República diz que, “de momento, nada a acrescentar à informação já prestada” - a que anuncia a abertura da averiguação preventiva pelo MP.

Ora cá está uma decisão arriscada e que pode fragilizar o resultado, seja de que Montenegro nada fez de errado, seja o contrário.

Sem desvalorizar as capacidades do DCIAP, ainda mais com o novo diretor Rui Cardoso, qualquer que seja a conclusão do processo não sairia sempre reforçada se duplamente validada pela PJ?

Amadeu Guerra e Rui Cardoso, juntamente com o diretor da PJ, Luís Neves, o qual, por sinal, já sabemos o que pensa de perceções, nada têm a temer. Estas instituições e os seus responsáveis têm um legado fundamental a deixar. Para isso as decisões devem estar blindadas. O parecer é tão importante como o ser.

Uma suspeita assumida pelo MP levou à demissão do ex-primeiro-ministro António Costa há mais de um ano, arrastando um Governo maioritário. É inqualificável que passado todo este tempo não se saiba nada sobre a Operação Influencer.

Antes de irem a votos, os portugueses têm o direito de saber o que está imputado a Costa e também se Luís Montenegro tem ou não condições para voltar a São Bento. Esse é o trabalho que compete ao MP. Manter a dúvida, alimentar perceções não é um bom serviço. Esse é também o trabalho para salvar a Democracia.

Diretora adjunta do Diário de Notícias

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