Amadeu Guerra tomou posse e não hesitou em fazer as suas reivindicações.
Amadeu Guerra tomou posse e não hesitou em fazer as suas reivindicações.Foto: PAULO SPRANGER

"Apelos" e "linhas vermelhas" do novo PGR que acusa "sucessivos governos" de "falta de investimento" na justiça

Amadeu Guerra assumiu hoje a liderança do Ministério Público, por seis anos, sucedendo no cargo a Lucília Gago.
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Amadeu Guerra agradeceu a “persistência e firmeza” de Luís Montenegro para “obter” a sua nomeação e aceitação para Procurador-geral da República e a Marcelo Rebelo de Sousa a “confiança”, mas não hesitou em apresentar três reivindicações, que apelidou de “apelos”, ao Governo.

Em primeiro, a falta de “meios humanos” que afetam o funcionamento da justiça– referência direta aos Oficiais de Justiça –, a “falta a investimentos dos sucessivos governos” na modernização e “transição digital” e o “insuficiente” número de magistrados no Ministério Público.

E deixou um aviso, a que chamou de "linhas vermelhas", aos políticos que procurem mudar as regras estatutárias do MP.

"Há, igualmente, linhas vermelhas que não aceito, nomeadamente, a alteração do estatuto do Ministério Público em violação da Constituição e da sua autonomia e independência", avisou,

O novo PGR, que destacou os crimes relacionados com a violência doméstica como prioridades, garantiu que vai seguir de perto o combate à corrupção e as razões para o atraso de algumas investigações, sublinhando a necessidade de envolver mais a Polícia Judiciária.

“Nos crimes de corrupção e crimes conexos, bem como na criminalidade económico-financeira, é minha intenção acompanhar de perto, através dos diretores dos DIAP Regionais e do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), as razões dos atrasos. Ao mesmo tempo, devemos envolver a Polícia Judiciária de forma efetiva, face ao aumento recente dos seus meios humanos: inspetores, peritos e meios tecnológicos", garantiu

Marcelo Rebelo de Sousa agradeceu o facto de Amadeu Guerra “ ter aceite uma missão que não é impossível, mas que apela a predicados tão exigentes de formação, cidadania e humanos, que só por si justifica um reconhecimento particular”, mas estabeleceu, também ele, um cargo de encargos ao novo PGR.

O presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa deu posse a Amadeu Guerra como novo procurador-geral da República.
Foto: Paulo Spranger

Liderar “o que deve ser liderado, pacificando o que deva ser pacificado, agindo com particular atenção à corrupção, fazendo pedagogia sem ceder nos valores constitucionais e legais, mas aberto à ponderação do que possa e deva ser reformulado”, resumiu o Presidente da República.

Sobre Lucília Gago, que cessou hoje funções, Marcelo Rebelo de Sousa traçou uma retrato de seis anos de mais “agruras, incompreensões e sacrifícios do que bonança, mar sereno ou bons ventos”.

Amadeu Guerra disse que Lucília Gago "não teve a sorte do seu lado".
Foto: Paulo Spranger
Lucília Gago, ex-PGR, com Marcelo Rebelo de Sousa, que traçou uma retrato de seis anos de mais “agruras, incompreensões e sacrifícios do que bonança, mar sereno ou bons ventos”.
Foto: Paulo Spranger

Também Amadeu Guerra falou do que foi o mandato de Lucília Gago na Procuradoria-geral da República que “sem sorte” exerceu o cargo com “honestidade intelectual e de forma dedicada”

“Uma palavra final para a senhora conselheira procuradora-geral cessante, que não teve a sorte do seu lado, no decurso do seu mandato, em que ocorreu uma pandemia que - durante cerca de dois anos - alterou os hábitos e a motivação dos portugueses. Mesmo assim, considero que exerceu o cargo - como sempre fez na sua carreira - com honestidade intelectual e de forma dedicada”, afirmou.

O presidente da República recuou depois no tempo para recordar que Lucília Gago sucedeu a Joana Marques Vidal “em condições particularmente difíceis, nomeadamente um juízo coletivo muito crítico quanto ao tempo da Justiça, ainda mais crítico na justiça penal complexa, internacionalizada, envolvendo poderes políticos, administrativos, económicos e sociais”.

“Mais o confronto constante entre uma opinião pública e/ou publicada, cada vez mais exigente, e considerando cada omissão ou atraso sinal de proteção dos abusos e abusadores. E uma outra opinião pública e ou publicada cada vez mais queixosa e ou denunciante dos abusos da Justiça, tidos como perseguição às pessoas e, nelas, aos titulares de poderes políticos, administrativos, económicos e sociais”, sublinhou

Tudo isso, prosseguiu, "enquadrado por um debate público que antecipa a formulação de julgamentos como consequência certa ou errada da lentidão, tantas vezes injustificada, da máquina da Justiça.

“Se somarmos a quanto fica dito, incompreensões e agravos passados, orgânicas, procedimentos e meios pensados para outros tempos e desafios, a inevitável saída de gerações dos princípios da democracia, novos problemas colocados por mega, ou quase mega, processos em ambas as magistraturas - e falo apenas no domínio penal para não abarcar outras áreas e outras solicitações - estes últimos anos não foram um contexto nada propício", acrescentou.

Amadeu Guerra, de 69 anos, nascido em Tábua (Coimbra) e licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, desempenhou diversas funções como magistrado do Ministério Público (MP), mas tornou-se mais conhecido quando, entre 2013 e 2019, se tornou diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), o departamento que investiga a grande corrupção e a criminalidade económico-financeira mais grave e complexa.

O magistrado foi escolhido para a direção do DCIAP no mandato da então PGR Joana Marques Vidal.

Sob a sua liderança, o DCIAP investigou processos mediáticos como a Operação Marquês (que tem como principal arguido o ex-primeiro-ministro José Sócrates), o caso BES/GES ou a Operação Fizz, que levou à acusação e condenação por corrupção do procurador Orlando Figueira, que, por ironia, pertenceu ao DCIAP e está a cumprir pena na cadeia de Évora.

A designação de Amadeu Guerra, em cujo currículo consta ainda o cargo de procurador-geral regional de Lisboa, foi bem acolhida pela generalidade dos sindicatos do setor.

A ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, considerou Amadeu Guerra "a pessoa certa, no lugar certo, no momento certo" e disse depositar "grandes esperanças" num "virar de página" na Procuradoria-Geral da República durante o mandato de seis anos.

Por seu lado, a atual PGR, Lucília Gago, manifestou satisfação pela nomeação de Amadeu Guerra para lhe suceder no cargo, destacando a "vasta experiência" do antigo diretor do DCIAP.

Entretanto, o Governo já rejeitou que o limite de 70 anos de idade previsto para o exercício de funções de magistrados se aplique ao novo PGR Amadeu Guerra, considerando tratar-se de "uma falsa questão".

A questão foi levantada pelo antigo PGR Cunha Rodrigues e pelo vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura (CSM), Luís Azevedo Mendes, que apontaram uma eventual necessidade de alterar as regras e permitir o exercício de mandatos nas magistraturas além dos 70 anos de idade.

Com Lusa

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