As eleições americanas e os efeitos na política externa e de segurança nos Estados Unidos
Estas serão, talvez, as mais importantes eleições americanas nas últimas décadas, comparáveis, eventualmente, às que elegeram Ronald Reagan e que contribuíram decisivamente para a queda da União Soviética e conduziram ao fim da Guerra Fria. Isto porque os desafios internacionais que se colocam aos Estados Unidos, e aos seus aliados e parceiros, são de monta e, com eles, muito se joga do futuro desta ordem internacional liberal, assente em regras e normas de Direito Internacional. Nós, os aliados europeus, habituámo-nos, mal, a ver nos EUA o parceiro que ia pensando na nossa segurança e resolvendo os nossos problemas e, com isso, concebíamos que a política externa americana era também, de algum modo, a nossa.
A política externa de um país é isso mesmo, é a desse país e não dos outros, embora os interesses de parceiros e aliados sejam tidos em consideração. Acresce, a esta situação, a possibilidade de Donald Trump vir a ser eleito, cuja experiência de relacionamento com os aliados europeus, no seu anterior mandato, foi, podemos dizer, complicada. Devia ter constituído um alerta para a necessidade europeia de investir mais em Segurança e Defesa. Não foi Trump, foi a Rússia de Putin a dar o choque de realidade, com a invasão da Ucrânia.
Claro que as questões de estilo de liderança, e de credibilidade do incumbente, são essenciais em todas as funções da chefia do Estado, mas mais relevantes na Política Externa, assim como nos assuntos da Estratégia e da Segurança Nacional.
Não me vou centrar nesta matéria, mas tenho de referir que um presidente dos Estados Unidos que possa ser manipulado, ou estar manietado, por Vladimir Putin, não parece ser uma boa solução para a liderança do Ocidente. Mas, acima de tudo, será uma decisão dos americanos.
A grande uniformidade de pensamento entre Democratas e Republicanos sobre os grandes temas da política externa e da Segurança Nacional americana, também são tempos que já lá vão. E a grande mudança deu-se nos votantes republicanos, para quem os tempos em que apoiavam alianças fortes, a economia de mercado e a democracia global acabaram.
Mas vamos aos eixos e temas centrais da política externa e de segurança que os candidatos defendem. A diferença, entre os dois partidos, relativamente à política externa e ao papel dos EUA no mundo, alargou-se na última década. E este aumento deveu-se, essencialmente, a mudanças drásticas no atual Partido Republicano. Mas a mudança não é, exclusivamente, uma mudança ao nível das elites políticas, mas também é, sobretudo, ao nível dos seus votantes, que têm vindo a opor-se cada vez mais a um intervencionismo americano fora dos EUA, ao contrário dos votantes democratas que apoiam, em grande maioria, o envolvimento do país no exterior.
Assuntos como intervenções militares em prol de aliados em risco ou da promoção dos Direitos Humanos no exterior, têm cada vez menos adeptos republicanos. O mesmo se passa com as alianças, o que foi o foco central da política externa americana nas últimas décadas, tem hoje pouco apoio entre os votantes republicanos, que acham que só os aliados beneficiam, pois não gastam o suficiente para garantirem a sua segurança.
E, claro, esta dinâmica também se aplica à Ucrânia, onde pouco mais de metade (51%)*, se opõe ao envio de ajuda militar e económica para este país. Os democratas apoiam, na sua maioria (70%), a manutenção do apoio económico e militar. Relativamente ao Médio Oriente, as posições invertem-se com a maioria dos votantes republicanos (53%) a apoiarem as ações de Israel, ao passo que 51% dos democratas acham que Israel se excedeu nas operações militares.
Na questão da China, tirando pequenas nuances, a posição é mais coincidente, embora com os democratas apoiando uma linha menos erosiva da relação bilateral, ao contrário dos republicanos, que apoiam uma orientação mais assertiva sobre os objetivos das políticas chinesas, económicas e de segurança.
Sobre a Europa, será de esperar de ambos os candidatos uma insistência sobre as necessidades de os europeus investirem mais em Defesa e Segurança, com muito maior assertividade do lado de Donald Trump. Aliás, os republicanos afirmam que será feita uma avaliação sobre os 2% do PIB de investimento, decididos na Cimeira da NATO em Gales, sendo provável que seja solicitado um aumento dessa base.
Vemos que, na questão central da Ucrânia, as diferenças entre a posição democrata e a posição dúbia dos republicanos, mencionada no Mandate for Leadership: The Conservative Promise, estão relativamente distantes. O documento republicano (pág. 182) aponta três vias possíveis para o apoio à Ucrânia, havendo uma posição mais intervencionista, outra mais isolacionista e uma 3ª via que é uma mistura das duas, mas onde uma questão prévia, sobre se cada ação a tomar defende os interesses dos EUA, deverá ter resposta positiva.
Assim, a falta de previsibilidade sobre o apoio à causa da Ucrânia, por um presidente republicano, funcionará, a priori, como uma vantagem para Putin. Isto não quer dizer que Donald Trump não venha a apoiar a Ucrânia, o que cremos que virá a acontecer, pois [haverá] a constatação de que uma derrota da Ucrânia será fatal para a segurança europeia e americana e, portanto, para a Ordem Internacional Liberal que os EUA lideram. Esta última situação dará força à China para impor uma viragem no Indo-pacífico, o que pode conduzir a uma guerra de proporção graves.
Verificamos, assim, que cai por terra o mito de que a política externa dos EUA não é um assunto discutido em eleições, nem que seja assunto de interesse ou que influencie o voto dos americanos. Numas eleições muito polarizadas, com os candidatos em empate técnico, é provável que as questões da política externa e da Segurança possam vir a desempatar nos Estados-chave, onde irão decidir-se as eleições.
*Todas as percentagens resultam duma sondagem do Chicago Council on Foreign Affairs, de junho último.