A reforma da administração pública

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Quando, no ano letivo de 1969/1970, fui aluno do saudoso Professor Diogo Freitas do Amaral na disciplina de Direito Administrativo, este já falava na reforma da administração pública, então singelamente designada “reforma administrativa”.

Passados mais de cinquenta anos – e durante os últimos trinta –, falei e escrevi muitas páginas sobre o tema, que tem sido recorrente, sobretudo nos raros períodos em que a saúde e a educação não monopolizam as preocupações governamentais. Neste local, inapropriado ao tratamento exaustivo do tema, gostaria apenas de deixar uma breve reflexão.

1. A ideia geral de reforma da administração pública resulta de um sentimento geral de insatisfação relativamente ao modo de funcionamento dos serviços públicos. Aqui se cruzam mitos (“perceções”) e verdades: os funcionários públicos não fazem nada, são em número excessivo, ninguém os controla nem disciplina – os mitos; estão deficientemente organizados, abundam as carências e as redundâncias, repetem tarefas burocráticas de utilidade duvidosa – as verdades.

2. Muito embora a insatisfação dos cidadãos tenha por alvo privilegiado a atividade (ou inatividade) da administração pública, por detrás daquela está, com demasiada frequência, o desajustamento da organização relativamente à satisfação eficiente das crescentes necessidades públicas.

3. A organização administrativa pública, para lá do respeito pelos princípios da descentralização e da desconcentração, constitucionalmente consagrados, suporta diversos modelos organizativos: direções-gerais, institutos públicos, fundações públicas, empresas púbicas, associações públicas, autoridades reguladoras e outros.

4. O Governo dispõe de competência para criar, extinguir, cindir, fundir ou alterar a natureza destas entidades. Todos os vinte e cinco Governos Constitucionais que se sucederam o fizeram – uns mais que outros.

5. Extinguir, criar, fundir, cindir ou alterar a natureza de entidades públicas (com a exceção das autarquias locais) constitui uma opção política do Governo e não é contrário à Constituição da República. Pode, sim, ser mais ou menos ajustado ao tipo de funções e aos poderes de cada entidade.

6. O que se afigura insensato – e potencialmente catastrófico – é promover qualquer daquelas operações sem (1) a prévia definição das necessidades públicas a satisfazer e (2) a ponderação cuidadosa dos modelos e instrumentos mais adequados para tal (veja-se o exemplo, já de escola, do extinto SEF).

Antigo presidente do Tribunal Constitucional

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