De que vale vencer a eleição se tal não servir para implementar as políticas que defendi? Após a festa do triunfo, esta dúvida estará agora na cabeça de muitos autarcas eleitos no último domingo, principalmente aqueles que não conseguiram obter maioria nas respetivas câmaras municipais. Tal como o DN explicou, aproximadamente um em cada quatro autarcas está obrigado a conseguir entendimentos pós-eleitorais ou negociar medida a medida com a oposição para fazer avançar as suas decisões, pois não conta com uma maioria de vereadores no executivo municipal que lidera. Se em 2021 eram 50 as autarquias nessa situação, agora o número subiu para 67, sendo que nestas se incluem algumas das maiores do país, como Lisboa, Porto, Gaia e Sintra. Este risco de estar sentado na cadeira do poder e, ao mesmo tempo, ficar paralisado no alcance da sua ação política por depender de terceiros, pode, de facto, ser uma tormenta para os autarcas, enquanto que para a oposição representa uma poderosa ferramenta para fazer vingar as suas ideias ou bloquear as que não lhe interessam. É uma correlação de forças que acaba até, em alguns casos, por subverter a vontade expressa pela maioria dos eleitores, já que empodera quem perdeu a eleição – principalmente se intenção do opositor for apenas a de travar quem governa, sem interesse em procurar compromissos. Essa capacidade de influenciar políticas a partir de uma minoria permite, aliás, olhar para os resultados destas autárquicas e traçar conclusões que vão para além do simples quem ganhou e quem perdeu. Veja-se o caso do Chega. A noite eleitoral não correu como esperava André Ventura, que, quando os votos ainda estavam a ser contados, deu como certa, por exemplo, a eleição de presidentes de câmara no distrito de Setúbal, o que não veio a acontecer. No balanço final, o Chega conseguiu, ainda assim, três inéditas vitórias em municípios (Albufeira, Entroncamento e São Vicente), tantas como o Nós, Cidadãos e menos que CDS (6) e CDU (12), partidos cujo número de deputados na Assembleia da República não chega sequer a um décimo dos que tem a bancada de André Ventura. Mas, no entanto, a quantidade de vereadores eleitos pelo Chega disparou de 19 para 137, espalhados por várias câmaras do país. Focando nos dez concelhos mais populosos de Portugal, vê-se que em sete os vereadores do Chega não são meras ‘peças decorativas’ dos executivos, já que os seus votos tanto podem fazer aprovar medidas propostas pelo presidente da câmara como travar os planos de quem lidera (mesmo que em alguns casos seja necessário um entendimento com outras forças partidárias para se estabelecer uma maioria negativa). Possuir essa capacidade de influência é ter poder. Real e efetivo.Este aumento sucessivo da quantidade de autarquias sem maiorias comprova, segundo o disse o investigador João Cancela ao DN, a fragmentação crescente no eleitorado português. Que não deve abrandar tão cedo. PSD e PS já admitiram a vontade de mexer na lei eleitoral para as autarquias, no sentido de reforçar o poder dos executivos municipais. Aqui, como em tantas coisas na vida, o desafio será encontrar o ponto de equilíbrio: é certo que de um presidente de câmara se espera ação e que não se torne uma espécie de refém da oposição, mas ao mesmo tempo, para ser respeitada a vontade do eleitor, ganhar uma eleição local não pode dar carta branca ao autarca para fazer o que bem entender, como acontece quando há eleições presidenciais em clubes desportivos. Aos presidentes de câmara e aos vereadores, a todos, o que se pede é bom senso. E que coloquem sempre, diariamente, no topo das prioridades os interesses da população que servem, em vez dos interesses partidários. Parece simples, mas exige sentido de responsabilidade e humildade. O problema é que essas, infelizmente, nos dias que correm, são qualidades em risco de extinção.Editor Executivo do Diário de Notícias