A desfeita de Trump a Taiwan

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Um ano depois de chegar ao poder, e com a invasão definitiva de Taiwan preparada, Mao Tse-tung via-se obrigado a virar as atenções para a Coreia, onde em 1950 o Norte invadira o Sul. Temendo a presença de tropas americanas junto às fronteiras da China e pressionado pelos aliados soviéticos, o líder chinês decidiu intervir em apoio ao regime de Kim Il-sung, cujo neto ainda hoje governa a Coreia do Norte. Tivesse a decisão de Mao sido outra e provavelmente, passadas sete décadas e meia, a questão de Taiwan - a ilha onde os nacionalistas de Chiang Kai-shek se refugiaram após a derrota face aos comunistas -, não seria uma das mais espinhosas da geopolítica mundial. Taiwan não seria hoje uma democracia vibrante, 22.ª economia do planeta e um gigante mundial na indústria dos semicondutores. Faria, isso sim, parte da República Popular da China (RPC). Em vez disso, Taiwan, ainda República da China, é hoje vista por Pequim como província rebelde, com as autoridades chinesas a não excluírem recorrer ao uso da força para assegurar a reunificação.

Substituída pela RPC como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU em 1971, Taiwan viu oito anos depois os EUA estabelecerem relações diplomáticas com Pequim. Mas isso não impediu desde então os líderes americanos de manterem um apoio forte - embora informal - a Taipé, fornecendo armas e treino militar aos taiwaneses. Nos últimos anos, Taiwan, que apesar das ambições de independência tem mantido o status quo, viu os aliados desertar para Pequim, restando apenas uma dúzia de países que reconhecem o governo de Taipé. O Paraguai e a Guatemala são dois dos maiores, além do Vaticano e algumas ilhas do Pacífico. O que explica a viagem de William Lai, o presidente de Taiwan, à América Central e do Sul. Mas a paragem prevista para Nova Iorque explica porque tal visita acabou por ser adiada, por “sugestão” da Administração Trump.

Enquanto em Estocolmo decorriam negociações entre as delegações americanas e chinesas para chegar a um acordo sobre as tarifas - que para já resultaram numa extensão da trégua de 90 dias na guerra comercial -, Donald Trump não terá querido arriscar indispor Xi Jinping ao permitir a visita de Lai. Na memória de todos está ainda fresca a irritação de Pequim com uma passagem de Tsai Ing-wen, antecessora de Lai, por Nova Iorque em 2023.

Mais ambíguo do que o seu antecessor, Joe Biden, em relação ao apoio dos EUA a Taiwan, Trump não parece disposto a arriscar a relação comercial com Pequim - e uma muito aguardada cimeira com Xi - em nome do compromisso de defender Taiwan que a América mantém apesar de nunca pôr em causa a política de uma Só China.

Para Lai, esta desfeita de Trump é mais um problema, depois de ter visto falhar a tentativa de expulsar 24 deputados acusados de serem pró-China e de ter de lidar com um vizinho chinês cada vez mais forte e agressivo do outro lado do Estreito, sem saber até que ponto pode contar com o velho aliado americano.

Editora-executiva do Diário de Notícias

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