A aura

Publicado a

Estava eu a escrever uma crónica séria para este dia, quando começo a ouvir alguém na televisão a dizer “o professor é alguém que é respeitado na sociedade, alguém que sabe, alguém que tem autoridade [e] alguém que esteve em manifestações perde toda essa aura, os professores devem estar onde estão”; talvez percebendo a asneira monumental que acabara de proferir, o governante tentou emendar a fala e referiu que os professores devem ter condições para trabalhar e até disse, numa pirueta, que não estava a criticar os professores que foram às manifestações.

Já ia tarde, que o mal estava feito e a revelação de uma mentalidade algo tacanha, extremamente limitada em termos cívicos, tinha vindo de forma muito explícita ao de cima. Pior ainda porque isto foi dito numa escola, na Figueira da Foz, perante alunos do 12.º ano, no que passava por ser uma aula sobre “literacia financeira”. De viva voz e a cores, o ministro amesquinhou qualquer professor daquela turma que tivesse tido a falta de senso, no seu fraquíssimo entendimento do que é o exercício dos direitos de Cidadania, de ter participado em manifestações em defesa dos seus direitos profissionais.

Para este ministro, que certamente se terá mantido sempre longe de qualquer ajuntamento contestatário, por modo a manter a sua “aura”, quem esteve em manifestações perde-a e, como óbvia consequência das suas afirmações, torna-se alguém desrespeitado pela sociedade, que deixa de saber e de ter autoridade. Acredito que ele, ou alguém por ele, irá dizer que aquilo foi retirado do contexto, que disse outras coisas antes e depois, mas o disparate foi dito, que o ouvi bem gravado na peça da RTP.

Lamento que tenhamos um governante na área da Educação que assim pense, mas não me espanta. Já tínhamos a do “vamos embora” e a que se sente “penalizada” por ter assumido políticas que lhe garantiam ser as certas. Fora o pessoal da festarola no Pontal, enquanto o país ardia. Gente que garante querer trabalhar para o bem do país e dos portugueses, mas que tem uma concepção peculiar do papel dos cidadãos na sociedade e da sua relação com o Poder. De cabecinha baixa, sossegadinhos e no seu lugarzinho. Pedindo licença para se levantar da mesa.

Claro que pode dizer que por “aura”, ele se referia a uma “suposta emanação fluídica que se crê emanar e ser parte essencial de um ser vivo” ou mesmo a uma “sensação, física ou psicológica, que precede um ataque ou uma crise de uma doença geralmente neurológica”, quiçá a um poético “vento brando e agradável” (cf. definições do Dicionário Priberam da Língua Portuguesa).

Mas todos percebemos o que disse. Perante alunos. Numa escola. Este ministro acha que professores que se manifestam perdem o respeito da sociedade e a autoridade perante os alunos. É triste. É a modos que poucochinho.

Se, entretanto, pedir (ou pediu) desculpa, é para dizer que não aceito.

Professor do Ensino Básico. Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

Diário de Notícias
www.dn.pt