A agulha no palheiro da PSP

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Ninguém discutirá que os órgãos e agentes administrativos se submetem à lei, como prevê a Constituição no seu artigo 266º. Mesmo que – por mera hipótese – se considere a lei “vetusta”, certamente ninguém no Estado se deve arrogar no direito de proceder de modo diferente daquele que a lei prevê.

Ora, a tão falada Lei de Organização de Investigação Criminal prevê, no seu artigo 8º nº2 que, quando as investigações de tráfico de estupefacientes assumem especial complexidade, pela elevada dimensão, carácter transnacional ou elevada organização das redes criminosas, a competência para investigar é sempre – sem exceção – da Polícia Judiciária.

Imaginemos agora um cenário hipotético, num local imaginário, no qual uma investigação que não assumia contornos de complexidade deteta, de forma inesperada, uma rede transnacional, ou parte dela, altamente organizada, violenta, que se dedica ao tráfico de estupefacientes gerando elevados lucros. Ou seja: fruto do acaso, uma investigação supostamente simples torna-se longa e com inúmeras diligências investigatórias e acaba por desmantelar uma rede internacional de tráfico de estupefacientes.

Este é um exemplo acabado da descoberta de uma agulha num palheiro. Melhor: uma agulha de ouro e com um diamante na ponta! Essa polícia que apenas fez diligências normais para um pequeno criminoso local acabou por infligir um duro golpe numa rede internacional.

Abandonando o imaginário, a PSP terá tido recentemente uma sorte semelhante. Por mero acaso, desmantelou – esperemos que na sua totalidade – uma rede de tráfico de estupefacientes e apreendeu quase seis toneladas de produto estupefacientes sem que nada o fizesse prever. Acreditamos que foi isso que aconteceu, porque se no decorrer das investigações a PSP se tivesse deparado com contornos transnacionais e de rede criminosa complexa de elevada dimensão, seguramente teria informado disso o Ministério Público, o qual, por sua vez, prontamente teria transferido as competências de investigação para a Polícia Judiciária, como manda a Lei.

Ninguém pode supor, aliás, de modo algum, que a PSP, enquanto instituição subordinada à lei e à Constituição da República, possa proceder de forma diferente. Soubesse ela de antemão a extensão do que iria encontrar e teria seguramente informado o Ministério Público, quanto mais não fosse, para não cair no paradoxo de utilizar os seus meios para exercer competências da Polícia Judiciária, ao mesmo tempo que, dizendo não ter meios disponíveis, entrega o controlo estratégico, tático e operacional, das fronteiras nacionais e europeias, que são competência da PSP, aos meios humanos emprestados pela PJ.

Só podemos então concluir – porque não o fazer seria pôr em causa a subordinação do sistema de segurança interna à Constituição e à lei – que a recente e mediatizada operação da PSP, no desmantelamento de uma rede internacional de tráfico de estupefacientes, terá sido afinal por sorte, obra de um feliz acaso.

Não quero acreditar noutra coisa. Seria demasiado grave!

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