Dos zero aos 37 casos em cinco dias. Como a covid-19 voltou à Nova Zelândia

Após 102 dias sem contágios internos, a Nova Zelândia vê-se a braços com um novo surto de covid-19. Maior cidade do país volta ao confinamento.

Apontada como um dos grandes exemplos de sucesso no combate à covid-19, a Nova Zelândia despertou esta semana com a notícia de que o vírus estava de volta e já com transmissão comunitária. Do caso positivo identificado na terça-feira, o país saltou para os 37 casos ativos registados este sábado. Tentando repetir o princípio de "agir cedo e agir com força" que permitiu reduzir a zero o número de infeções no país, Jacinda Ardern decretou o confinamento por 12 dias em Auckland, a maior e mais populosa cidade do país, com cerca de 1,5 milhões de habitantes.

Numa escala de alerta com quatro níveis, aquele que é o centro económico e financeiro da Nova Zelândia está agora no nível três. As escolas mantêm-se abertas para as crianças que necessitem, mas a orientação dada pelo Governo é que as crianças permaneçam em casa e que os trabalhadores fiquem em teletrabalho. Os restaurantes e a generalidade das lojas fecharam, tal como os serviços que implicam atendimento ao público. Os residentes não podem deixar a cidade. O resto do país está em nível dois, com medidas menos restritas.

Já esta sexta-feira, a primeira-ministra Jacinda Ardern justificou a extensão do confinamento (que foi imposto na última quarta-feira, então por um período de três dias) com o tempo necessário para identificar e isolar toda a cadeia de contágios que está agora ativa. A origem do surto não está ainda identificada mas, segundo avançou a primeira-ministra neozelandesa, não estará relacionada nem com o primeiro surto da doença - o genoma do coronavírus associado ao atual surto não terá relação com os que foram identificados em março e abril - nem com entradas no país. Apesar de não registar novos casos há 102 dias, o país manteve sempre casos ativos de infeção por SARS-CoV-2, identificados à chegada ao território e colocados em quarentena. Nesta altura há 19 pessoas nesta situação específica.

Vírus em transmissão comunitária

O novo surto foi detetado no início da semana, numa mulher na casa dos 50 anos que foi ao médico por apresentar sintomas da doença. O teste confirmou infeção pelo novo coronavírus e toda a família próxima (de seis pessoas) foi testada, com três novos resultados positivos: o marido, uma jovem de cerca de 20 anos e uma criança pequena.

De acordo com a imprensa local tudo indica que, apesar de não ter sido o primeiro a manifestar sintomas, o primeiro contaminado da família tenha sido o marido, contagiado no local de trabalho por um colega que ficou doente no final de julho. Uma hipótese que foi sustentada por Jacinda Ardern, em conferência de imprensa esta sexta-feira: "Os testes intensivos e o rastreamento de contactos determinaram que o primeiro caso que encontrámos até ao momento foi o de um trabalhador da empresa de refrigeração Americold, que adoeceu aproximadamente a 31 de julho". Este é, para já, o primeiro sinal de reaparecimento do vírus, mas poderá não ser ainda o paciente zero deste surto, sublinhou a primeira-ministra neozelandesa, acrescentando, no entanto, que a falta de resposta sobre esta questão não impede um combate eficaz ao vírus.

Já o percurso da infeção, a partir dos quatro membros desta família, está definido. Quatro dos novos infetados são colegas de trabalho deste casal (que trabalhava em sítios diferentes), que vieram dar origem a oito novos contágios, todos em contexto familiar. A partir daqui, a infeção dissemina-se para a comunidade, com três casos já registados em escolas. Mas, até agora, segundo garantem as autoridades, todos os casos identificados se inserem nesta cadeia de contágios. Um dos pontos mais preocupantes prende-se com um casal e um filho, membros de uma congregação religiosa, que estiveram numa missa, no último domingo, em que participaram 300 pessoas. As autoridades já pediram a todos os presentes que façam o teste de despiste.

Os casos estão identificados, mas já não estão limitados a Auckland. Dois dos casos positivos foram identificados em Tokoroa, uma cidade situada cerca de 200 quilómetros a sul da primeira, onde esteve um dos infetados iniciais do surto de Auckland.

Mas há outros focos de preocupação para as autoridades de saúde. Na passada semana, pelo menos a jovem de 20 anos participou numa viagem familiar de quatro dias a Rotoroa, um dos principais destinos turísticos do país. Hotel, restaurantes, supermercado, parques de diversões, uma galeria de arte - todo o percurso feito durante essa estadia está agora estampado, com hora e local, nos media neozelandeses.

Segundo afirmou esta sexta-feira o diretor-geral de saúde, Ashley Bloomfield, foram identificados 771 contactos dos infetados e foram realizados, só na quinta-feira, 15 700 testes - o número mais alto no país, feito num só dia.

À procura da origem do surto

Não estando a origem do surto identificada, vão-se colocando hipóteses sobre a mesa. Um deputado considerou que este surto resultará, provavelmente, de uma quebra de segurança nas instalações onde estão alojadas as pessoas em quarentena. De acordo com a CNN, há registo de casos anteriores em que isso sucedeu: em julho, um homem que estava numa dessas instalações cortou a vedação e foi a uma loja de bebidas; e um outro indivíduo, que veio depois a testar positivo ao novo coronavírus, também conseguiu sair, dirigindo-se a um supermercado. Mas Jacinda Ardern já recusou este cenário.

As autoridades de saúde estão também a testar amostras de superfícies na Americold, a empresa norte-americana que trabalha em armazenagem e transporte de produtos congelados, onde terão surgido os primeiros casos. A alegação de que o vírus sobrevive em ambientes refrigerados tem vindo a ganhar eco na China, que esta semana veio dizer que encontrou SARS-Cov-2, o coronavírus que provoca a doença covid-19, em asas de frango congeladas importadas do Brasil. Wu Zunyou, epidemiologista-chefe do Centro de Prevenção e Controlo de Doenças da China, já afirmou que o vírus pode sobreviver na superfície de alimentos congelados até três meses, uma declaração feita em junho na sequência de um surto cujo início foi atribuído a salmão importado da Noruega. Mas, já esta sexta-feira a Organização Mundial de Saúde (OMS) veio dizer que as pessoas "não devem recear a comida ou as embalagens de comida" como fontes de contágio de covid-19, sublinhando, pela voz de Michael Ryan, diretor executivo do programa de emergências sanitárias, que "não há provas de que os alimentos ou a cadeia alimentar estejam a participar na transmissão deste vírus".

Jacinda Ardern, que tem sido apontada como modelo na gestão da pandemia, já veio avisar que o número de casos ainda "vai aumentar, antes de diminuir". A estratégia para enfrentar o novo surto repete-se: identificar o mais rapidamente possível as linhas de contágio, testar em massa todos aqueles que possam ter estado em contacto com infetados e isolar os casos positivos. A estes passos o país juntou uma apertada fiscalização nos aeroportos (um controlo de fronteiras bastante facilitado pelo facto de a Nova Zelândia ser uma ilha) e, no combate inicial à pandemia, um confinamento restrito imposto de imediato quando o país começou a registar os primeiros casos de covid e que se prolongou por cinco semanas.

Mas a Nova Zelândia não está sozinha na lista (restrita) de países que controlaram a pandemia e que, de repente, veem o vírus ressurgir com intensidade. A vizinha Austrália, que também reduziu os contágios a números muito baixos vive agora uma segunda vaga da pandemia, com um crescimento exponencial de novos casos. O estado de Vitoria está sob um restrito confinamento, enquanto na cidade de Melbourne foi imposto o recolher obrigatório entre as oito da noite e as cinco da manhã, as pessoas não se podem afastar mais de cinco quilómetros da sua residência e só podem sair de casa para adquirir produtos essenciais, ou para fazer exercício, mas com condições limitadas.

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