Consciente do "risco" da recandidatura, Hollande anuncia adeus ao Eliseu

Saída de cena do presidente abre porta a candidatura do primeiro-ministro, Manuel Valls. Anúncio é estreia na Quinta República

Num anúncio feito ontem ao início da noite a partir do Eliseu, François Hollande tornou-se no primeiro presidente francês da Quinta República a não concorrer a um segundo mandato. Uma decisão que abre assim caminho à candidatura de outros nomes de esquerda, nomeadamente o primeiro-ministro, Manuel Valls, um dos mais falados.

"Estou hoje ciente do risco do que implicaria encetar um caminho que não tivesse apoio suficiente, por isso decidi não ser candidato nas eleições presidenciais", declarou ontem Hollande, precisamente no dia em que começou o prazo de entrega de candidaturas às primárias da esquerda, marcadas para 22 de janeiro. "Durante quatro anos e meio, servi o país com sinceridade e honestidade", começou por dizer o chefe de Estado francês, aproveitando para recordar as reformas que levou a cabo desde 2012.

As mais recentes sondagens, sem exceção, mostram que nem Hollande, nem qualquer outro candidato socialista ou de esquerda, conseguirão passar à segunda volta das presidenciais, marcadas para 7 de maio do próximo ano. Mas sim que estas serão disputadas entre o candidato do centro-direita, François Fillon, e a líder da Frente Nacional, Marine Le Pen, de extrema-direita.

A esquerda francesa está neste momento profundamente dividida, com socialistas como o antigo ministro da Economia Arnaud Montebourg a dizerem que serão candidatos nas primárias em janeiro. Ou como o ex-ministro da Economia Emmanuel Macron, que abandonou o cargo em agosto para preparar a sua candidatura ao Eliseu, oficializada no passado dia 16 com o aviso de que não participará nas primárias da esquerda.

E claro há Manuel Valls, o primeiro-ministro, que ainda não anunciou publicamente as suas intenções, mas que, numa entrevista dada no passado domingo ao Journal du Dimanche, tinha dado a entender que não descartava concorrer contra Hollande nas primárias da esquerda de janeiro.

"Tomarei a minha decisão ao examinar a minha consciência... Aconteça o que acontecer, os melhores interesses do país irão influenciar a minha decisão", disse há menos de uma semana. Agora que François Hollande está fora da corrida é esperar pelo que Valls tem a dizer sobre as presidenciais.

Uma decisão corajosa

O primeiro-ministro falou já ontem sim, mas sobre a decisão de Hollande, chamando-lhe uma "escolha difícil, amadurecida, séria". "É a escolha de um homem de Estado. Quero transmitir ao François Hollande a minha emoção, o meu respeito, a miha fidelidade e o meu afeto", declarou Valls num comunicado, no qual não abordou a sua eventual candidatura.

Emmanuel Macron, em declarações à RTL, falou de uma "decisão corajosa e digna" e exprimiu o seu "respeito pela pessoa e pela função". O ex-ministro da Economia não quis comentar o balanço positivo que o presidente fez do seu mandato, recordando ter "divergências com François Hollande. Disse-lhos, eles levaram-me a fazer escolhas que assumi, e que não eram fáceis".

Outro candidato de esquerda, mas às primárias, Arnaud Montebourg, saudou "a decisão corajosa" de Hollande, uma decisão que "permite à esquerda preparar o seu futuro, que começa hoje mesmo com as primárias".

Já François Fillon, o candidato da direita às presidenciais, afirmou em comunicado que "o presidente da República admite, com lucidez, que o seu óbvio fracasso o impede de ir mais longe". "Este mandato de cinco anos termina num caos político e numa falha de poder. Agora, mais do que nunca, a alternância e a recuperação da França deve ser construída sobre bases sólidas: a da verdade, sem a qual não há a confiança dos franceses, e a da ação corajosa".

Até à hora de fecho desta edição, Marine Le Pen ainda não tinha reagido ao anúncio do presidente francês. Marion Maréchal-Le Pen, a sua sobrinha e também dirigente da Frente Nacional, escolheu o Twitter para comentar o tema. "Os franceses puseram fim ao duo de traições Hollande-Sarkozy. Eles não estenderão o fracasso aos seus primeiros-ministros", escreveu a deputada, referindo-se à possibilidade de Manuel Valls ser candidato pela esquerda e François Fillon, antigo chefe de governo de Sarkozy, que é o escolhido da direita.

Popularidade em baixa

François Hollande chegou ao Eliseu em maio de 2012 depois de derrotar Nicolas Sarkozy, o candidato de direita que procurava um segundo mandato. Mas a sua popularidade cedo começou a cair devido à sua falta de liderança e os seus avanços e recuos em temas chave como a reforma fiscal. O socialista conseguiu ainda alienar muita da sua base de apoio com a aprovação de leis laborais que levaram milhares de franceses a protestar nas ruas.

Desde novembro de 2013, que Hollande se tornou no presidente em exercício menos popular da Quinta República, iniciada em 1958. É também o primeiro chefe de Estado francês desde então a não se recandidatar a um segundo mandato - Georges Pompidou morreu em 1974 antes de terminar o primeiro mandato. Mas só Charles de Gaulle, François Mitterrand e Jacques Chirac conseguiram a reeleição.

A sua agitada vida sentimental também tem enchido as páginas de jornais e revistas, com muito publicitada separação da jornalista Valérie Trierweiler e as fotos das visitas à nova namorada, a atriz Julie Gayet.

Em outubro, a publicação de um livro de entrevistas que deu a dois jornalistas do Le Monde, que muitos analistas apelidaram de "suicídio político", voltou a penalizar a já frágil popularidade de François Hollande.

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