Isolar os infetados ou abrir região a região. Países que já preparam o regresso à normalidade
Com metade da população mundial obrigada a tomar medidas de maior ou menor confinamento, a Organização Mundial da Saúde levantou o véu sobre como deve ser o futuro, ao dizer que os países que procuram levantar essas limitações impostas para limitar a propagação do coronavírus devem adotar uma abordagem "por etapas".
O diretor da OMS, Michael Ryan, afirmou na segunda-feira que os confinamentos estão de facto "a atenuar as chamas" da epidemia de coronavírus em muitos países.
Para não deitar todo o esforço a perder, Ryan disse que era "provavelmente muito desaconselhável" levantar todas as restrições ao mesmo tempo. Em vez disso, sublinhou que a saída dos bloqueios exigiria uma "abordagem gradual calibrada por medidas" e uma observação dos resultados. "Vamos olhar para os dados. E se isso funcionar, passamos à fase seguinte, e à fase seguinte", disse em conferência de imprensa.
A China levantou o isolamento de Wuhan, a capital de 11 milhões de pessoas da província de Hubei onde o surto de coronavírus apareceu oficialmente pela primeira vez em dezembro. Ao fim de dez semanas de isolamento radical, dá-se o lento retorno ao normal, ou novo normal.
Ainda existem regras restritivas dentro de Wuhan para impedir que o vírus regresse. As escolas ainda estão fechadas e continuam a existir limitações de viagem. Os transportes públicos recomeçaram.
As pessoas podem sair de Wuhan desde que uma aplicação de telemóvel aprovada pelo governo afirme que não constituem um risco de contágio.
Mas se em Wuhan e em países como a República Checa, a Dinamarca e a Áustria anunciaram nas últimas horas um calendário com medidas faseadas de retorno à normalização, há países que ainda estão a apertar a malha.
O Japão, por exemplo. Tóquio registou os primeiros casos de covid-19 no final de janeiro. Os números davam a entender que a pandemia estava sob controlo, mas um aumento de casos e sobretudo de óbitos nos últimos dias (de 57 para 92 em cinco dias) levou o primeiro-ministro Shinzo Abe a declarar nesta terça-feira o estado de emergência. É válido durante um mês e aplica-se em sete províncias, entre as quais Tóquio e Osaka.
No entanto, Abe faz questão de distinguir este estado de emergência em relação ao de outros países, uma vez que não impõe ao cidadão a ordem de ficar em casa, embora seja aconselhado a fazê-lo.
Em França, no dia em que ultrapassou os dez mil mortos associados ao novo coronavírus e que os parisienses ficaram proibidos de correr entre as 10.00 e as 19.00, o primeiro-ministro Édouard Philippe reiterou que o "período de confinamento vai prosseguir". Em 27 de março, a ordem inicial de permanência em casa de 15 dias foi prorrogada até 15 de abril.
Na quinta-feira fora questionado na Assembleia Nacional sobre o levantamento das restrições e disse na ocasião que o executivo iria apresentar nos próximos dias um plano.
"É provável que não se assista ao fim do confinamento de uma só vez em todo o lado e para todos", respondeu Philippe, quando questionado sobre o calendário e o processo para o levantamento das medidas de isolamento, sendo certo que qualquer decisão "terá em conta, acima de tudo, as considerações de saúde pública".
Philippe descreveu o processo de confinamento de França como "assustadoramente complexo", afirmando que não havia "nenhum precedente" ou "método comprovado" para o fazer.
O chefe do executivo aventou a possibilidade do levantamento das restrições ser feito numa base regional e "sujeito a uma nova política de testes, dependendo da idade e de outros fatores".
Um cenário semelhante ao da Itália, onde o primeiro-ministro Giuseppe Conte afirmou que o "regresso à normalidade" terá de ser conseguido "gradualmente".
No domingo, o ministro da Saúde, Roberto Speranza, anunciou um plano em preparação para um levantamento "gradual e controlado" das restrições, que as autoridades preveem para meados de maio.
O país, o que mais mortes associadas ao covid-19 regista em todo o mundo, anunciou na semana passada o prolongamento do confinamento até 13 de abril e, segundo o diretor da Proteção Civil, Angelo Borrelli, esta medida deverá manter-se pelo menos até ao fim de semana prolongado do 1.º de Maio.
O plano prevê um reforço das "redes de saúde locais" para fazer a triagem dos casos identificados para tratamento e testar amostras de população para determinar "quantos italianos foram infetados, se são imunes e como, quantos e em que zonas podem regressar a uma vida normal".
Itália prevê também impor o uso de máscara generalizado, ditar um "distanciamento social escrupuloso" e afetar determinados hospitais para tratamento exclusivo do covid-19, que se manterão abertos para a eventualidade de uma segunda vaga de infeções, para que outros hospitais possam voltar a dedicar-se aos outros doentes.
O governo está também a considerar o desenvolvimento de uma aplicação de telemóvel para cartografar os movimentos dos doentes diagnosticados durante as 48 horas anteriores à infeção e também para facilitar a telemedicina, permitindo, por exemplo, controlar à distância o ritmo cardíaco e a taxa de oxigenação do sangue das pessoas infetadas.
Quando for possível retomar a atividade económica, os primeiros a voltar ao funcionamento normal deverão ser as cadeias de abastecimento alimentar e farmacêutico, seguidos dos estabelecimentos de reparações, se bem que com limites ao número de pessoas atendidas.
Bares, restaurantes, discotecas e recintos desportivos serão os últimos a reabrir e, quando o puderem fazer, terão de assegurar uma distância de segurança de pelo menos um metro entre clientes e entre funcionários.
As pessoas que queiram regressar a Itália deverão fazer quarentena e apresentar à entrada do avião, comboio ou autocarro uma declaração sob compromisso de honra indicando a morada onde vão respeitar a quarentena.
Os transportes públicos deverão manter uma lotação baixa, assegurada por funcionários que controlarão a entrada de pessoas, a distância entre passageiros e a ocupação máxima de um lugar em cada dois.
Itália registou até terça-feira 135 586 casos e 17 127 mortes.
Espanha, o segundo país da Europa com mais mortes (13 912 em 140 617 casos), prepara um plano para o pós-pandemia que passa por isolar as pessoas infetadas.
Segundo a ministra dos Negócios Estrangeiros, Arancha González Laya, para "erradicar o vírus" é preciso "uma estratégia mais diferenciada", que passa por "abrir espaços" para os cidadãos que estão imunizados e "isolar os que têm o vírus, tenham ou não sintomas", porque, com o confinamento em vigor há quatro semanas, atualmente "o contágio ocorre em casa".
O uso generalizado de máscaras também está a ser considerado.
Uma responsável da coordenação da resposta à pandemia do Ministério da Saúde espanhol, María José Sierra, já tinha anunciado no domingo o lançamento de um estudo para determinar a percentagem da população infetada e quantas pessoas estão imunizadas, "informação-chave" para uma distensão das restrições, prevista para dentro de "poucas semanas".
O "estudo de seroprevalência" com teste de anticorpos vai ser realizado pelo Instituto de Saúde Carlos II, em colaboração com o Instituto Nacional de Estatística.
O chanceler austríaco, Sebastian Kurz, anunciou na segunda-feira um roteiro para reativar a atividade económica que tem como primeiro ponto a reabertura dos pequenos estabelecimentos comerciais, com menos de 400 m2, a partir de 14 de abril.
A reabertura implica limites ao número de clientes que podem estar dentro do estabelecimento, uma pessoa por cada 20 m2, medidas rigorosas de desinfeção e a obrigatoriedade do uso de máscara para clientes e trabalhadores.
Estabelecimentos comerciais maiores serão autorizados a abrir a 1 de maio, mas restaurantes, hotéis ou cabeleireiros só a partir de meados de maio, com cuidados especiais.
Os exames finais universitários e do ensino secundário serão realizados, mas as escolas permanecerão encerradas até meados de maio, em data que será anunciada no final de abril, e as universidades manterão as aulas à distância até ao final do ano letivo.
Grandes eventos públicos continuarão proibidos pelo menos até ao final de junho e não há data prevista para a reabertura de cinemas e teatros, piscinas, recintos desportivos e ginásios.
Mantém-se em vigor o apelo aos cidadãos para limitarem as deslocações ao estritamente necessário, como trabalhar, comprar alimentos ou prestar assistência a pessoas vulneráveis.
A partir da próxima semana, será obrigatório usar máscara nos transportes públicos e no interior das lojas, estando prevista uma multa de 50 euros para quem não respeitar a obrigação.
A Áustria, que decretou o confinamento a 16 de março, tem 12 635 casos de infeção pelo novo coronavírus e 243 mortes associadas ao covid-19,.
A primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, anunciou também na segunda-feira a reabertura progressiva de creches e escolas primárias a 15 de abril e as dos níveis de ensino seguintes, incluindo o secundário, a 10 de maio.
Os exames finais do secundário não se vão realizar, dependendo as classificações dos alunos da avaliação contínua.
Restaurantes, cafés, bares, cabeleireiros, casas de massagens, centros comerciais e discotecas continuam encerrados e as concentrações de mais de dez pessoas proibidas.
Igrejas, bibliotecas e recintos desportivos permanecem fechados pelo menos até 10 de maio.
O encerramento de fronteiras também se mantém e as viagens ao estrangeiro desaconselhadas.
A Dinamarca regista 5071 casos e 203 mortes.
Erna Solberg, a primeira-ministra norueguesa, anunciou hoje um alívio progressivo das restrições a partir de 20 de abril, um dia depois de o ministro da Saúde, Bent Hoie, ter anunciado que a epidemia está "sob controlo" no país.
A partir de 20 de abril reabrem creches e consultórios de atividades como a fisioterapia ou a psicologia e é levantada a proibição de deslocações a casas de férias ou de fim de semana.
Numa segunda etapa, com início a 27 de abril, vão voltar a funcionar, parcialmente, os estabelecimentos escolares, incluindo universidades, assim como cabeleireiros e clínicas de massagens e tratamentos dermatológicos.
Mantêm-se em vigor a proibição de eventos culturais e desportivos, o fecho de fronteiras, as medidas de quarentena e autoisolamento, o teletrabalho sempre que é possível, e o encerramento de restaurantes, cafés e bares.
A Noruega registou nos últimos dias uma redução da taxa de propagação, definida pelo número de contágios por cada pessoa doente com covid-19, para 0,7, que compara com uma taxa de 2,5 antes da adoção de medidas de contenção, em meados de março.
Segundo números desta terça-feira, a Noruega regista 5907 casos e 89 mortes.
O vice-primeiro-ministro checo, Karel Havlicek, anunciou na segunda-feira a atenuação gradual de algumas das medidas de contenção, encarada como "um teste", segundo o ministro da Saúde, Adam Vojtech.
A partir desta terça-feira, as pessoas que pratiquem ciclismo, corrida ou outras atividades desportivas ao ar livre deixam de ter a obrigação de usar máscara, imposta em março a todas as pessoas que circulem no espaço público.
Na quinta-feira, são autorizadas a reabrir as lojas de jardinagem, ferramentas, materiais de construção e de bicicletas, desde que ofereçam desinfetante e luvas aos clientes e assegurem uma distância de segurança entre clientes e funcionários.
Até agora, apenas lojas de alimentos e farmácias podem funcionar no país.
O ministro adiantou que vai ser avaliada nesta semana a reabertura de outras lojas após a Páscoa.
As concentrações de mais de dez pessoas continuam proibidas.
As fronteiras vão manter-se encerradas, mas a partir de 14 de abril a proibição de viajar para o estrangeiro vai ser parcialmente levantada, passando a autorizar-se as viagens de negócios, por razões de saúde ou visitas a familiares, desde que os viajantes cumpram 14 dias de quarentena após o regresso ao país.
A República Checa registava na terça-feira 4944 casos de infeção, 88 dos quais mortais.
*Com Lusa