Navegava o navio Libra pelo Mar Adriático com os primeiros 16 migrantes resgatados na costa italiana destinados aos campos de acolhimento na Albânia, fruto de um polémico acordo entre Roma e Tirana, quando foi tornada pública uma carta da presidente da Comissão Europeia destinada aos líderes dos 27 na qual Ursula von der Leyen defende que a União Europeia deveria considerar legislar sobre “centros de retorno” em países terceiros para acelerar as expulsões de imigrantes ilegais. “Com o início das operações do protocolo Itália-Albânia, também poderemos tirar lições desta experiência na prática”, referiu a líder do executivo comunitário. .Na sua missiva de dez pontos de ação para o próximo mandato, conhecida na segunda-feira à noite e que antecede o Conselho Europeu do final da semana onde a migração será um tema a debater, Ursula von der Leyen recordou que “a política de migração da UE só poderá ser sustentável se aqueles que não têm o direito de permanecer na UE forem efetivamente repatriados. No entanto, apenas cerca de 20% dos nacionais de países terceiros que receberam ordem de saída regressaram efetivamente”. .Uma falta de eficácia que para ser combatida precisa de “um novo quadro jurídico para reforçar a nossa capacidade de ação. Os procedimentos e práticas de regresso dos Estados-membros variam significativamente: precisamos de construir um nível de harmonização e confiança que garanta que os migrantes que têm uma decisão de regresso contra eles num país não possam explorar falhas no sistema para evitar o regresso a outro lugar”, prosseguiu von der Leyen, recordando que em 2018 os 27 não conseguiram um acordo sobre políticas de deportação. Uma das primeiras missões do futuro comissário dos Assuntos Internos e Migração, o austríaco Magnus Bruner, será rever a proposta de há seis anos..A posição agora assumida pela presidente da Comissão Europeia quanto à criação de centros de acolhimento e processamento de migrantes ilegais em países fora do bloco foi recebida, sem surpresa, com agrado pela primeira-ministra italiana. “É um caminho novo, corajoso e sem precedentes, mas que reflete perfeitamente o espírito europeu e deve ser empreendido também por outros países fora da União Europeia”, declarou Giorgia Meloni no Senado. “A Itália deu um bom exemplo ao assinar o protocolo Itália-Albânia. (...) Estou orgulhosa por a Itália se ter tornado um exemplo a seguir deste ponto de vista”, prosseguiu Meloni, referindo-se ao interesse dos governos francês, alemão, sueco e britânico na política italiana de gestão dos fluxos migratórios..O governo italiano, controlado pelo partido de extrema-direita Irmãos de Itália, assinou um acordo com Tirana em novembro que prevê a criação de dois centros na Albânia, a partir dos quais os migrantes (apenas do sexo masculino) podem pedir asilo. Este acordo tem a duração de cinco anos e custa à Itália cerca de 160 milhões de euros por ano, além de fortalecer o seu apoio à adesão, já pedida, da Albânia à UE. Os primeiros 16 migrantes - dez do Bangladesh e seis do Egito - foram resgatados no domingo em águas internacionais ao largo de Itália e devem chegar hoje à Albânia. Esta terça-feira, o primeiro-ministro albanês, Edi Rama, assegurou que o acordo migratório é apenas com Itália, adiantando que outros países tentaram assinar entretanto um pacto similar com Tirana, sem sucesso. .Roma decidiu ainda na semana passada prolongar por mais seis meses o estado de emergência nacional migratório que está em vigor devido à chegada de migrantes à costa de Itália desde abril de 2023. E, apesar do governo de Meloni reconhecer que este ano o número de pessoas que chegam do norte de África se ter reduzido em dois terços, as medidas deverão ser mantidas. .A migração ilegal na Europa está longe do pico do milhão de pessoas registado em 2015 - no ano passado foi menos de um terço desse valor -, no entanto cada vez mais Estados-membros dão sinais de quererem restringir políticas migratórias e reclamar uma revisão do Pacto para as Migrações e Asilo, adotado apenas em maio, e que já inclui um endurecimento das regras, sobretudo ao nível do controlo de fronteiras e repatriamento..Se antes eram apenas países com regimes mais autoritários, como Hungria e Eslováquia, o grupo foi aumentando com a chegada ao poder da extrema-direita em Itália e Países Baixos, mas também na Suécia. Este verão, França e Alemanha, até agora defensoras de políticas migratórias justas e humanistas, adotaram um discurso mais securitário, defendendo um endurecimento da política de deportações - Paris com a chegada ao poder do governo de direita de Michel Barnier e Berlim como resposta ao ataque terrorista em Solingen em agosto, reivindicado pelo Estado Islâmico, e a ascensão da extrema-direita..Espanha é caso à parte: por um lado, o primeiro-ministro defendeu na semana passada a antecipação em um ano, para 2025, da entrada em vigor do Pacto para as Migrações, num altura em que as Canárias estão a enfrentar o dobro das chegadas de migrantes ilegais em relação ao ano passado. Mesmo assim, esta terça-feira, Pedro Sánchez rejeitou a ideia de criar centros fora da UE..As medidas de alguns países.Polónia No sábado, o primeiro-ministro polaco anunciou que planeia suspender temporariamente o direito de asilo como parte de uma nova política de migração, perante “alegados abusos” por parte dos vizinhos Bielorrússia e Rússia. Esta medida faz parte de uma estratégia de migração que o governo de Donald Tusk pretende apresentar esta semana. Sucessivos governos polacos acusaram a Bielorrússia e a Rússia de organizarem o transporte em massa de migrantes do Médio Oriente e de África para as fronteiras orientais da UE, com o objetivo de desestabilizar o Ocidente. França O governo francês anunciou no domingo que pretende apresentar ao Parlamento uma nova lei da imigração no início de 2025. Uma novidade que foi saudada pelo líder do partido de extrema-direita Reunião Nacional, Jordan Bardella. Uma das medidas previstas é aumentar o período máximo de detenção de 90 para 210 dias, o que atualmente só é possível em caso de crimes ligados ao terrorismo. “Não temos impedimentos em pensar noutros acordos”, referiu o porta-voz do executivo de Michel Barnier, julgando que não deveria haver “nenhum tabu em termos de proteção dos franceses”. O novo ministro do Interior, Bruno Retailleau, figura da direita conservadora e de linha dura em relação à imigração, defende que “a imigração em massa não é uma oportunidade para França”. Hungria O governo da Hungria anunciou na semana passada que vai deixar de aplicar a legislação da União Europeia em matéria de asilo. Na carta endereçada à Comissão Europeia pelo ministro dos Assuntos Europeus húngaro, Bóka János, é dito que o país “está empenhado em avançar com decisões concretas para proteger as fronteiras e diminuir” a emigração irregular, que o executivo da Hungria diz ser uma “ameaça à segurança nacional”, ainda que não apresente dados. No dia anterior a este anúncio, o primeiro-ministro Viktor Orbán havia ameaçado levar imigrantes para Bruxelas e deixá-los frente aos escritórios da União Europeia se a imigração irregular para a Europa continuar. Alemanha A Alemanha iniciou a 16 de setembro o reforço de todas as fronteiras terrestres, cumprindo as novas medidas do Governo de Olaf Scholz para reduzir a chegada de imigrantes e conter “eventuais riscos de supostos extremistas islâmicos”. Berlim já tinha instaurado controles fronteiriços com a Polónia, República Checa, Suíça e França mas desde esta data as medidas passam a verificar-se também nos postos que fazem fronteira com o Luxemburgo, Bélgica, Países Baixos e Dinamarca. As novas medidas vão permanecer em vigor durante seis meses mas podem prolongar-se durante mais tempo. Na semana passada, a ministra alemã do Interior, Nancy Feaser, considerou ser necessária uma revisão da política de regressos, já que a legislação atual, que está em vigor há seis anos, “não funcionou”. Países Baixos O novo governo neerlandês, dominado pela extrema-direita, pediu a 18 de setembro à União Europeia uma isenção das obrigações em matéria de migração para cumprir a promessa eleitoral de reduzir drasticamente o número de imigrantes nos Países Baixos. O executivo está a planear declarar uma “crise de asilo” para abrir caminho a medidas mais duras, que incluem a redução dos vistos para familiares das pessoas a quem foi concedido asilo, e tornar mais fácil e rápida a deportação de imigrantes que não são elegíveis para asilo..ana.meireles@dn.pt