Após ler o seu livro Terra Desolada, fiquei com a ideia de que, na sua opinião, um conflito em Taiwan, uma guerra envolvendo a China, será muito maior e muito mais perigosa para o mundo do que esta guerra na Ucrânia. Estou certo? Sim. Está certo, sim. Repare, todos podemos discutir sobre a guerra na Ucrânia. Todos podemos discutir e argumentar sobre a guerra em Gaza. Mas essas guerras não mudaram o nosso mundo da forma que uma guerra no Pacífico mudaria. Lembre-se, a Primeira Guerra Mundial mudou o mundo. As pessoas não eram as mesmas depois dela. Deixe-me explicar melhor: a guerra na Ucrânia continua há quase quatro anos, mas não afetou muito as contas bancárias das pessoas. Quando as pessoas olham para as suas poupanças e para os seus investimentos, não mudou nada. O mesmo acontece com a guerra em Gaza. Não mudou nada. Mas se tivéssemos uma guerra no Pacífico entre as duas ou as três maiores economias do mundo, e falo dos Estados Unidos, da China e do Japão, por causa de Taiwan, ou por causa do Mar do Sul da China, o que for, as pessoas olhariam para as suas contas bancárias, para os seus investimentos, e veriam uma queda dramática. Os mercados financeiros mundiais incorporaram o impacto das guerras na Ucrânia e em Gaza. Mas não poderiam fazer o mesmo para uma guerra no Pacífico. Isso mudaria o nosso mundo. Os mercados iriam declinar dramaticamente. E os bancos centrais não teriam os meios para corrigir. Porquê isso? Porque teríamos uma guerra entre as duas ou as três maiores economias do mundo. Os Estados Unidos, a China e o Japão são as maiores economias. Teríamos uma guerra sobre as redes de abastecimento, as redes de abastecimento mais importantes. Teríamos uma guerra sobre as principais rotas marítimas de comércio. No Mar do Sul da China e Taiwan. À medida que a economia mundial passou a ter um centro geográfico, esse centro foi crescentemente no Pacífico. Por isso eu digo no livro que uma guerra no Pacífico mudaria as nossas vidas e o nosso mundo muito mais dramaticamente do que o que aconteceu com as guerras na Ucrânia ou no Médio Oriente. Quando olhamos para os Estados Unidos, ainda é a economia mais rica, e o país, de longe, com a maior força militar. Mas uma guerra contra a China, mesmo com o Japão como um aliado e até Taiwan como um aliado, será sempre uma guerra difícil para a América ganhar, porque seria combatida muito longe dos Estados Unidos? Sim. É fácil ver como uma guerra assim pode começar. É difícil ver como uma guerra assim irá terminar. Uma guerra pode começar por acidente, por não se saber ler os sinais corretamente. Isso aconteceu em vários momentos na História. Muitas vezes, na História, as guerras começam quando nenhum dos lados quer uma longa guerra. Outras guerras começam quando os dois lados acham que é uma guerra curta, e no entanto torna-se uma guerra longa e de grande amplitude. Então, como é que uma guerra como essa poderia terminar? Com a derrota da liderança chinesa? O fim do comunismo na China? O caos na China? O que quer que seja, seria massivo, bem acima do que vemos na Ucrânia ou em Gaza.A Inteligência Artificial será parte dessa eventual guerra, ou será mais uma guerra como normalmente imaginamos?A Inteligência Artificial teve já tem um papel em conflitos na Ucrânia e em Gaza. Tem desempenhado um papel. Os israelitas mataram 12 cientistas nucleares iranianos num só dia. Existe um elemento de Inteligência Artificial nisso. Mas uma guerra no Pacífico seria de muito mais alta tecnologia do que as guerras que já vimos. Quando pensamos em guerra naval, voltamos à Segunda Guerra Mundial, e pensamos em mísseis disparados de uns navios para os outros, mas isso não é já realmente o caso hoje. Agora, o armamento de navios é todo automatizado. Seria uma questão, sim, de quem poderia derrubar mais cedo os satélites do outro no espaço..Existe a possibilidade de essa guerra, essa hipotética guerra entre a China e os Estados Unidos, ser mais do que uma guerra convencional, mesmo com alta tecnologia, e tornar-se algo como uma guerra nuclear? Isso é possível. Lembre-se, estamos a lidar com duas potências nucleares. Provavelmente não acontecerá. Mas uma guerra para destruir a economia do mundo, não precisa de se tornar nuclear. Tudo o que precisa ser feito é usar armamento de alta qualidade que expandiria os limites territoriais da guerra. Lembre-se, a China tem baterias de mísseis localizadas no interior profundo do país. Se houvesse uma guerra entre os Estados Unidos e a China, não seria limitada a Taiwan e ao Mar do Sul da China. Haveria ataques no interior profundo da China. E, como eu disse, é fácil ver como uma guerra como essa poderia começar. É difícil descobrir como uma guerra como essa terminaria sem o colapso dos regimes ou de todo o sistema asiático de poder.Mas imagina também possível retaliação da China no território americano?Poderia acontecer. Poderia, apesar de não ser provável. Poderia. Mas lembre-se da nossa experiência recente com guerras. Ninguém pensou que a Guerra da Ucrânia iria continuar durante quatro anos. Bem, continua. Ninguém pensou que o 7 de Outubro iria causar tanta devastação em Gaza, no Irão, no Líbano, com a destruição do Hezbollah. Bem, aconteceu. A invasão do Iraque em 2003 era suposto ser uma guerra limitada e rápida. Ela continuou por muitos anos. A Primeira Guerra Mundial é o melhor exemplo da História em que toda a gente pensou que a guerra iria durar apenas algumas semanas e ela continuou durante quatro anos e matou 18 milhões de pessoas. As guerras têm tendência para ficar fora de controlo. Há muitas ocasiões na História em que uma pequena guerra se transformou numa grande guerra.Estamos a debater muito sobre o poder dos Estados Unidos e da China. A Rússia agora é apenas uma suposta superpotência? Esse poder é só por ter um enorme arsenal nuclear ou os russos ainda podem ambicionar a um papel importante no cenário global? A Rússia tem um aparelho militar enorme. É muito agressivo. As bombas nucleares são parte disso, mas não tudo. E quem está a enfrentar a Rússia é a Europa. Vamos olhar para a Europa por um momento. No início da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos tinham cerca de 700 navios de guerra, a maioria deles muito pequenos. Quando a Segunda Guerra Mundial acabou, em 1945, os Estados Unidos tinham sete mil navios. Construíram um vasto arsenal naval por causa da guerra, essencialmente. A Ucrânia passou a ser uma guerra quase tão longa como a Segunda Guerra Mundial. Mas vê esse nível de aumento nos meios militares da Grã-Bretanha, da Alemanha, da França, de Portugal, da Espanha, da Itália? Na Europa é tudo conversa. É tudo conversa, palmadinhas nas costas, e promessas de fazer mais. Mas quando olhamos o que estão a gastar e o que estão a construir, os europeus não tiveram, de forma nenhuma, uma resposta ao desafio da Rússia. A Espanha, por exemplo, não vai aumentar sequer até 2,5% do PIB o investimento em Defesa. Isto acontece numa altura em que a Guerra da Ucrânia vai quase em quatro anos. Os alemães afirmam que vão gastar todo esse dinheiro novo em meios militares, mas quando olhamos em que gastaram, coisas como uniformes e outras coisas, isso torna-se menos e menos impressionante. Então, não é que a Rússia seja tão forte, é que a Europa ainda está imersa numa resposta de procedimento pacifista, mesmo depois do que aconteceu na Ucrânia nos últimos quatro anos. A Europa está a mudar, mas não muito depressa.Quando menciona a Europa, está a falar da União Europeia em geral, ou mesmo em algo mais vasto, envolvendo o Reino Unido? É ainda possível falar de União Europeia na resposta à Rússia, ou cada país está apenas a defender o próprio interesse?Repare, a Polónia construiu umas Forças Armadas muito fortes. A Polónia respondeu ao desafio da guerra na Ucrânia. Os romenos realmente aumentaram as capacidades de Defesa. Muito disso é geográfico. Os países mais próximos da fronteira russa melhoraram as suas defesas. Mas aqueles longe da fronteira russa, mesmo se são membros da União Europeia e da NATO, não fizeram quase nada. Então, do que estamos realmente falar é do Reino Unido, da França e da Alemanha, que são os países-chave da Europa. E se olharmos onde estavam há quatro anos, em termos militares, e onde estão agora, não existe assim tanta diferença.Uma última pergunta sobre as Nações Unidas, que mencionou no seu livro, relembrando os magníficos discursos do passado, e como foi um palco para os líderes mundiais. Agora, as Nações Unidas não se mostram capazes de lidar com os desafios internacionais e tentar resolver os problemas do mundo. Qual a sua opinião sobre a ONU? Quando era criança, e já tenho 73 anos, nos Estados Unidos, toda a gente conhecia o nome do secretário-geral da ONU. O secretário-geral da ONU era uma pessoa famosa. Ora, hoje, nos Estados Unidos, ninguém sabe quem é o secretário-geral da ONU. Por quê? Vários motivos. A ONU foi essencialmente suplantada por outras organizações globais. Davos não existia quando eu era mais novo. A União Europeia não estava tão desenvolvida quando eu era mais novo. A ONU era tudo o que existia em termos de um sonho de um mundo globalmente unido. O interessante é que, observando a guerra de Gaza, havia uma coisa absolutamente ausente, à qual ninguém dava atenção em nenhum dos lados. Essa coisa era a Organização das Nações Unidas e, em certa medida, a Europa. Ambos os lados, os israelitas e os palestinianos, estavam conscientes do que Washington estava a fazer. Estavam conscientes do que a Rússia e a China estavam a fazer. Mas a ONU estava totalmente ausente. É claro que ela fez muitas declarações, mas não tiveram qualquer efeito.