Um Donald Trump de perfil, com a palavra “Liberdade” acima e, por baixo, “1776-2026”. Segundo os esboços partilhados pelo Departamento do Tesouro, será assim a moeda de um dólar especialmente cunhada para assinalar os 250 anos de independência dos Estados Unidos. A moeda com o rosto do presidente será apenas uma pequena parte de um programa de celebrações do 4 de Julho que passa por uma “Grande Feira Americana”, uns “Jogos Patrióticos” que vão juntar jovens atletas dos 50 estados dos EUA sob a supervisão do secretário da Saúde Robert F. Kennedy Jr., e um evento de artes marciais mistas, o “Ultimate Fighting Championship”, na Casa Branca. Uma festa que o presidente quer “patriótica”, mas que dificilmente conseguirá unir um país que a 3 de novembro irá às urnas numas eleições intercalares que os democratas veem como uma oportunidade para recuperar o controlo de pelo menos uma das câmaras do Congresso e dificultar a segunda parte do mandato de Trump. .Para Dennis Redmont, as celebrações dos 250 anos da independência têm tudo para ser “mais um campo de batalha para conflitos ideológicos”. O jornalista americano, antigo chefe da Associated Press na Europa do Sul e que foi correspondente da agência em Portugal, onde agora vive, garante que esse conflito, capaz de agudizar ainda mais umas divisões já profundas na sociedade americana, “já começou”. E dá o exemplo dos 1776 dólares que Trump prometeu há dias a cada soldado americano e que o jornalista acredita ir “provocar protestos de outros funcionários estatais. Porque não aos polícias, porque aos bombeiros?”, interroga.Ora 250 anos depois dos Pais Fundadores da América terem brindado à independência da antiga colónia britânica com vinho da Madeira, após assinarem a Declaração de Independência redigida por Thomas Jefferson que fixou para a História a frase: “Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade”, a América enfrenta sérios desafios. “Os EUA chegarão aos dois séculos e meio de independência profundamente divididos e com a clara sensação que, na Casa Branca, não está quem os proteja e valorize, mas sim quem os fragilize e exponha ao ridículo”, garante Germano Almeida. O especialista em Assuntos Internacionais, autor de vários livros sobre os EUA, incluindo O Colapso da Verdade e Isto Não é Bem um Presidente dos EUA, acredita que “Os Estados Unidos vivem o pior momento político interno em várias décadas. Provavelmente, desde o final dos anos 60, quando o país estava em polvorosa, pelo desastre no Vietname e ainda traumatizado pelos assassinatos de John Kennedy, Bobby Kennedy e Martin Luther King. A segunda presidência Trump está a ser um desastre: incompetente, divisiva, errática.”Germano Almeida recorda que “pela primeira vez em muitos anos, setores da base MAGA [Make America Great Again] manifestam publicamente a sua insatisfação: esperavam um primeiro ano de Trump 2.0 mais efetivo na economia, mais consequente no controlo da Imigração e mais focado nas questões internas.” O especialista em relações internacionais garante que não é só junto da sua base mais radical que o presidente americano perde apoios. “Nada disto tem o apoio consistente nos americanos, que preferiam manter uns EUA mais racionais, a projetar melhor reputação junto dos seus aliados tradicionais. Preferiam, sobretudo, um presidente que não agravasse divisões entre estados ‘democratas’ e estados ‘republicanos’ e não acicatasse ódios internos.”Mais otimista é a visão de Francisco Resendes. O diretor do Portuguese Times, jornal sediado em New Bedford, acredita que 250 anos depois de 13 colónias se terem rebelado contra a superpotência da época, a América “ainda é uma terra de oportunidades”. E garante que “a corroborar esta ideia de que os EUA continuam a ser considerados um país de grande expansão e desenvolvimento, a tal terra de oportunidades que surgiu sobretudo a partir do século XIX, e que continua a ser o motor económico de praticamente todo o mundo, basta constatar as várias correntes migratórias ou as tentativas de inúmeras famílias procurarem residência aqui em busca de uma vida melhor para os seus filhos.”Nascido nos Açores, mas a viver nos Estados Unidos desde 1977, Francisco Resendes acredita que “a América é ainda uma referência em vários setores de atividade, nomeadamente o emprego e a educação: um país de referência na ciência, medicina, arte, tecnologia, investigação, indústria, agricultura, etc..” Os números mostram um desemprego nos 4,6%, o mais alto dos últimos quatro anos, a inflação está nos 2,8%, mas também há boas notícias, como o facto de a economia americana ter crescido 4,3% no último trimestre, acima das expectativas, e de os preços dos combustíveis estarem ao nível mais baixo desde 2020, segundo a revista Fortune.Oportunidade para os democratas?É com um presidente e uma dupla maioria republicana no Congresso - na Câmara dos Representantes e no Senado - que a América vai celebrar os 250 anos de independência, mas os democratas esperam que isso mude a 3 de novembro quando os americanos forem a votos nas eleições de meio de mandato. Em causa está a renovação dos 435 membros da Câmara dos Representantes, 35 dos 100 senadores, além de 36 dos 50 governadores. “São eleições importantes para o Partido Democrata, mas não terão impacto definitivo. Os democratas estão a passar uma fase difícil onde se verifica quase uma batalha geracional. O eleitorado mais velho tem preferência por candidatos tradicionais e moderados, enquanto os mais novos preferem figuras como Zohran Mamdani, o recentemente eleito mayor de Nova Iorque”, explica Diana Soller. A investigadora do IPRI/ Nova, e coautora de Donald Trump - O Método no Caos admite que são muitos os assuntos que podem pesar na decisão dos americanos no momento de votar, mas apesar de Trump se vangloriar de já ter posto fim a oito guerras, de ter intermediado um cessar-fogo em Gaza e de continuar a procurar um acordo capaz de suspender o conflito na Ucrânia, a política externa pouca influência terá. “A política externa sempre teve pouco impacto nas eleições americanas, especialmente as intercalares, apesar dos congressistas terem responsabilidades nessa matéria. O único assunto que poderá ter peso é a questão das tarifas, mas pelo seu impacto na economia americana e não no seu efeito externo.”Francisco Resendes também vê na economia uma das questões mais centrais nestas eleições. “A economia é sempre um ponto fulcral porque vai diretamente ao ‘bolso das pessoas’”, explica o diretor do Portuguese Times. E dá o exemplo da sua região: “Atualmente a economia na Nova Inglaterra sofre uma pequena desaceleração, atrás da média nacional, com um crescimento modesto do emprego, a inflação continua ainda elevada, especialmente nos custos de habitação registando-se ainda um considerável aumento nos pedidos de subsídio de desemprego. No entanto, o custo dos combustíveis baixou desde que o novo inquilino da Casa Branca tomou posse e o setor da saúde no estado de Massachusetts respira ‘saúde’, com um bom desempenho.” Olhando para os cenários possíveis a 3 de novembro, o luso-americano admite que “convém realçar que as próximas intercalares serão uma autêntica “prova dos nove” ou exame à política de Trump, sendo de prever uma maior equilíbrio no Senado e na Câmara dos Representantes. Vou até mais longe: o Partido Democrata pode ganhar a Câmara dos Representantes e isto devido não à atual situação económica do país, mas sim às políticas demasiadamente rígidas e extremistas de Trump na área da imigração.”.Ao contrário de Diana Soller, que não as vê como determinantes, para Germano Almeida, as intercalares “serão a grande oportunidade para os democratas travarem os efeitos da segunda presidência Trump e concretizarem nas urnas as consequências da enorme impopularidade de Donald Trump”. Já Dennis Redmont garante que “a questão fundamental é qual vai ser a taxa de participação. Os eleitores suburbanos e os jovens irão às urnas? E os 40 milhões de americanos nascidos no estrangeiro? E, claro, há sempre surpresas.” Aqui recorda a entrevista que deu ao DN antes das últimas presidenciais americanas: “fiz uma previsão ao DN de que nem Biden nem Trump seriam candidatos e falhei por três milímetros”, diz em referência à tentativa de assassínio de que o republicano foi alvo, tendo sido alvejado numa orelha oito dias antes de o democrata desistir de tentar a reeleição. Olhos em 2028Mesmo faltando ainda um ano para chegarmos a meio do mandato de Trump, as peças do xadrez já se começam a posicionar para as presidenciais de 2028 que irão ditar quem será o seu sucessor. Do lado republicano, o vice-presidente JD Vance parece estar em vantagem. Mas nada é garantido. “Vance lidera para já as sondagens para a nomeação republicana e [o secretário de Estado Marco] Rubio, para já, diz que não será candidato se Vance for. Mas se acontecer o mais provável - um final de mandato Trump muito mau, com mínimos de aprovação e total incapacidade de resolver seja o que for - não acredito que Vance se mantenha como opção liderante. Rubio, Nikki Haley, Ron DeSantis ou Ted Cruz podem ser alternativas com potencial de crescimento nos próximos dois anos”, diz Germano Almeida. .Também Diana Soller acha cedo para dar Vance como candidato garantido, além de ainda não ser claro “se ser vice de Trump e ter uma filiação ideológico-religiosa tão forte - é católico convertido e assumidamente pós-liberal - o vão favorecer ou desfavorecer”. Também a investigadora vê em Rubio um “putativo candidato” em 2028. “É mais tradicional sem estar completamente desligado do eleitorado MAGA. Dependendo dos acontecimentos até lá pode ser considerado pelos republicanos uma escolha mais adequada”, afirma Soller. Do lado democrata, a investigadora vê um dilema entre “escolherem um candidato moderado, como fizeram “com Hillary Clinton e Joe Biden”, tendo tido resultados mistos, ou apostar num candidato mais radical, o que Soller admite poder vir a acontecer “mais cedo ou mais tarde”. “Não tanto pela vitória de Mamdani, mas pela resposta à radicalização do Partido Republicano que esteve sempre em diálogo - profundamente conflituoso, é certo - com a esquerda radical. Um alimenta ou outro”, explica. Já Dennis Redmont está convencido que “é muito cedo para dizer. A geopolítica e a economia vão falar nas urnas. Talvez nem saibamos os nomes dos candidatos com muita antecedência. Duvido que os democratas ou os republicanos cheguem unidos a 2028.” E lança a hipótese: “Um terceiro partido pode distorcer os resultados, como Ralph Nader ou Ross Perot fizeram no passado.”