Apoiantes de Bassirou Diomaye Faye celebram a sua vitória na primeira volta das presidenciais no Senegal. Com ele acentua-se o desejo de mudança e de deixar para trás a Françafrique.
Apoiantes de Bassirou Diomaye Faye celebram a sua vitória na primeira volta das presidenciais no Senegal. Com ele acentua-se o desejo de mudança e de deixar para trás a Françafrique.AFP

Senegal, 'Françafrique, mon amour', o preço certo!

A vitória do candidato da oposição, Bassirou Diomaye Faye, nas recentes presidenciais assentou em premissas que passam por cortar com a relação com a antiga potência colonial e iniciar uma “mentira nova”, com a Rússia ali ao lado, a controlar a Aliança dos Estados do Sahel (o vizinho Mali, Burquina e Níger).
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As recentes eleições presidenciais no Senegal, de 24 de março, viram no resultado uma “abrilada de rutura” com o sistema, com os mais velhos, com a França, com o que resta da Françafrique e do seu modelo de “independência na dependência” na relação da França com as ex-colónias, forjado por Jacques Foccart, o “Jorge Jardim dos Presidentes (PR) de Gaulle e Pompidou”. A vitória à primeira volta do candidato da oposição, Bassirou Diomaye Faye, assentou em premissas como acabar com o Franco CFA, a Moeda Única da África Ocidental, rever os contratos de fornecimento de petróleo à “majestática ELF”, por exemplo. Cortar com as “metástases da Françafrique” e iniciar uma “mentira nova”, com a Rússia ali ao lado, a controlar a Aliança dos Estados do Sahel (o vizinho Mali, Burquina e Níger). Será isto possível, uma emancipação pan-africanista a partir do Senegal?

Primeiro há que ter presente que o modelo de dependências criado pela teia de interesses vulgarizada por Françafrique, foi concebida para lidar com as elites e não com o povo. Ora o novo PR Bassirou Diomaye Faye (BDF), 44 anos, ex-Inspector das Finanças Públicas do Senegal, representa e incorpora uma geração politizada, mas que tende para as opções tecnocráticas. Uma geração que procura soluções, não estando presa a uma casta que lhe condicione o comportamento. Este sentimento de irmandade na oportunidade, lê-se nos olhos uns dos outros sem legendas e está lá, é palpável! Mas cortar as metástases obrigará ao corte de “hábitos quase consuetudinários”, não impostos pelas instituições mas por rotinas que se tornaram hábitos culturais, como por exemplo a “avalanche de dinheiro” que as apostas nas corridas de cavalo em França, movimentam na África francófona. O futebol também é Cultura, Sagrado e Intocável. Esta primeira camada, este véu é muito delicado já que mexe com as paixões das pessoas. Outra camada que não dá vislumbre ao corte anunciado na campanha eleitoral do PR BDF, é o fim do Franco CFA. Pelo menos de forma independente e sem interferências externas, com Rússia a acenar-lhes com a possibilidade de um “Rublo Africano”, enquanto Moeda Única a ser já projetada entre Mali, Burquina e Níger. Mexer no Franco CFA é mexer com o bolso das pessoas e a verdade é que esta moeda única criou dependências, mas também assegurou estabilidade na economia doméstica, a base das restantes.

Por outro lado, o Senegal já não representa a “joia da coroa” de outrora, estando as atenções do PR francês, Emmanuel Macron, focadas na Costa do Marfim e no seu amigo, o octogenário PR Alassane Ouattara (Macron opta claramente pelo código africano do “poder do Soba”, do respeito pelo mais velho, negligenciando o debutante Faye). O silêncio do Quai d’Orsay em relação à mudança no Senegal, é representativo desse desprezo bem como da experiência de quem conhece bem o que são os constrangimentos do exercício do poder, depois de o conquistar. A França está certa da importância da Rússia na região e da “parede” que o Senegal representa para o acesso ao mar dessa hinterlândia recentemente russificada. Por outro lado, também reconhece no Senegal e na “parede” que o país representa, um ativo estratégico de tal importância que nunca se transformará num vazio a potencialmente ser ocupado pelos russos. Não, o que está em jogo é tal que a França sai para dar lugar aos americanos. Primeiro por estarmos no Atlântico Norte, segundo porque os americanos precisam de interlocutores na sub-região (Marrocos começa a servir de interlocutor, por outro lado o ex-PR do Senegal, Macky Sall, vai estabelecer residência fixa em Rabat). E terceiro porque os americanos têm maior capacidade para apresentarem um “dólar africano” e travarem as vontades russas de expansão até ao Atlântico. E todo o preço será barato face ao custo desse avanço!

Outra frente anti-França na agenda eleitoral do novo PR, é acabar com a CEDEAO, a “CEE da África Ocidental”. Também aqui será confrontado com os constrangimentos do exercício do poder. Porquê? Porque há três “ministérios” em França com estratégias definidas para África e que funcionam em paralelo, o Quai d’Orsay, o Ministério da Defesa e a Agência Francesa para o Desenvolvimento. Para se acabar com a CEDEAO e com a Fançafrique, é preciso que estes três tenham políticas descoordenadas, o que não acontece! Ou seja, o Senegal pode manifestar vontade de sair, mas até a sua saída estará condicionada, como está atualmente a do Níger, o qual ao declarar “efeitos imediatos” na carta de rescisão, a Carta da CEDEAO o que diz, é que cada membro tem o direito de manifestar vontade de sair, mas isso só acontecerá oficialmente um ano após a data da primeira manifestação. Até lá, o candidato à saída poderá dar o dito-por-não-dito e reintegrar os trabalhos sem reparos ou julgamentos. É durante esse “ano de limbo” que se manifestam as pressões/negociações, para que não se avance com a rutura. Atualmente o Níger, mesmo tendo manifestado vontade de sair, não está impedido de participar nos trabalhos da CEDEAO, medida de psicologia invertida de imediato aplicada, enquanto tentativa de mitigação da rutura. Mali, Burquina e agora Níger, estabeleceram a já mencionada Aliança dos Estados do Sahel. Todos membros da CEDEAO, congeminam entre si a formação de uma “cedeaozinha inicial a três”, que arraste mais membros, como o Senegal, a reformularem o dispositivo regional do Sahel ao Golfo da Guiné, com uma “CEDEAO alargada” e um “G16-Securitário” em substituição do moribundo G5-Sahel. Esta visão é desejada pelo Ocidente, já que acompanha as movimentações e prioridades jihadistas, o que uma vez mais faz desta combinação de fatores nesta “África do punho e do gatilho” que o Continente desenha, um ativo de tal importância estratégica que não constituirá vazio sem rumo. Pelo contrário, apresenta oportunidade para a NATO assumir a despesa completa, já que o Atlântico norte vai até à linha do Equador!

A proclamação do fim da Fançafrique!

Em rigor, Dakar parece estar destinada a ser sempre pano de fundo no eterno debate Françafrique, realité ou mythe? Pourquoi? Porque o PR François Hollande em outubo de 2012, na Assembleia Nacional de Dakar, decretou em discurso o fim da Françafrique ao dizer, “O tempo da Françafrique é passado: há a França e a África, com relações fundadas no respeito, na clareza e na solidariedade”! Já o antecessor Nicolas Sarkozy ainda enquanto candidato presidencial fez do fim da Françafrique um slogan de campanha, para depois deitar tudo a perder no que ficou conhecido pelo “Discurso de Dakar”, de 26 de julho de 2007, na Universidade Cheikh-Anta-Diop, ao chocar professores e alunos, políticos e empresários, mais os taxistas com o rádio sintonizado, ao dizer que “o homem africano não entrou o suficiente na História”, entre outros clichés eurocêntricos que degradaram logo no início a presidência Sarkozy. Neste “ping-pong de mal-entendidos”, Hollande celebrou África enquanto “Berço da Humanidade”, fazendo esquecer “as limitações do Homem africano”, de Sarkozy.

Em rigor, a Françafrique é aquela prática entranhada que não se extingue por decreto, espelhando-se no quotidiano mais básico e democrático como o jogo, as transferências bancárias, os casamentos mistos, os destinos de férias, as redes sociais. Há que entender que o centro agora é o indivíduo e não O Estabelecimento, sendo o primeiro o motor dos negócios, dos contactos, do económico que domina e condiciona o político, de ambos os lados, decretando o perpetuar do modelo vigente, apesar do discurso político ir no sentido do “politicamente correcto contrário”, uma “subversão da subversão” que mantém os equilíbrios e os humores!

Outro ponto fulcral a entender é esta aparente mudança de rumo no Senegal, ter reforçado a sua importância estratégica, conjugada com uma abordagem regional de Kidal a Lomé, de Dakar a N’Djamena, o “bolo em disputa” entre este pan-africanismo incorporado pelo novo PR do Senegal, o “Ocidente eterno”, a “novel Rússia” e a “paciente China”! Quem quiser a mudança ou a manutenção do statu quo, terá que considerar esta ampla geografia, tendo a NATO larga vantagem nesta frente atlântica, sendo tudo uma questão de orçamento e prioridades. Mas o preço, é certo!

Politólogo/Arabista

www.maghreb-machrek.pt (em reparação)

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