E num instante o que não se sabe é dado por adquirido. "Vilões, vilões! Os terroristas do regime ucraniano, tentado eliminar Aleksandr Dugin, fizeram explodir a sua filha... num carro. Abençoada a memória de Darya, ela é uma verdadeira rapariga russa!", escreveu no Telegram Denis Pushilin, líder pró-russo da região separatista de Donetsk; "Centros de decisão! Centros de tomada de decisão!!! [atacar a sede dos serviços secretos ucranianos] ", pediu Margarita Simonyan, editora-chefe da televisão RT; "O assassinato de Darya Dugina mostra que a Ucrânia está a alargar a sua forma de fazer guerra (...) está a alargar o espectro de ação estratégica (...) passou para a ação subversiva", considerou o major-general Agostinho Costa na CNN Portugal; "Se o rastro ucraniano for confirmado (...) devemos falar sobre a política de terrorismo de estado implementada pelo regime de Kiev", insinuou María Zajárova, porta-voz no ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia..E o que se sabe? Muito pouco. Somente que Darya Dugina, 29 anos, jornalista, politóloga, apoiante declarada do regime e ultranacionalista, filha de Aleksandr Dugin - considerado o "ideólogo", o "cérebro" de Vladimir Putin à semelhança de Lev Gumilev -, morreu na explosão do carro que conduzia quando regressava a casa vinda do festival cultural "Tradição". Saiu e cinco minutos depois o carro, um Toyota Land Cruiser, explodiu..Os investigadores, em comunicado, garantiram que o ataque "foi feito à medida. Foi constatado que um engenho explosivo foi colocado na parte inferior do carro, ao lado do condutor"..Piotr Lúndstrem, um dos músicos que participou no festival, escreveu no Telegram que Aleksandr e Darya iriam regressar no mesmo carro. Só que isso não aconteceu. Aleksandr Dugin mudou de ideias à última da hora e quem seguiu no seu carro foi somente a filha. Piotr Lúndstrem questiona-se: "Quem queriam eles matar? Ela? Ou equivocaram-se no carro? Onde colocaram a bomba?"..O líder do movimento Horizonte Russo, Andrei Krasnov, amigo da família, confirmou que a viatura pertencia a Aleksandr Dugin e que ele seria o alvo. "Este era o carro dele. Darya tinha outro, mas esta noite no regresso levou o carro dele"..Mikhail Podoliak, conselheiro presidencial de Volodymyr Zelensky, negou de imediato qualquer ligação do seu país com este caso: "Sublinho que a Ucrânia nada tem a ver com isto, porque não somos um Estado criminoso como a Federação Russa e não somos um Estado terrorista"..Podoliak elaborou ainda sobre o que se estará a passar dizendo que a Rússia começou a "desintegrar-se internamente" e que vários grupos estão a entrar em confronto numa luta pelo poder. Mais ainda: como parte deste confronto ideológico, a "pressão da informação" na sociedade está a crescer e a guerra na Ucrânia está a ser utilizada como uma via de fuga, enquanto setores nacionalistas se estão a radicalizar ainda mais..A teoria do conselheiro presidencial de Zelensky encontra respaldo na leitura de especialistas sobre a Rússia ouvidos pelo El País, como Mark Galeotti e Serguéi Radchenko, que dizem que o que está a acontecer pode ser motivado por um confronto interno. Por outras palavras, o "ultranacionalismo russo tornou-se uma dor de cabeça" para Putin. Tradução: o presidente russo tem sido criticado pela sua gestão da guerra - "um regime de máximo conforto" - e até o próprio Dugin exigiu "mudanças estruturais e ideológicas" no governo..O desalento de Dugin, defensor da "Nova Rússia", terá começado em 2014. O "ideólogo" queria a ocupação militar do Donbass - não apenas da Crimeia -, mas Putin ficou-se pelo apoio financeiro e militar aos separatistas. "Se Putin não manda tropas será o fim da Rússia e ao mesmo tempo o fim de Putin", escreveu nessa altura..A solução para uma nova Rússia não levantava quaisquer dúvidas a Dugin: "Há que matar e matar e matar os ucranianos. Não há mais nada para decidir. É o que penso como professor"..Outra leitura próxima da teoria da "dor de cabeça" vem do centro de analistas R.Politik que vê neste caso "consequências muito sérias" porque o setor conservador, o ultranacionalista, "exigirá uma liderança mais radicalizada" do que aquela que Putin "pode oferecer"..Andrei Klishas, líder do Comité do Conselho da Federação sobre Legislação Constitucional e Construção do Estado, usou mesmo a morte de Darya para concluir que "o golpe desferido contra Aleksandr Dugin indica que os nossos inimigos temem a componente espiritual da nossa luta. Essa luta é a coisa mais importante"..Tal como o pai, Darya também foi alvo de sanções ocidentais que a acusaram de contribuir para a desinformação em relação à guerra. Numa entrevista em maio, descreveu a guerra na Ucrânia como um "choque de civilizações" e manifestou orgulho por ela e o pai terem sido sancionados pelo Ocidente..Darya Dugina era também comentadora política do canal de televisão nacionalista Tsargrad , que ontem a elogiou: "Como o seu pai, sempre esteve na vanguarda do confronto com o Ocidente".