Quase duas décadas depois do então presidente Vicente Fox ter descrito as mulheres como “máquinas de lavar roupa de duas pernas”, o México assiste hoje à tomada de posse de Claudia Sheinbaum como a primeira mulher chefe de Estado do país, depois de ter sido eleita em junho com uma vitória esmagadora, a maior desde que terminou o sistema de um só partido em 2000. “Eu disse desde o início que não se trata apenas de eu chegar aqui, mas de todas nós chegarmos aqui. (…) Não vou falhar-vos!”, prometeu a cientista ambiental, de 62 anos, após ganhar as eleições..Sheinbaum deve grande parte de sua popularidade ao presidente cessante, Andrés Manuel López Obrador, fundador do partido de esquerda Morena (ao qual também pertence), que tem um índice de aprovação de 73%, mas que, pela Constituição, só pode cumprir um mandato. Há precisamente um mês, AMLO fez um balanço final do seu mandato de seis anos, tendo-se despedido de uma imensa multidão presente no Zócalo, a famosa praça central da Cidade do México. “Vivemos numa verdadeira democracia, construímos uma nova pátria” e “estabelecemos as bases para iniciar uma nova etapa”, declarou..Esta terça-feira a antiga líder do governo da capital vai receber a presidência, mas também o legado de AMLO, que inclui um pacote de reformas constitucionais iniciadas por López Obrador, incluindo uma reforma controversa do sistema judiciário que a oposição considera uma medida preocupantemente autocrática por parte do partido do governo. No centro dessa reforma - entretanto aprovada pela maioria que o Morena tem no Congresso e já promulgada pelo presidente -, está a eleição de juízes e magistrados por voto popular, com AMLO a argumentar que o poder judicial servia até agora a elite política e económica, e não o público..Sheinbaum terá também de lidar com uma promessa de justiça que o seu antecessor não conseguiu cumprir junto das famílias dos 43 estudantes de Ayotzinapa desaparecidos há uma década. O governo de López Obrador reconheceu a responsabilidade de militares. Houve, inclusive, algumas detenções e autorizou a abertura de arquivos, mas o Exército negou-se a entregar todos os documentos sobre o desaparecimento dos jovens. María de Jesús Tlatempa, mãe de um dos estudantes, já prometeu manter suas exigências a Claudia Sheinbaum, para que seu governo encontre ou identifique os corpos. No total, mais de 100 mil pessoas continuam desaparecidas no país. .Mas talvez o maior sucesso dos seis anos de governação de AMLO, e que se reflete em Sheinbaum, é o sentimento de justiça socio-económica impulsionada pelo aumento do salário mínimo, reformas laborais, e descida da pobreza, mas também pela retórica do presidente cessante. “Muita da população sente que há finalmente alguém no poder que responde aos seus interesses”, explicou ao The Guardian o historiador Humberto Beck..Por outro lado, e apesar de o número de homicídios ter descido ligeiramente, o México continua a ter uma das taxas mais altas da América Latina, com mais de 30 mil assassinatos anuais em cada um dos seis anos do mandato de AMLO. A nova presidente também terá de lidar com o papel do Exército. López Obrador prometeu que iria devolver os militares às casernas, mas acabou por aumentar o seu papel na segurança interna e dar-lhes novas funções no controlo da alfândega e até no desenvolvimento do turismo..ana.meireles@dn.pt