No segundo semestre de 2026, a Irlanda vai assumir a presidência do Conselho da União Europeia, dando início a um novo trio de presidências - Irlanda, Lituânia e Grécia. Quais serão as principais prioridades?Em primeiro lugar, é uma grande honra para a Irlanda assumir a presidência. Eu era ministro dos Assuntos Europeus quando Portugal deteve a presidência e penso que fizeram um excelente trabalho. Uma grande lição que tirei disso é que temos de lidar com os problemas à medida que eles surgem. Porque Portugal teve a sua presidência no primeiro semestre de 2021 e, quando estavam a fazer o planeamento inicial, não podiam prever a covid-19 e, mesmo quando a covid-19 chegou, provavelmente não previram que duraria um ano. Mas Portugal fez um excelente trabalho e quero garantir que fazemos o mesmo. As nossas prioridades ainda estão a ser definidas, e é por isso que vim a Portugal, para ouvir o que a minha homóloga Inês Domingos e os deputados portugueses têm para dizer. Faço-o também noutros países. Mas, de um modo geral, podemos identificar três categorias de questões, embora muito amplas. A competitividade é uma área em que a Irlanda se pode destacar, e daí decorrem muitos benefícios. Os nossos valores, a nossa democracia, também contribuem para isso. Além disso, a segurança e a defesa estão na agenda de todos os Estados-membros da União Europeia. Existem, portanto, três categorias principais, e há muito trabalho a fazer até lá em termos de preparativos.A segurança, neste momento, é inevitavelmente uma prioridade para a UE. Mas aconteça o que acontecer no rumo da guerra na Ucrânia até ao segundo semestre de 2026, o apoio a Kiev será sempre uma prioridades da presidência irlandesa, mesmo que seja na vertente do apoio à reconstrução?Sim. O presidente [Volodymyr] Zelensky visitou a Irlanda na semana passada. E foi muito bem recebido. Anunciámos mais apoio militar à Ucrânia, mais 100 milhões de euros, o que eleva o total do apoio militar da Irlanda para 225 milhões. Há também apoio humanitário. A Irlanda tem um dos maiores números de refugiados ucranianos per capita entre os países da UE. Atualmente, cerca de 2% da nossa população é constituída por refugiados ucranianos. É muita gente, mas integraram-se muito bem. Portanto manteremos a Ucrânia no topo da agenda. Fomos muito firmes desde o início no apoio à adesão da Ucrânia à UE. O primeiro-ministro [Micheál Martin] comprometeu-se com o presidente Zelensky a dar prioridade a esta questão e pediu-me que trabalhasse arduamente nesse sentido. Por isso, manteremos a Ucrânia como prioridade máxima. A nossa segurança e defesa são áreas que precisamos de garantir que são suficientes para satisfazer as necessidades dos Estados-membros. Atualmente, muitos recursos estão a ser investidos na segurança e defesa. E é natural, porque a Rússia representa uma ameaça para todos, incluindo os países neutrais. Mas, para além disso, a guerra na Ucrânia já nos está a custar muito dinheiro, quer pelo apoio militar a Kiev, quer pelos refugiados, quer pelo aumento dos custos energéticos ou pela redução da atividade económica. Por isso, precisamos de um cessar-fogo. E precisamos de garantir que a Rússia não volta a fazer o mesmo. Uma das formas é garantir que nos podemos defender, o que os dissuadirá de atacar outros países.Cerca de 75% dos cabos de telecomunicações do hemisfério norte passam pela zona económica exclusiva da Irlanda ou perto dela. Essa é também uma das grandes preocupações para a Irlanda em matéria de segurança?É uma preocupação. E que se verifica também em toda a Europa. Porque não são cabos irlandeses, são cabos de todos nós, uma vez que a informação circula por toda a Europa. Portanto, são ativos importantes que precisam de ser protegidos. São muito importantes para a nossa segurança económica. E temos de perceber que a Rússia representa uma ameaça aos cabos submarinos e, portanto, uma ameaça à nossa segurança económica. Por isso, é fundamental investirmos na nossa defesa. Por esta razão, o anterior governo decidiu, mesmo antes da invasão da Ucrânia, tomar medidas para aumentar as despesas com a defesa. E isso já começou a acontecer. Estamos a implementar um aumento nos gastos. Isto significa alguns requisitos básicos: radar, sonar, estratégia de segurança marítima, aumento do efetivo da Marinha e cooperação com outros países. Neste momento, estamos a estabelecer o que eu chamaria de requisitos fundamentais. Uma vez concluídos estes requisitos, poderemos tirar partido deles para criar umas forças armadas com capacidade suficiente para um país da nossa dimensão e com as suas características insulares.A Irlanda não é membro da NATO, mantendo uma política de longa data de neutralidade militar. Após a invasão russa da Ucrânia, vimos Finlândia e Suécia abandonarem a neutralidade e aderirem à NATO. A ameaça russa pode fazer com que o povo irlandês repense isso ou, pelo menos, reabra o debate na Irlanda? Bem, a neutralidade pode ser descrita dizendo que não aderimos à NATO. Portanto, não fazemos parte de uma aliança de defesa. Mas quando a Rússia invadiu a Ucrânia, não fomos moral nem politicamente neutros. O povo da Irlanda, o governo da Irlanda, percebeu que era errado, que era ilegal e totalmente injustificado. E é por isso que a Irlanda apoiou a Ucrânia de muitas formas, apesar de ser tradicionalmente militarmente neutral. E a opinião pública tem apoiado isso, quer que o façamos. Mas somos a favor de uma maior cooperação com a NATO ao nível da UE. Somos membros da Parceria para a Paz há mais de 25 anos. Realizamos missões de manutenção da paz, por exemplo, no Kosovo, sob o comando da NATO. Queremos manter boas relações com a NATO, mesmo sem fazer parte dela. A NATO define os padrões para as forças armadas no mundo ocidental. E nós queremos ter equipamentos que cumpram estas normas e sejam interoperáveis com os estados membros da NATO também.Em 2004, a presidência irlandesa da UE coincidiu com o maior alargamento da UE. Agora, o alargamento é novamente um desafio. Como poderá uma UE com 30 ou mais Estados funcionar no futuro?Penso que encontraremos uma forma de trabalhar juntos, pois é do interesse de todos. Definimos o alargamento como uma prioridade muito importante. Dissemos ao presidente Zelensky e ao governo ucraniano que trabalharemos arduamente em relação à sua adesão. Mas temos um objetivo principal: concluir as negociações com o Montenegro durante a nossa presidência. Isto exige muito trabalho também por parte do Montenegro. É um grande desafio. E é realmente importante para o Montenegro, mas também para todos nós, porque precisamos de uma economia segura. E se tivermos países nos Balcãs Ocidentais ou noutras partes da Europa de Leste que não sabem se estamos do seu lado, isso leva-os a outras influências. Por isso, se conseguirmos que o Montenegro avance durante a presidência irlandesa, isso enviará sinais muito importantes a outros países, demonstrando que a sua casa é na UE, o que os beneficia a eles e a todos nós. A UE tem trabalhado muito bem com os 27 Estados-membros e pode continuar a trabalhar bem. É claro que haverá sempre questões em que os Estados-membros têm as suas próprias perspetivas. Esperamos um pacote de reformas da Comissão. Espero que seja no próximo ano, e veremos o que trará. Mas podemos fazer muito, mesmo com as regras que temos atualmente.Outrora um dos PIGS, com Portugal, Grécia e Espanha, a Irlanda recuperou rapidamente da crise financeira. Tanto que foi recentemente classificada como o país mais competitivo da zona euro. A competitividade é um dos desafios para a UE, se esta quer ser um interveniente principal e não ficar atrás dos EUA e da China? Sim, existe uma enorme oportunidade no Quadro Financeiro Plurianual em termos de apoio à competitividade, apoio à produção dos nossos próprios materiais e garantia de que a inovação acontece também na UE. Mas precisamos de estar abertos ao mundo. Temos de continuar a ser uma instituição comercial forte, um grupo comercial de países. Isto é muito importante para a Irlanda. Precisamos de agilidade. E precisamos de reduzir a burocracia nas regras europeias. As regras permitem que o mercado único funcione. Mas, em alguns casos, foram longe demais. Essa é uma tarefa importante para a nossa Presidência. Podemos fazer muito mais em termos de barreiras dentro do nosso mercado único, incluindo para os bens. Poderíamos expandir o mercado único de serviços e concluir também uma união de poupança e investimento. Tudo isto tornaria a Europa mais forte e aumentaria o nível de vida dos nossos cidadãos, que é o que realmente importa.E podemos todos aprender com o exemplo irlandês?Bem, a Irlanda passa por dificuldades de tempos a tempos. Mas não tomamos nada como garantido. Estamos constantemente à procura de investimento, de oportunidades para nos adaptarmos e para nos educarmos. E as duas principais coisas que ajudaram a economia irlandesa ao longo das décadas foram a adesão à UE e o nível de escolaridade, que começou a aumentar consideravelmente por volta da altura em que aderimos à UE.Nos últimos anos, a relação da Irlanda com a UE foi também marcada pelo Brexit e pelos desafios para garantir que não houvesse uma fronteira rígida com a Irlanda do Norte. Na altura, falou-se bastante de uma possível reunificação da ilha. Esse debate ainda está em curso?É sempre um tema de debate. O Acordo de Sexta-Feira Santa prevê que, se o Secretário de Estado para a Irlanda do Norte, em Londres, entender que existe uma maioria a favor da Irlanda Unida, então terá de realizar um referendo. Isso está previsto no tratado. Atualmente, o Secretário de Estado acredita, e ouvi-o falar sobre isso recentemente, que não existe uma maioria na Irlanda do Norte a favor de uma Irlanda Unida. E provavelmente tem razão. Aquilo a que o nosso governo tem procurado priorizar é o aumento das ligações reais entre o Norte e o Sul, e entre as próprias pessoas da Irlanda do Norte. Estamos literalmente a construir pontes, ligações rodoviárias e educativas, e a facilitar o diálogo na Irlanda do Norte. Esse o caminho que quero continuar a percorrer, porque é uma pena que eles tenham saído. Devo referir a questão da fronteira e das mercadorias. Esta questão foi resolvida a nível da UE, e estamos muito gratos por toda a solidariedade que Portugal e outros Estados-membros nos demonstraram. Foi um grande sucesso. Mas penso que a Irlanda tem um futuro promissor. No entanto, não me quero distrair com acontecimentos políticos que possam ter consequências indesejadas.A Irlanda aderiu à UE em 1973. E as sondagens mostram que, mais de meio século depois, os irlandeses têm uma opinião muito favorável da União. Quais são os maiores benefícios que a adesão à UE trouxe à Irlanda?Bem, quando eu era criança, os maiores benefícios eram as transferências de dinheiro, porque éramos um país recetor de apoio financeiro e precisávamos dele numa altura em que a economia estava em grandes dificuldades. Portanto, a UE contribuiu muito para a nossa infraestrutura. Mas hoje as pessoas veem o que aconteceu com o Brexit e a forma como a economia britânica se deteriorou, e percebem que a UE é muito, muito boa para a Irlanda. Um milhão de pessoas viajaram da ilha da Irlanda para o aeroporto de Faro no ano passado. Um milhão. Portanto, os irlandeses viajam e sabem que a UE facilita isso. Este é um exemplo prático. Mas também sabem que a nossa economia se desenvolveu enormemente desde que aderimos à UE e sentem que os prós superam largamente os contras.Veio a Lisboa para contactos com as autoridades portuguesas. Como podem a Irlanda e Portugal reforçar a sua relação e prepará-la para o futuro?A relação é muito boa. Temos ideias semelhantes em muitas questões, particularmente no compromisso com o multilateralismo, no compromisso em manter boas relações de ambos os lados do Atlântico, e em sermos parceiros pragmáticos e construtivos na mesa europeia. Como já disse, temos um número enorme de irlandeses que vêm a Portugal visitar. Temos também uma boa relação comercial, o que pode surpreender algumas pessoas. Penso que poderíamos fazer mais a nível governamental. Podíamos ter mais visitas oficiais da Irlanda a Portugal, mas também de Portugal à Irlanda. Recebemos o vosso presidente na Irlanda há uns anos, e que homem maravilhoso! Foi uma excelente visita, e já tivemos outras visitas. Mas penso que podemos fazer mais, por isso vamos continuar a explorar essa possibilidade..O bom exemplo da Irlanda