A cimeira dos BRICS em Kazan serve para o anfitrião russo, Vladimir Putin, mostrar que não está isolado, apesar da invasão da Ucrânia há quase dois anos e das inúmeras sanções do Ocidente. Putin recebe os “amigos”, espera que esta guerra seja só uma nota de rodapé nos encontros e planeia ver crescer o grupo de países sob a promessa de uma nova visão de multilateralismo que põe em causa o domínio dos EUA. Na quinta-feira, o líder russo vai reunir com o secretário-geral da ONU, António Guterres, num encontro que não agrada a Kiev. .O grupo dos BRICS (sigla formada pela primeira letra, em inglês, do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) cresceu este ano para incluir Irão, Egito, Etiópia e Emirados Árabes Unidos. A Arábia Saudita foi convidada a aderir, mas ainda não o fez oficialmente, tendo a Argentina recusado o convite. Os BRICS+ representam 45% da população mundial e 26% da economia global. Mais de uma dezena de outros países, como Turquia (apesar de ser membro da NATO), Azerbaijão ou Malásia, querem ser os próximos a entrar ou procuram um estatuto especial de parceiros associados. Moscovo disse que o tema não está na agenda por haver “diferentes pontos de vista”, mas poderá ser discutido..“Nos últimos 15 anos de existência, o BRICS estabeleceu-se com sucesso e dezenas de países desejam agora aderir ao grupo”, lembrou o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, no encontro com Putin, que atualmente detém a presidência rotativa do grupo. “Os BRICS podem ser uma forma de sair do totalitarismo americano e criar um caminho para o multilateralismo”, disse o presidente iraniano, Masoud Pezeshkian. “Podem ser uma solução para lidar com o domínio do dólar e lidar com as sanções económicas dos países”, referiu..No total, líderes e representantes de 36 países são esperados em Kazan - sendo a grande ausência o presidente brasileiro, Lula da Silva, que após uma queda foi aconselhado a não viajar. Putin tem marcados 15 encontros, tendo esta terça-feira reunido com o presidente chinês, Xi Jinping, e o sul-africano, Cyril Ramaphosa. .O primeiro lamentou a “a situação internacional caótica”, dizendo contudo estar “firmemente convencido de que a profunda amizade que uniu a China e a Rússia de geração em geração não mudará”. Putin disse que esta relação é “um exemplo” para os outros países. Já Ramaphosa considerou a Rússia um “aliado querido” e um “amigo precioso” da África do Sul. Nenhum deles terá tocado no tema da Ucrânia, ao contrário de Modi..Apesar de ter destacado o reforço das relações entre Nova Deli e Moscovo e mencionado a “forte amizade” entre os dois países, o primeiro-ministro indiano também fez questão de referir a guerra na Ucrânia. “Acreditamos que os problemas devem ser resolvidos apenas através de métodos pacíficos”, disse Modi, insistindo que a Índia está disponível para apoiar esse caminho..Questionado pelos jornalistas, Putin lembrou que a Rússia não irá entregar as quatro regiões ucranianas que diz que agora são parte do seu território e reiterou que Moscovo quer que os seus interesses de segurança a longo prazo sejam tidos em conta. De acordo com um assessor presidencial de Putin, citado pelo site RT, os líderes dos BRICS concordaram em tomar uma posição comum sobre a guerra, que será incluída na declaração final, mas não revelou os detalhes - em 2023 ocupou um parágrafo num documento com 26 páginas..A questão da Ucrânia deverá contudo ser central no encontro que Putin terá com Guterres, nesta quinta-feira. Kiev criticou o secretário-geral da ONU por ter aceitado o convite do “criminoso de guerra”, quando declinou estar presente na primeira cimeira da paz que se realizou na Suíça. “É uma escolha errada que não avança a causa da paz”, indicou o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, alegando que este gesto “só prejudica a reputação das Nações Unidas”. O porta-voz de Guterres lembrou que esta não é a primeira vez que participa numa cimeira dos BRICS e que terá uma série de encontros bilaterais..susana.f.salvador@dn.pt