Como o MDB, partido de oposição autorizado pelos militares durante a ditadura, derivou demasiado para a direita e para o conservadorismo nos primeiros anos da redemocratização do Brasil, a 25 de junho de 1988 membros mais jovens e progressistas do partido decidiram sair e fundar o Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB). Mas, depois de vencer duas eleições presidenciais e disputar a segunda volta nas quatro seguintes, o PSDB pode ser engolido nas próximas semanas pelo mesmo MDB de quem se emancipou há 36 anos.O partido de Michel Temer, presidente de 2016 a 2018, disputa com o PSD, de Gilberto Kassab, maior vencedor das últimas municipais, e com o Podemos, formação, como as anteriores, de centro-direita, o que resta do PSDB. E o que resta do PSDB são 13 deputados, quando no auge, em 1999, chegou a 99, e três senadores, número muito distante dos 16 que somava em 2007. Sobram três governadores estaduais, no Rio Grande do Sul, no Mato Grosso do Sul e em Pernambuco, os dois últimos já em conversas há meses para abandonarem o partido. Para tristeza dos ainda simpatizantes do partido, a preservação da sigla PSDB não está na mesa das negociações – o partido, chamado pela esquerda de centro-direita e pela direita de centro-esquerda, vai mesmo desaparecer, engolido pela “melhor oferta”.Ninguém poderia prever que o PSDB, com tanto sucesso eleitoral inicial, acabasse desta forma. Nas eleições de 1989, as primeiras após a redemocratização, o candidato e fundador Mário Covas obteve 10,78% dos votos, menos do que Collor de Mello e Lula da Silva, que passaram à segunda volta. Entre um e outro, o PSDB optou então pelo segundo e perdeu. Entraria, porém, no governo de Itamar Franco, que sucedeu a Collor, entretanto derrubado em impeachment.Fernando Henrique Cardoso, ministro da Fazenda de Itamar e considerado o pai do Plano Real, que estabilizou a economia brasileira, concorreu às presidenciais de 1994 pelo PSDB e venceu Lula à primeira volta, com 54%. Em 1998, ganhou novamente ao líder do PT e mais uma vez logo à primeira, com 53%.Nas quatro presidenciais seguintes, o candidato tucano (a ave tropical serve de mascote do partido) chegou sempre à segunda volta, primeiro com José Serra, depois com Geraldo Alckmin, a seguir com Serra outra vez e finalmente com Aécio Neves mas perdeu para Lula, duas vezes, e Dilma Rousseff, outras duas. Por 20 anos, PSDB e PT mantiveram, portanto, uma rivalidade feroz mas civilizada que consolidou a democracia brasileira.Em 2018, dois anos após o impeachment de Dilma, os tucanos sonhavam com a vitória de Alckmin, então bem avaliado governador de São Paulo e com quase o dobro do tempo de antena dos rivais por causa da ampla aliança partidária que costurara. No entanto, se o PT ainda chegou, via Fernando Haddad, à segunda volta, o PSDB não resistiu ao envolvimento do nome de alguns dos principais barões do partido na Operação Lava-Jato, como Aécio, e viu Jair Bolsonaro ultrapassá-lo, pela direita, a alta velocidade. Alckmin, hoje vice-presidente de Lula pelo PSB, não chegou a 5%.E em 2022, depois de uma luta fratricida nas primárias do partido entre João Doria, governador de São Paulo, e Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, o PSDB acabou por só nomear a candidata a vice-presidente, a deputada Mara Gabrilli, de Simone Tebet, do MDB, terceira classificada, com 4%, muito atrás dos fenómenos eleitorais Lula e Bolsonaro.“Houve equívocos ao longo do tempo”, admitiu Marconi Perillo, presidente do partido, em entrevista no canal GloboNews. “Deixarmos de lançar candidatura própria à presidência da República em 2022, na minha opinião, foi o maior”. O dirigente também considerou errada “a estratégia de bater só no Bolsonaro em 2018”. “Tínhamos também que ter protagonizado uma discussão com o PT, que sempre foi o nosso adversário tradicional”.“Agora, temos conversado sobre o que é melhor do ponto de vista da fusão ou da incorporação, para muitos, o ideal seria continuarmos a solo, mantendo as nossas bandeiras, o nosso ideário, o nosso programa mas nós ficamos pequenos...”, admitiu. Um grupo de militantes do PSDB lançou, mesmo, um manifesto a pedir a continuidade do partido. “Os cenários atuais, político e geopolítico, complexos e desafiadores, estão a requerer inteligência e prestígio que só o PSDB pode significar”, lê-se na nota. Mas a extinção parece inevitável.O politólogo Vinícius Vieira, da Fundação Armando Álvares Penteado, aponta, além de erros das lideranças, dois fatores estruturais como responsáveis pela decadência do partido: a mudança do tecido socioeconómico do país e o bolsonarismo. “Um partido como o PSDB, originalmente com tendências liberais na economia e nos costumes, só tinha lugar num Brasil que era minimamente competitivo em indústria na globalização ou tivesse disseminado valores do liberalismo político entre a população”.“E o bolsonarismo deixou o PSDB nu porque fica evidente que parcela significativa votava no partido não por convicção, mas por falta de alternativa para combater o PT e Lula”.