Em 2024, mais de 70 países foram às urnas para escolher os seus governantes, além do bloco dos 27 que votou para o Parlamento Europeu. Estamos a falar de cerca de quatro mil milhões de pessoas, metade da população mundial, espalhadas por todos os continentes, desde democracias, como a Índia ou os Estados Unidos, a regimes autocráticos como a Rússia, o Irão ou a Venezuela. O ano terminou de forma atribulada com protestos pós-eleitorais em Moçambique e na Geórgia e a anulação das presidenciais na Roménia.“As eleições em 2024 apresentaram um quadro misto: eleições em grande parte competitivas nas democracias, eleições fraudulentas nas autocracias e violência política generalizada. O que vem a seguir é o verdadeiro teste para a democracia”, pode ler-se na análise do think tank Freedom House relativa ao último ano eleitoral.As investigadoras Yana Gorokhovskaia e Cathryn Grothe notam ainda que, “em pelo menos 16 eleições, os autocratas prenderam arbitrariamente ou desqualificaram adversários antes da votação para eliminar mesmo a mais ínfima hipótese de perderem o controlo do poder”, como aconteceu na Argélia, Azerbaijão e Ruanda, e “a violência contra candidatos políticos, contra os locais de votação e durante os protestos pós-eleitorais também foi um fator importante, com impacto em 26 eleições em todo o mundo”.No México, pelo menos 38 pessoas, a maioria concorrendo a cargos locais, foram mortas durante as Eleições Gerais, enquanto em França, 51 candidatos e ativistas foram agredidos antes das legislativas.“Eleições livres, justas e pacíficas são parte integrante da democracia, mas por si só não podem garantir a sua sobrevivência. Num sinal de possíveis problemas futuros, uma série de campanhas de 2024 incluíram promessas explícitas dos candidatos de punirem os seus oponentes”, refere a mesma análise da Freedom House, enumerando, entre outros exemplos, que, “segundo a Rádio Pública Nacional, Donald Trump fez mais de 100 ameaças de processar os seus adversários políticos durante a campanha”.“Não há dúvida de que 2024 foi um grande ano para a extrema-direita, um ano terrível para os governantes e um ano problemático para a democracia em todo o mundo. Ainda assim, não será tão impactante como o annus horribilis de 2016, que trouxe o Brexit e a primeira vitória de Trump”, escreve Cas Mudde, especialista em Democracia e Populismo, na edição de janeiro/fevereiro da revista Prospect.Populismo e nepotismoO partido de extrema-direita Reunião Nacional (RN) foi o mais votado na primeira volta das legislativas antecipadas francesas, acabando por ser ultrapassado na segunda volta pela coligação de esquerda Nova Frente Popular, encabeçada pelos radicais da França Insubmissa. Estas eleições foram desencadeadas pelo resultado das Europeias, ganhas em França pela RN, escrutínio no qual a extrema-direita também conseguiu bons resultados na outra grande potência europeia, a Alemanha. Fora da Europa, assistiu-se ainda à continuação de dinastias políticas, como no Paquistão, onde Shehbaz Sharif, irmão mais novo do três vezes primeiro-ministro Nawaz Sharif, foi eleito para a liderança do governo, ou na Indonésia, que tem agora como presidente Prabowo Subianto, genro do ditador Suharto.Contra a continuidadeAs eleições gerais de julho no Reino Unido puseram fim a 14 anos de governação dos conservadores, com o regresso dos trabalhistas ao poder a ser marcado por um resultado histórico: conquistaram 411 dos 650 lugares do Parlamento. Cenário idêntico assistiu-se nas eleições gerais do Botswana, em que o BDP foi derrotado, pondo fim a um domínio iniciado com a independência, em 1966. Noutros casos, quem estava no poder manteve-se, mas com uma margem mais curta, em jeito de aviso de um crescente descontentamento por parte dos eleitores, como na Índia, onde o partido do primeiro-ministro Narendra Modi perdeu a sua maioria parlamentar, obrigando à formação de um governo de coligação. Interferência e incertezaPara resolver, em 2025, ficaram as presidenciais da Roménia, cuja primeira volta, ganha pelo quase desconhecido candidato pró-russo Calin Georgescu, foi anulada após alegações de interferência de Moscovo. Sob o espetro da influência do Kremlin está também a Geórgia, onde os protestos pró-europeus têm enchido as ruas da capital desde as legislativas de outubro, cujos resultados não são reconhecidos pela oposição, tendo o mesmo acontecido com as Presidenciais de dezembro.Em Moçambique, a vitória da Frelimo nas eleições gerais de outubro, tanto quanto ao sufrágio presidencial, como ao parlamentar e provincial, deram origem a protestos manchados por centenas de mortes, destruição de bens e milhares de detidos, que ganharam novo fôlego em dezembro quando os resultados foram confirmados pelo Conselho Constitucional.ana.meireles@dn.pt