A propaganda é tão antiga quanto a humanidade e evoluiu com o tempo e as tecnologias. Hoje em dia, as redes sociais deram aos políticos uma ferramenta que lhes permite fazer tudo sozinhos e alcançar o mundo inteiro em frente aos seus ecrãs. Como é que isso mudou a forma de comunicação política e a forma como nós, jornalistas, lidamos com isso?Há duas coisas importantes. A primeira tem a ver com as redes sociais, que são meios de comunicação que procuram provocar as pessoas, polarizar. É a plataforma ideal para os populistas. Assim, quando nós, profissionais dos media tradicionais ou dos novos media, tentamos fazer jornalismo, estamos a lutar contra o próprio meio. O problema é que os populistas são idealmente adequados para utilizar as redes sociais para os seus fins e necessidades. Quando eu era criança e a Cortina de Ferro caiu, tive a sensação que a propaganda era coisa do passado, da União Soviética. E agora vemos como ela está a voltar. E sim, tornou-se muito mais fácil. O que vemos são pessoas muito ricas e influentes com interesses políticos, principalmente de direita, a pagarem enormes quantias para formar influenciadores que, por sua vez, podem chegar a públicos enormes. E quase não há controlo, quase nenhum mecanismo para impedir que as pessoas espalhem ódio. Esse é o verdadeiro problema que também estamos a ver como jornalistas.Donald Trump, desde a sua primeira presidência, quando parecia governar os EUA através do Twitter, foi um ponto de viragem para os populistas em todo o mundo?É um ponto importante, porque Trump tornou-se presidente através do Twitter, com milhões de dólares investidos no Twitter e por ser o melhor amigo do dono do Twitter. E acho que isso é algo que precisamos de ter em mente: não há igualdade de condições. Estas redes sociais estão a ser controladas por pessoas. E se olharmos para Elon Musk, é bastante óbvio o que significa: se a mesma campanha tivesse sido feita a favor de Biden ou de quem quer que fosse, Trump poderia ter perdido as eleições. E podemos dizer: “no passado, acontecia com os donos das grandes cadeias de televisão ou com os donos dos grandes jornais”. Mas o meio é diferente. As redes sociais não abordam factos, apenas emoções. As pessoas diziam isso da televisão, mas hoje são clips de 5 ou 10 segundos. Portanto, quem souber como usar esta máquina, e se tiver os donos destas redes a favor dele, a mudar o algoritmo para ele, então pode ganhar facilmente.Falou das estações de TV e dos grandes jornais versus as redes sociais. Antes esses meios veiculavam uma diversidade de opiniões e de temas, enquanto hoje muitas pessoas só veem, só leem e só ouvem o que confirma a sua opinião. Vivemos num mundo cada vez mais fechado e isso alimenta os extremismos?Concordo plenamente. O algoritmo dá-nos uma bolha fechada, e se gostamos disto, podemos gostar daquilo, e de algo semelhante, mas não de algo completamente diferente. Nos anos 80 e 90, tivemos um debate semelhante sobre os tabloides que também não davam uma visão completa. A questão é: como responder? Na altura, a resposta para alguns órgãos de comunicação tradicionais foi: continuamos a fazer como sempre fizemos, e as pessoas vão continuar a gostar, mas acabou por não ser verdade. Quando pensamos no presente, precisamos de pensar em novas formas de fazer jornalismo, porque, caso contrário, ficaremos presos neste tipo de espiral. Teremos de reagir à quantidade infinita de informações que alguns influencers de direita divulgam ao mundo, e passamos horas e horas a tentar convencer as pessoas de que isso é errado, mas não conseguimos. Porquê? Porque, mesmo quando o fazemos, surgem 20, 30, 100 novas notícias falsas. É um bom momento para procurar soluções.Estamos a falar de Trump, líder de uma democracia como os EUA, mas podemos falar também de Xi Jinping, na China, ou Vladimir Putin, na Rússia, três dirigentes com formas muito diferentes de lidar com os media. Como vê a forma como os jornalistas lidam com eles?Se falarmos de Trump, penso que se tornou mais fácil agora, no seu segundo mandato, porque estamos a assistir a uma democracia em declínio, destruída por dentro. Estamos a ver fortes tendências antidemocráticas. Ainda assim, nos media ocidentais, na Alemanha e na Suíça, que nós, jornalistas, achamos os EUA ainda são uma democracia. Eles são os bons. Veja-se Putin, Trump em comparação, não é melhor? Mas não é. Trump está a enviar o exército para cidades governadas pelos adversários. Está a cortar verbas de cidades e estados democratas. Está realmente a livrar-se da democracia, e não é só culpa dele. Trump é o líder, mas há um grupo enorme dentro do Partido Republicano, e não só, que está pronto para se livrar dos padrões democráticos que aceitávamos como garantidos nos EUA. E não vejo isso refletido nos media. O que vejo é: “Meu Deus, será verdade? Ele disse mesmo isso? Quis mesmo dizer isso? Não é apenas uma forma de tentar agradar às massas?” Não, não é. É uma estratégia. Sabemos que há um plano por trás dela. Já com Putin, o problema é que não olhávamos para a Rússia há muito tempo. Nos anos 90 e no início deste século, muitos jornalistas e editores disseram-me que estavam a fechar os escritórios em Moscovo. E diziam: “A Rússia é basicamente um país em desenvolvimento. É enorme, mas é um país em desenvolvimento, e não nos preocupamos com o que pensa ou faz”.A Rússia foi subestimada?Sim, não nos importámos. E é um erro que estamos a cometer em relação a grande parte do mundo. Não se trata apenas da China e da Rússia. É toda a África, a América do Sul, o Sudeste Asiático. Não nos preocupamos. Fui correspondente internacional durante a maior parte da minha vida. E fiz um estudo há uns anos sobre que países aparecem nos media. Resume-se aos EUA, a alguns Estados europeus, e é basicamente isto. Havia uns 100 países que nunca foram mencionados num período de 10 anos nos principais jornais alemães. 100 países! É também o problema quando falamos agora da Rússia, de Putin e da máquina de propaganda. Não vimos o que estava a acontecer porque não olhámos para lá.Voltando às redes sociais, já tínhamos notícias falsas e factos alternativos, com a Inteligência Artificial temos a tempestade perfeita a desafiar o jornalismo?Sim. O CORRECTIV tem um enorme departamento de verificação de factos. Foi uma das primeiras coisas que estabelecemos há 11 anos, quando nem era falado na Alemanha. Temos experiência e vemos que a IA generativa está a piorar as coisas em termos de qualidade. As notícias falsas parecem legítimas, especialmente para as pessoas que não estão habituadas à verificação de factos. Mas também a velocidade e a quantidade mudou. Há três grandes problemas que estão a ser torpedeados pela IA. E penso que a única solução é usar a IA do nosso lado para classificar a informação, identificar notícias falsas e como evitar que se espalhem antes que se tornem virais. Estamos a tentar fazer isso. Mas, ao mesmo tempo, estamos a tentar combater a IA através de pessoas reais. Quando falamos sobre verificação de factos no CORRECTIV, falamos do Faktenforum. É uma comunidade de umas centenas de pessoas. A IA diz-nos que algo pode ser uma notícia falsa e as pessoas reais olham e dizem: “Ok, é uma notícia falsa”. E depois rotulamo-la como tal. Esta é a combinação ideal para não depender inteiramente da IA, mas precisamos dela porque está a acontecer uma guerra de informação.Com estas ameaças à democracia e sem podermos acreditar em nada do que vemos, ouvimos ou lemos, o jornalismo é mais necessário do que nunca?Precisamos que as pessoas comecem a entender que precisam de alguém para fazer essa verificação dos factos. Precisamos de jornalismo mais do que nunca. O problema que estamos a enfrentar, pelo menos na Alemanha, é que as pessoas já não confiam nos jornalistas. Foram instruídas pelos influenciadores e pelos políticos para não confiarem nos jornalistas. Na Alemanha, os ativistas de direita usam a palavra Lügenpresse, “os media que mentem”. É usado por pessoas que não acreditam em factos. Mas o sentimento geral do público é que são os media que estão a mentir. Como reconquistar a sua confiança? Precisamos de mudar a forma como fazemos jornalismo. Precisamos de incluir as pessoas. Temos de os fazer participar nas nossas investigações e ver como funciona, e que podemos ser confiáveis. No CORRECTIV, o Marc lidera a CrowdNewsroom, plataforma colaborativa de reportagem que usa contribuições dos cidadãos para revelar injustiças sistémicas. Pode explicar melhor?É uma plataforma digital. O que estamos a tentar é envolver centenas de milhares de pessoas numa investigação. Uma das primeiras coisas que fizemos foi reportar a crise imobiliária na Alemanha. Sabíamos que tinha a ver com os donos. Mas não sabíamos exatamente como. Assim, quisemos saber quem são os proprietários dos edifícios nas grandes cidades. Na Alemanha, a propriedade de um edifício é confidencial. A única forma de descobrir quem é o proprietário é perguntar aos inquilinos e foi o que fizemos. Tivemos cerca de dez mil alemães a dizer-nos quem eram os proprietários dos edifícios onde viviam. É disso que se trata no CrowdNewsroom. Fizemos piqueniques em frente a edifícios e dissemos: “Junte-se a nós. Fale connosco sobre a sua situação de habitação”. Obtivemos informações exclusivas que não teríamos de outra forma. Tudo se resume a sair, falar com as pessoas, envolvê-las no jornalismo.O Marc estudou Geografia, Biologia Marinha, Direito Público e Filosofia. Como é que acabou por se tornar jornalista?Na verdade, sempre quis ser jornalista. Mas decidi que se há coisa que um jornalista não deve estudar é jornalismo. Estudei o que me interessava. Também fiz alguns cursos de dinamarquês. Licenciei-me em Biologia, com especialização em Ecologia Polar. E depois, quando fui para África, pensei: “Meu Deus! Ecologia polar e dinamarquês, Como é que vim parar a África?” Mas claro que posso usar muito do que aprendi na universidade. E dá-me perspetivas diferentes. Acho que é isso que é bom para os jornalistas. Estar ciente de que existem diferentes perspetivas é o nosso trabalho.Estava a falar da África. Durante quase 20 anos trabalhou como correspondente no estrangeiro... Sim, sete em África. E depois outros 13 em Nova Iorque e Genebra, a cobrir a ONU.Perante essa experiência, como vê a evolução de África, até na relação com a tecnologia? A principal lição que aprendi foi que África não é um país. É um continente muito diverso. O melhor de cobrir África é a quantidade de surpresas que se tem diariamente. E a melhor internet que já encontrei foi na Somália. E isso foi numa altura em que ainda havia guerra. Mas a economia estava a correr muito bem. Os senhores da guerra controlavam diferentes partes de Mogadíscio e vendiam tudo o que fosse necessário, como, por exemplo, uma internet de alta qualidade. E garantiam que todos pagavam as suas contas, porque apareciam com uma AK-47 e a pessoa pagava. Portanto, não era um lugar feliz, mas havia surpresas. Aprendi muito em África. É um local muito interessante. As pessoas experimentam muito. Pensam fora da caixa. Devíamos olhar para estes países muito mais do que aquilo que olhamos.Foi correspondente nas Nações Unidas em Genebra e em Nova Iorque e é autor de um livro sobre a ONU. As Nações Unidas precisam urgentemente de reforma e de se tornar mais de acordo com o mundo atual? É o que venho a dizer há 14 anos. O problema é que acho que já é tarde para isso. A ONU está a ser destruída. E não é coincidência. Faz parte do plano. Os EUA retiraram o seu dinheiro. Portanto, o tempo para as renovações acabou. Não têm um quinto dos fundos. Todos estão em pânico. Há pessoas a ser dispensadas. E todo o sistema das Nações Unidas, com muitas coisas que tomamos como garantidas, como os direitos humanos universais, pode ir por água abaixo. Há um forte interesse, nos últimos 10, 15 anos, da China em manter a ONU, mas como lugar para uma forma autoritária de democracia. A China tem interesse na ONU existir, mas uma ONU diferente. Os EUA, neste momento, estão a destruir a ONU tal como a conhecemos. Existe um enorme perigo de a ONU estar a ser utilizada por regimes autoritários para se livrar de alguns padrões nos direitos humanos. Por isso, não sei se não é tarde demais para uma remodelação. E é uma situação muito perigosa porque a ONU, com todos os seus defeitos, é a única organização que nos dá uma bússola de como seria ou deveria ser o mundo. Um lugar justo, um lugar onde ninguém passa fome, sem guerras. É um sítio anti-Trump, anti-Putin, anti-Xi. E se demolirem isso, corremos o risco real de voltar ao ponto em que a guerra é uma parte normal da política. Os últimos 80 anos foram, em muitas partes do mundo, anos estáveis, anos pacíficos. E isso também graças à ONU. Agora, é tempo de lutar. Não é altura de ficar parado a ver o que está a acontecer. Temos de lutar pela democracia, pelos media e pelas pessoas que acompanham o que noticiamos..“A imprevisibilidade advém mais de Donald Trump do que de Putin e Xi”