Thierry Breton foi comissário para o Mercado Interno no primeiro mandato de Ursula von der Leyen (2019-2024).
Thierry Breton foi comissário para o Mercado Interno no primeiro mandato de Ursula von der Leyen (2019-2024). Geneviève ENGEL / PARLAMENTO EUROPEU

Macron condena "intimidação" dos EUA à UE ao sancionar ex-comissário europeu

Thierry Breton e quatro outros europeus proibidos de entrar nos EUA. Medida foi criticada em várias capitais e levou a uma rara unanimidade em França na rejeição da política da administração Trump.
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A administração Trump anunciou na terça-feira sanções contra cinco cidadãos europeus que se destacaram pela regulação das redes sociais e pelo combate à desinformação. Entre os visados, a partir de agora impedidos de viajar para os Estados Unidos, o francês Thierry Breton, que desempenhou as funções de comissário europeu para o Mercado Interno entre 2019 e 2024.

Durante o seu mandato na Comissão, cujas funções incluíam os serviços digitais e o audiovisual, foi aprovada a lei do serviços digitais. Se o ex-ministro das Finanças de França disse que dos EUA sopram "ventos de macarthismo", o presidente Emmanuel Macron denunciou a tentativa de "intimidação e coerção" dos EUA à soberania digital europeia.

O chefe da diplomacia dos EUA justificou sua decisão ao afirmar que as ações das pessoas agora proibidas de viajar para território norte-americano fazem parte de um "complexo industrial mundial da censura", o que choca com os interesses norte-americanos. "Há demasiado tempo, os ideólogos europeus têm levado a cabo ações concertadas para pressionar as plataformas norte-americanas a sancionar opiniões norte-americanas com as quais discordam", disse Marco Rubio, no X. "A administração Trump não irá tolerar mais esta censura extraterritorial", proclamou.

É mais um passo da administração dos EUA na defesa das grandes empresas de tecnologia, as mesmas que, durante anos, foram alvo de críticas reiteradas de Trump e que estavam a ser alvo de uma investigação por abuso de posição dominante por parte da administração Biden. Mas diversas reuniões entre os empresários de Silicon Valley e a equipa de Trump, declarações públicas de apoio e milhões de dólares de doações para a tomada de posse tornaram Jeff Bezos, Tim Cook, Mark Zuckerberg, entre outros, apoiantes do novo presidente, seguindo o caminho de Elon Musk.

Thierry Breton foi comissário para o Mercado Interno no primeiro mandato de Ursula von der Leyen (2019-2024).
Musk pediu "abolição" da UE depois de multa ao X. Comissão Europeia refuta “declarações malucas”

Há menos de três semanas, uma multa de 120 milhões de euros da Comissão Europeia ao X (antigo Twitter), propriedade de Musk, já tinha levado Marco Rubio a usar palavras pouco diplomáticas, ao dizer que se trava de "um ataque a todos os norte-americanos". O vice-presidente J.D. Vance também se insurgira contra Bruxelas ao dizer que "a UE deveria apoiar a liberdade de expressão e não atacar empresas norte-americanas por motivos insignificantes." A rede X foi multada por autenticar contas de utilizador de forma enganosa, reter dados de investigadores e não documentar de forma transparente os anúncios.

Thierry Breton usou a plataforma de Musk para responder aos "ventos de macarthismo", referência ao senador Joseph MacCarthy e à perseguição que moveu nos anos 1950 a quem suspeitasse de comunismo. "Para relembrar: 90 % do Parlamento Europeu — democraticamente eleito — e os 27 estados-membros, por unanimidade, aprovaram o DSA", isto é, a legislação europeia sobre o digital. Breton, antigo ministro da Economia e das Finanças durante a presidência de Jacques Chirac, concluiu: "Aos nossos amigos norte-americanos: a censura não está onde pensam."

Também no X, o presidente Emmanuel Macron saiu a terreiro em defesa da legislação europeia relativa ao digital, ao dizer que se aplica para "garantir uma concorrência justa entre as plataformas, sem visar qualquer país terceiro, e para fazer cumprir online as normas que já são aplicadas offline". O chefe de Estado relembrou que as regras do espaço digital da UE "não se destinam a ser definidas fora da Europa" e considerou estar-se perante medidas feitas para a "intimidação e coerção contra a soberania digital europeia".

Na mesma linha escreveu, também no X, Jean-Noël Barrot, ministro dos Negócios Estrangeiros: "Os povos da Europa são livres e soberanos e não podem ver-se impostos por outros as regras que se aplicam ao seu espaço digital." A França está há muito polarizada politicamente, mas as sanções tiveram o condão de serem unanimemente condenadas da esquerda à extrema-direita. "A administração Trump não só está errada quanto ao conteúdo, como também erra na imagem que transmite dos Estados Unidos para o mundo", comentou o vice-presidente do Reagrupamento Nacional Sébastien Chenu.

Indignação europeia

As outras pessoas sancionadas são representantes de ONG que combatem a desinformação e o ódio online no Reino Unido e na Alemanha: Imran Ahmed, do Center for Countering Digital Hate, Clare Melford, do Global Disinformation Index, Anna-Lena von Hodenberg e Josephine Ballon, da HateAid.

Em comunicado, a Comissão Europeia "condenou firmemente" as sanções dos Estados Unidos. "Se necessário, responderemos de forma rápida e decisiva para defender a nossa autonomia regulatória contra medidas injustificadas", disse ainda.

De Espanha, o Governo de Pedro Sánchez também denunciou "medidas inaceitáveis entre parceiros e aliados", e expressou a sua "solidariedade" para com o antigo comissário europeu , considerando "fundamental para a democracia na Europa" proteger um "espaço digital seguro".

A solidariedade veio também de fora da União Europeia, no caso do governo britânico de Keir Starmer. "Se cada país tem o direito de definir as suas próprias regras em matéria de vistos, apoiamos as leis e instituições que trabalham para preservar a internet dos conteúdos mais prejudiciais", disse um porta-voz do executivo, ao que lembrou que "as redes sociais não devem ser usadas para difundir material pedopornográfico, incitar ao ódio e à violência, ou propagar informações falsas".

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