Não se pode dizer que a vida de Lula da Silva, que completa esta segunda-feira, 27 de outubro, 80 anos, dava um filme até porque já deu: O Filho do Brasil, de 2009. A vida do atual chefe de Estado brasileiro, na verdade, dava uma saga: só depois daquela fita chegar aos cinemas, foi diagnosticado com um cancro mas curou-se, enviuvou mas casou-se novamente, foi de presidiário a presidente e de politicamente morto em 2018 a favorito à própria sucessão nas eleições de 2026. A questão agora na política brasileira, sobretudo à esquerda, é o pós-Lula.Nascido muito pobre em Caetés, Pernambuco, em 1945, metalúrgico de profissão, sindicalista por sugestão, político por vocação, líder persistente da oposição, chefe de Estado mais popular da história do país, primeiro ex-presidente preso e único cidadão brasileiro a ser eleito três vezes para o Palácio do Planalto, compete a Lula descobrir um novo Lula. Mas quando? E quem? Em relação ao “quando”, só lá para 2026. Em 2022, o então recém eleito presidente lembrava que não iria ser “um presidente a pensar na reeleição”. “Até porque terei 81 anos na próxima”, sublinhava. Quatro anos depois o discurso mudou. “Eu vou disputar um quarto mandato no Brasil…”, confirmou na passada quinta-feira, 23, ao lado do presidente indonésio Prabowo Subianto e com as sondagens a soprarem a favor. Entre um e outro momento, a conjuntura foi mudando. Em julho de 2024, Ciro Nogueira, ex-ministro de Jair Bolsonaro e presidente do Partido Progressistas, chegou a chamar Lula de “presidente Biden da Silva”, na altura em que nos EUA aumentavam a pressão para o democrata Joe Biden abdicar da corrida contra o republicano Donald Trump - e no Brasil, Lula tropeçava em gafes e na própria casa de banho, o que o levaria à sala de cirurgia para delicada operação craniana. Mas, em janeiro de 2025, mesmo com o governo a desiludir nas pesquisas de opinião, o senador Randolfe Rodrigues, do Partido dos Trabalhadores (PT), já ia em sentido contrário. “Nunca cogitamos outro plano para 2026 que não o Lula presidente novamente. O campo democrático sem o Lula não chega na esquina. Eventual sucessão de Lula? Pensaremos em 2030. Agora, não há plano B”, reconhecia, ao jornal Gazeta do Povo.Com Lula, por ora, a suceder a Lula, quem então está na calha para liderar a esquerda a médio (ou talvez longo) prazo? O vice-presidente Geraldo Alckmin tem a seu favor o próprio cargo: por tradição, o “vice” é um candidato à sucessão em democracias, como a norte-americana na qual a brasileira se inspira – de John Adams, o primeiro vice-presidente dos EUA, que se tornou o segundo presidente do país, a Kamala Harris, que tentou, sem êxito, suceder ao citado Biden.No Brasil, porém, os vices só chegaram ao poder pós-redemocratização de 1985 em eventos dramáticos – ascensão de José Sarney após morte de Tancredo Neves e de Itamar Franco e Michel Temer na sequência dos impeachments de Collor de Mello e de Dilma Rousseff.Alckmin, entretanto, é experiente – foi candidato presidencial duas vezes e governou o poderoso estado de São Paulo por 12 anos – e centrista – mesmo filiado hoje ao esquerdista PSB, viveu a carreira política anterior toda no PSDB, de centro-direita. E as eleições, sobretudo em tempos de polarização entre a esquerda lulista e a extrema-direita bolsonarista, ganham-se ao centro. Sem protagonismo até este ano, voltou aos holofotes nos últimos meses liderando as discussões sobre a crise tarifária com a Casa Branca. Porém, o PT não deve desistir facilmente da possibilidade de indicar o sucessor de Lula. E, nesse caso, o nome de Fernando Haddad, já no passado ungido pelo próprio fundador do partido como seu herdeiro político natural, emerge. Bacharel em direito, mestre em economia, doutor em filosofia, ex-ministro da Educação, ex-prefeito de São Paulo e atual ministro da Fazenda, é considerado um dos quadros mais capacitados da esquerda. Contra ele, a ideia de que não é, por norma, bom candidato – perdeu, em sequência, a prefeitura de São Paulo, em 2016, para João Doria, a presidência, em 2018, para Jair Bolsonaro, e o governo paulista, em 2022, para Tarcísio de Freitas.Dentro do PT há, entretanto, outros nomes especulados. A começar pelo de Gleisi Hoffmann, que de combativa líder do partido passou a ministra das Relações Institucionais, de Rui Costa, ex-governador da Bahia e ministro da Casa Civil, de Camilo Santana, ex-governador do Ceará e ministro da Educação, ou de Wellington Dias, ex-governador do Piauí e atual ministro do Desenvolvimento.Além de Simone Tebet, do MDB, a surpreendente terceira mais votada em 2022 que ocupa a pasta do Planeamento, e de Guilherme Boulos, desde a semana passada o novo ministro da Secretaria-Geral da Presidência.Boulos, que pertence ao PSOL, partido à esquerda do PT, foi candidato presidencial em 2018 e ficou em segundo lugar nas duas últimas corridas a prefeito de São Paulo. Numa altura em que a esquerda perdeu as ruas e as redes, Boulos, muito ligado a movimentos sociais e hiperativo no mundo digital, é visto como trunfo para as reconquistar.Quem será então o sucessor? Há tempo até porque, como diz o aniversariante, “um novo líder não se cria, ele nasce”..Lula da Silva declara intenção de concorrer a quarto mandato