Jimmy junto à sua bicicleta onde se podem ver as bandeiras do Canadá e do Quebeque.
Jimmy junto à sua bicicleta onde se podem ver as bandeiras do Canadá e do Quebeque.Foto: Leonardo Negrão

Jimmy leva o orgulho no Quebeque numa volta ao mundo pela inclusão

Um acidente de carro aos 19 anos atirou-o para uma cadeira de rodas. Agora, o ativista canadiano percorre o mundo de handbike para ajudar os outros. O DN falou com ele e com a companheira em Lisboa.
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O recorde já ficou para trás, mas é por ele que começamos a conversa com Jimmy Pelletier. Como foi bater o Recorde do Mundo da maior distância em handbike, a bicicleta em que se pedala com as mãos? Sentado na sua cadeira de rodas numa sala do Centro de Juventude de Lisboa, o canadiano garante que seja para ultrapassar os tais 8557 quilómetros do recorde ou para completar os 40 mil da Volta ao Mundo que o trouxe até Lisboa, o segredo é “quando se assume um desafio como este, um grande desafio, é preciso ir passo a passo. Sabe, na vida, cada pequeno momento leva-nos mais longe. Porque se olharmos para o objetivo final, pode ser desanimador.”

Jimmy sabe bem do que fala. Apaixonado por desporto desde a infância, a vida deste quebequense, nascido em Baie-Comeau em 1976, sofreu uma reviravolta dramática aos 19 anos, quando um acidente de carro o deixou paraplégico. Mas não se deixou abater e depois de uma intensa recuperação cumpriu o sonho de se tornar atleta paralímpico, tendo participado nos Jogos Paralímpicos de Turim, em 2006, em esqui de fundo adaptado, tendo ainda feito parte da equipa de handbike canadiana. É esta mesma determinação que coloca agora nesta Volta ao Mundo que encetou para angariar fundos para a associação Adaptavie, que apoia pessoas com limitações físicas, intelectuais ou no espectro do autismo.

“Durante um grande desafio como este, existem muitas provações. Existem obstáculos. Trata-se da forma como se lida com esses obstáculos”, vai dizendo Jimmy, que aproveitou a passagem por Lisboa para participar numa mesa redonda “Pedalar pela Inclusão”, numa parceria da Intercultura - AFS, uma associação Juvenil de Voluntariado, do Instituto Português do Desporto e da Juventude, com o apoio da Embaixada do Canadá.

Jimmy dá um exemplo concreto dos obstáculos que podem surgir. Nesta viagem, teve um problema com a bicicleta e foi preciso arranjar uma peça. “Foi preciso mandar fazer a peça, ir a um soldador para a soldar de volta na minha bicicleta. Isto levou-nos, primeiro, a sair da nossa zona de conforto e, segundo, a adaptarmo-nos ao momento presente quando aconteceu”, explica. E acrescenta: “Assim, encontrámos a solução para o problema. Então, conseguimos seguir em frente, continuar o nosso caminho. E é isso que é bonito ao enfrentar um grande desafio: há uma história por detrás dele. Esta história, escrevemo-la dia após dia.”

A bicicleta de Jimmy ficou lá fora, no pátio, exibindo orgulhosamente a bandeira do Canadá, a do seu Quebeque e a do país onde se encontra, neste caso, Portugal. O atleta e ativista recorda aqueles momento de 1996, depois do acidente e como “foi difícil, mas reconstruí a minha vida numa cadeira de rodas”.

Mas mais do que isso, Jimmy percebeu então que “estás numa cadeira de rodas, és um exemplo de perseverança, determinação e tudo mais. Então pensei, porque não retribuir ao próximo?” Foi aí que as coisas começaram a avançar: “Aceitei um desafio, angariei algum dinheiro. E muita gente me dizia: ‘Jimmy, devias continuar’. Assim, alguns anos mais tarde, implementei a Caminhada Jimmy Pelletier para angariar fundos para organizações. E é aí que estou hoje.”

Pelo meio, o canadiano foi cumprindo outros sonhos. Em 2018 subiu o Kilimanjaro em bicicleta de montanha adaptada e no ano seguinte fez a travessia do Canadá em handbike, percorrendo 7200 quilómetros em 65 dias.

Foi no final desse desafio que Jimmy percebeu que queria mais. “Faltavam cerca de 100 metros para terminar e depois disse à minha namorada: ‘Acho que vou continuar e depois vou dar a volta ao mundo.’ Sentia-me realmente invencível, como uma máquina.”

Assim foi. Jimmy mobilizou a sua equipa para organizar esta Volta ao Mundo. Para isso contou com o apoio de Manon Bélanger. A companheira de Jimmy esteve a acompanhar a conversa. Afinal ela é parte integrante deste desafio de percorrer 27 países, 40 mil quilómetros, cinco continentes, em 24 meses, fazendo de bicicleta o mesmo percurso que Jimmy faz de handbike.

Manon Bélanger tirou uma licença sabática para acompanhar Jimmy. “É o meu pilar”, diz o ativista sobre a sua companheira.
Manon Bélanger tirou uma licença sabática para acompanhar Jimmy. “É o meu pilar”, diz o ativista sobre a sua companheira. Foto: Leonardo Negrão

O tiro de partida foi dado no Canadá, numa primeira etapa que correspondeu à Caminha Jimmy Pelletier. Depois atravessaram o Atlântico, seguindo para Reino Unido e Irlanda e, depois, para a Europa Ocidental, numa terceira etapa que terminou em Lisboa. Neste momento já seguiram para a Austrália, etapa 4 das 13 que os levarão ainda à Ásia, norte de África, América do Sul, antes de subirem de volta até ao Canadá.

Estradas difíceis, um assalto e condutores sem respeito

Pelo meio de muitos momentos bonitos, tão vasto percurso também traz momentos difíceis. E é Manon quem recorda como no Reino Unido o GPS estava constantemente a mandá-los para estradas secundárias difíceis, com bermas inclinadas nada adaptadas à bicicleta de Jimmy. “Para mim, foi um passeio no parque, mas para ele, que passa tanto tempo deitado, com a visibilidade reduzida, foi realmente desagradável”, conta a professora primária que tirou uma licença sabática para acompanhar Jimmy nesta aventura.

Em Roma, outro desafio inesperado: foram assaltados, com os ladrões a levaram dois sacos com material, inclusive médico, de que Jimmy precisa. Mas além destes imprevistos, na estrada são mesmo os carros que passam muito próximos que constituem o maior perigo. “Tenho um espelho retrovisor, vejo os carros a vir. Temos uma luz intermitente na traseira para que todos saibam que estamos a sair. Mas também existe uma luz de aviso. A 200 metros de distância, sei que vem um carro atrás de mim. Mas, por vezes, os carros passam mesmo ao nosso lado. Não há muito respeito”, admite Jimmy.

A surpresa dos sobreiros e o orgulho quebequense

De Portugal, uma das memórias que Jimmy e Manon levam é dos sobreiros que viram quando atravessaram o Alentejo. “O que nos impressionou foram os sobreiros. Talvez para vocês seja como o xarope de ácer para nós. Íamos de bicicleta quando de repente digo: ‘Espera, ele está a arrancar a casca. Porque é que ele tira a casca? Depois, fizemos algumas pesquisas e percebemos que ela volta a crescer”, recorda Manon, com um sorriso.

Ora quando viaja pelo mundo, Jimmy não é só um embaixador da Adaptavie e das outras organizações que ajuda, é também um embaixador do Canadá e, em especial, do seu Quebeque natal. “Temos muitos parceiros que nos ajudam a tornar esta viagem possível. Mas, só para dar um exemplo, no Quebeque, temos um seguro de saúde, que nos cobre. Mas neste caso também é preciso um seguro de viagem adicional. Existe uma grande empresa no Quebeque chamada Desjardins Seguros que oferece uma cobertura a 100%. Em todo o mundo. Se nos acontecer alguma coisa, estamos seguros. Agradecemos muito por isso. Temos muito orgulho em ser quebequenses. Também temos orgulho em ser canadianos”, garante Jimmy.

E voltamos às bandeiras na bicicleta. “Levamos sempre a bandeira canadiana e a bandeira do país que estamos a atravessar. Para nós, é importante. Como também é importante saber dizer algumas palavras nas línguas locais. É importante saber, pelo menos, dizer olá e obrigado”, explica Jimmy. Para o ativista, não há dúvidas, “Representamos o Canadá nas estradas. Representamos o Quebeque nas estradas. Esforçamo-nos para deixar orgulhosos todos os que nos apoiam no Quebeque. Esperamos também que todos, incluindo em Portugal, que nos apoiam, sintam o mesmo.” E deixam o desafio: “Gostaríamos de convidar o mundo inteiro para nos seguir nas redes sociais, seja no Facebook, Instagram ou TikTok.” Para quem ficou com dúvidas sobre o que é exatamente uma handbike ou como funciona na prática, nada como ir ver um dos vídeos de Jimmy para perceber que esta é mesmo uma história de superação, em que a força de vontade está ao nível da força de braços.

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