Quando a primeira bomba atómica explodiu há 80 anos, no dia 06 de agosto, milhares de mortos e moribundos foram levados para a pequena ilha rural de Ninoshima, a sul de Hiroshima, por barcos militares.Devido à falta de medicamentos e cuidados, apenas algumas centenas estavam vivas quando o hospital de campanha fechou em 25 de agosto, segundo registos históricos.Os que morreram foram enterrados em vários locais em operações caóticas e apressadas.Oito décadas mais tarde, as pessoas da região continuam a procurar os restos mortais dos desaparecidos, movidas pelo desejo de prestar contas e honrar as vítimas, segundo a agência de notícias norte-americana Associated Press (AP).Pretende-se também aliviar os sobreviventes que ainda se atormentam com as recordações dos familiares desaparecidos.“Até que isso aconteça, a guerra ainda não acabou para estas pessoas”, disse Rebun Kayo, um investigador da Universidade de Hiroshima que visita regularmente Ninoshima desde 2018 para procurar restos mortais.Até ao momento, Kayo encontrou cerca de 100 fragmentos de ossos, incluindo pedaços de crânio e o maxilar de uma criança com pequenos dentes agarrados.Encontrou os ossos numa área sugerida por um residente de Ninoshima, cujo pai tinha testemunhado soldados a enterrar corpos que foram levados para a ilha há 80 anos.“A criança enterrada aqui esteve sozinha durante todos estes anos”, disse Kayo sobre os ossos que acredita pertencerem a uma criança. “É simplesmente intolerável”, acrescentou.O ataque atómico dos Estados Unidos a Hiroshima destruiu instantaneamente a cidade e matou dezenas de milhares de pessoas perto da zona de impacto, cerca de 10 quilómetros a norte de Ninoshima.O número de mortos até ao final desse ano foi de 140.000.Com 3 anos, Tamiko Sora estava com os pais e duas irmãs em casa, a apenas 1,4 quilómetros do hipocentro. A explosão destruiu a casa e o rosto de Sora ficou queimado, mas a maior parte da família sobreviveu.Enquanto se dirigiam para casa de um familiar, encontraram uma menina de 5 anos abandonada que se identificou como Hiroko e uma mulher com queimaduras graves que pedia desesperadamente que salvassem o bebé que carregava.Sora ainda pensa nelas muitas vezes e lamenta que a família não tenha podido ajudar, apesar de terem procurado a criança em orfanatos.A sobrevivente pensa agora que as pessoas que conheceu nesse dia, bem como os tios desaparecidos, podem ter ido parar a Ninoshima, que viveu três semanas de caos, mortes e enterros apressados.Duas horas depois da explosão, as vítimas começaram a chegar de barco de Hiroshima ao centro de quarentena n.º 2 da ilha.Os edifícios encheram-se de pessoas com ferimentos graves, mas muitas morreram a caminho da ilha.De acordo com documentos da cidade de Hiroshima, os militares do Exército Imperial trabalhavam 24 horas por dia na cremação e nos enterros na ilha.Eiko Gishi, na altura com 18 anos, supervisionou o transporte dos doentes do cais para a área de quarentena para receberem os primeiros socorros.Em memórias publicadas anos mais tarde, Gishi escreveu que, no início, os soldados tratavam cuidadosamente os corpos um a um, mas depressa se sentiram sobrecarregados pelo enorme número de corpos em decomposição e utilizaram um incinerador originalmente destinado a cavalos militares.Mesmo assim, não foi suficiente e rapidamente ficaram sem espaço, acabando por colocar os corpos em abrigos antibomba e em túmulos.“Fiquei sem palavras devido ao choque quando vi o primeiro grupo de doentes que aterrou na ilha”, escreveu em 1992 um antigo médico do exército, Yoshitaka Kohara.“Estava habituado a ver muitos soldados gravemente feridos nos campos de batalha, mas nunca tinha visto ninguém num estado tão cruel e trágico”, disse.“Era um inferno”, acrescentou..Já cá não está quem falou. Shigeko Sasamori (1932-2024), um rosto de Hiroshima