A professora venceu o Grande Prémio Ciência Viva 2025, que será entregue esta segunda-feira, 24 de novembro, no Pavilhão do Conhecimento. O que significa para si este prémio?É um reconhecimento muito especial por vir de uma agência que eu acompanho desde a sua génese, com muito interesse e até com algum afeto, porque o papel que desempenha é absolutamente único na promoção e na difusão da cultura científica. Eu ainda me recordo do professor Mariano Gago [o ex-ministro que criou a agência em 1996 e morreu em 2015], da visão que ele tinha relativamente ao poder da ciência e à necessidade de levarmos a cultura científica ao país, aos territórios, às escolas, às famílias. E é um prémio à promoção da cultura científica, não é por acaso que se celebra no Dia Nacional da Cultura Científica. Sinto que não é um prémio pessoal, mas um que me torna também cúmplice, embaixadora, deste processo, desta equipa, desta família que a Ciência Viva representa. E também é importante pela área que premeia, porque o meu percurso é também o da minha equipa, das pessoas e dos projetos em que me envolvi na área da Biodiversidade. Sinto enorme alegria e também muita gratidão.Esteve na Conferência do Clima da ONU, que terminou no sábado, 22 de novembro, em Belém. O Brasil apresentou a COP30 como a cimeira da implementação. Mas ficou muito aquém do esperado...Eu estive em Belém num evento paralelo à COP30, organizado pela cátedra UNESCO Sul-Sul da Universidade do Pará, que tinha a ver com as florestas tropicais e a necessidade de criar dinâmicas de rede entre a comunidade científica e trazer as florestas tropicais para a ordem do dia. E a Universidade de Coimbra também quis estar presente. Relativamente à COP30, não há dúvida que o resultado final é claramente insuficiente. Não responde à urgência. Fica muito aquém das expectativas, sobretudo tendo em conta que temos hoje uma comunidade científica profundamente empenhada em garantir a informação científica de base para a tomada de decisões. E face à informação científica que existe, não há dúvida que a COP30 falha em vários sentidos. Não há decisões transformadoras e, de facto, há uma incapacidade real de enfrentar aquilo que são os principais problemas da crise climática e ecológica. Estávamos num contexto da Amazónia, que se esperava que inspirasse o mundo, mas o resultado final não reflete esse contexto e essa singularidade. Nem tudo foi negativo, houve alguns aspetos positivos...Há dois ou três aspetos que vale a pena mencionar. A COP30 triplica o financiamento de adaptação. Fica aquém das necessidades dos países em desenvolvimento, mas é importante pôr o foco na adaptação às alterações climáticas. Também há o programa que o próprio presidente do Brasil anunciou para a proteção das florestas, o Fundo das Florestas Tropicais para Sempre. E destaco também o papel das comunidades tradicionais, a COP30 elevou as vozes dos povos indígenas. Esses são talvez os aspetos que se podem destacar, mas também é preciso dizer que o contexto geopolítico é muito desafiante. É muito difícil a cooperação climática internacional aportar resultados num contexto desta dificuldade, com a ausência, por exemplo, dos EUA, e um ambiente favorável aos prevaricadores neste processo, os lóbis dos combustíveis fósseis, que encontram nestas divergências a oportunidade de fazer valer os interesses.Nesse contexto, o facto de haver um acordo final, quando noutras ocasiões já neste ano não foi possível, também é positivo. Será que o facto de os EUA não estarem acabou por ajudar?Os americanos não estarem presentes é, indiscutivelmente, um aspecto globalmente negativo, porque nós queremos que estejam todos e queremos que isto seja, de facto, um acordo global. E os EUA são responsáveis por cerca de 13% das emissões, para além do papel político que têm. Mas é certo, como diz, tendo em conta o tom conflitual que a atual Administração norte-americana tem tido, que eventualmente ajudou. Não é por acaso que os países, e são muitos, sentem a necessidade de criar lógicas paralelas. Eram mais de 80 países aqueles que defendiam explicitamente a oportunidade de vincular, no acordo final, o roteiro concreto para o fim dos combustíveis fósseis. São muitos países, é muito significativo, e por isso de alguma maneira abre-se aqui uma porta. Nós precisamos de caminhos. A vantagem que estes acordos têm é exatamente isso, apontar uma visão, apontar caminhos. E mesmo que existam muitas fragilidades nestes processos, que são visíveis, é muito importante conseguirmos ter alguma fórmula consensual. Era muito importante termos um acordo, mesmo que frágil, insuficiente. É preciso manter a capacidade de formular planos globais e contrariar a lógica de fragmentação de alguns países poderosos ou interesses.Mas o roteiro para o fim dos combustíveis fósseis não estar no acordo final, vinculativo, e ser apenas voluntário, é negativo...A ausência de uma linguagem forte sobre os combustíveis fósseis é um retrocesso. Nesta altura não tem justificação, e menos ainda quando a ciência é tão clara. O consenso científico é absoluto, as sociedades também já têm esta percepção evidente. Por isso, neste momento, é realmente uma incapacidade política, é mesmo falta de vontade política de conseguirmos um consenso.O secretário-geral da ONU, António Guterres, diz que a organização não vai abandonar o objetivo de limitar o aquecimento a 1,5ºC. Diz que é uma linha vermelha. Mas as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas ficaram muito aquém e há quem diga que se calhar não devíamos estar tão focados nesse número. Qual é a sua opinião?Eu compreendo isso, a ideia de que com o 1,5ºC ficamos condicionados. E de facto perante os cenários que hoje temos, e são muitos e os modelos são cada vez mais capazes de o demonstrar, nós vamos chegar este ano ao 1,1ºC e continuamos a aumentar as emissões. Há expectativas... há países que estão realmente a conseguir fazer um caminho promissor, mas, globalmente, de facto, continuamos numa senda de crescimento das emissões que nos levará, no final deste século, a duplicar pelo menos este valor. Portanto, também não penso que será o melhor caminho focarmo-nos nos 1,5ºC. Mas também não queria de todo abandoná-lo. Desde logo porque está consignado num acordo que conseguimos fazer, o de Paris. É instrumental, foi um valor que definimos como prioridade para a humanidade. Aqui chegados, já percebemos, contudo, que estamos a ultrapassar e isso pode ser limitativo. Mas não devemos abdicar deste objetivo já. Temos que continuar a trabalhar em função dele. Porque há o risco de começar a trabalhar, a fazer a aposta na adaptação [ações para responder às consequências das alterações climáticas] e esquecemos a mitigação [ações para travar o aquecimento global]. Mas esta também é fundamental. As coisas têm que ir par a par. A adaptação é evidentemente desejável, é absolutamente inexorável, não temos outro caminho. Mas também há risco se abraçarmos plenamente a adaptação e deixarmos de lado a mitigação. Continua a haver razões de sobra para manter o objetivo de mitigar, até porque mesmo o 1,5ºC já nos conduz a perdas significativas para os grandes ecossistemas do mundo.Como responder àquelas pessoas que dizem que estamos a fazer sacrifícios para nada, porque os chineses ou os americanos continuam a poluir?Nós não estamos a trabalhar em benefício desta ou daquela sociedade. A questão climática, a crise climática, é uma crise global. Os processos em curso que derivam deste aquecimento global têm impacto geral sobre o planeta. A questão é por que é que alguns países se comprometem e fazem, de facto, esse esforço e esse sacrifício, quando coletivamente aparentemente não conseguimos chegar lá. Mas não é bem assim. A transição energética, por exemplo, penso que já começa a ser percebida, mesmo pelas economias mais competitivas, como sendo uma transição que vai beneficiar muito rapidamente as economias e não prejudicar. E além disso vai também conduzir a sociedades que têm melhor qualidade de vida, têm mais saúde, têm ecossistemas mais saudáveis. Eu penso que aquilo que temos que começar a mostrar, e também aqui entram os mecanismos de transição justa, é que, de facto, nós vamos conseguir - quando fazemos a transição, quando isso acontece, quando isso é possível - melhores salários, melhores condições de bem-estar e de vida. Porque o impacto da transição climática na competitividade dos países vai começar a ser muito visível. Nesta COP houve a ideia do mutirão, usando a palavra de origem tupi que designa uma comunidade que trabalha em conjunto para alcançar um objetivo comum. Houve mais espaço para a sociedade civil nesta COP?Houve essa tentativa, pelo menos da parte do Brasil, de criar também uma plataforma para tornar mais visível a informação que vinha da COP. Alguns mecanismos de maior transparência. Mas também não é fácil, as discussões decorrem com alguma dificuldade e sempre com grande tensão e é preciso estabelecer consensos a alto nível, o que não é fácil. Mas houve maior abertura no sentido de trazer os povos indígenas, por exemplo, e permitir alguma proximidade.A COP31, no próximo ano, vai ser presidida pela Austrália, mas decorre na Turquia. Sente que devia haver mudança do modelo das COP?A COP em si parece começar a ser um exercício que, às vezes, dá algum descrédito. Mas a COP verdadeira acontece nos bastidores, na medida em que acaba por suscitar, por exemplo, pela parte da comunidade científica, a preparação de dossiers específicos, até a um exercício mais robusto para conseguir providenciar os dados necessários. E não podemos abdicar deste exercício que acaba por ser coletivo, ainda por cima quando a sociedade civil já tem uma percepção do que é a COP. Já acompanha também o processo, já está a ver onde vai ser o próxima. Coisa que não acontece, por exemplo, na Convenção para a Biodiversidade. As pessoas não fazem ideia de quando vai ser, nem em que número está. A COP17 da Convenção para a Biodiversidade será em 2026, na Arménia. E a Convenção para o Combate à Diversidade? Ninguém sabe, mas as três nasceram todas na cimeira do Rio em 1992. Portanto, abdicar deste mecanismo que já se construiu seria um erro tremendo. O que temos que tentar é que esse momento da COP, de grande visibilidade política e da sociedade, não seja apropriado pelos interesses, que depois também trabalham afincadamente para conseguir travar o progresso. O texto no final não inclui nada do que queríamos, nomeadamente em relação aos combustíveis fósseis. E estas coisas não acontecem por acaso. É preciso lutar mais contra isso. Fazer o possível para não desvirtuar o debate, levar lá os melhores, continuar a pedir à comunidade científica que produza dados, no campo da mitigação, da adaptação, trazendo também agora as lógicas setoriais, paralelas. .COP30 fecha com mais frustração do que aplausos: "Falhou realmente naquilo que era essencial".Pontos-chave da COP30.A Conferência do Clima das Nações Unidas (COP30) terminou este sábado em Belém, capital do estado brasileiro do Pará. Eis algumas conclusões:Combustíveis fósseisNa Cúpula de Líderes, antes da COP30, o presidente brasileiro, Lula da Silva, defendeu um roteiro para o fim dos combustíveis fósseis. Mais de 80 países apoiavam a iniciativa, mas isso ficou de fora do texto final - países árabes e chineses bloquearam a sua inclusão. A presidência da COP vai criar agora um plano voluntário. .COP30. Aprovado projeto final sem menção às energias fósseis.Dinheiro para adaptaçãoOs países aceitaram “fazer esforços” para triplicar o financiamento para a adaptação dos países mais vulneráveis às alterações climáticas (de 40 para 120 mil milhões de dólares). Contudo, o prazo foi alargado mais cinco anos, para 2035. E o valor acordado ainda fica aquém das necessidades.Indicadores de adaptaçãoUm dos objetivos da COP era estabelecer um conjunto de indicadores para medir a velocidade e a forma como os países se vão adaptando às alterações climáticas. Mas de um total de 100 indicadores, só ficaram 59. Pedia-se mais.FlorestasOutro “mapa do caminho” que caiu foi o para reverter a desflorestação, ficando apenas a promessa da presidência de desenhar um. Mas o Brasil conseguiu arrancar com o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (angariou 6,5 mil milhões de dólares), que visa apoiar os países que preservem estes ecossistemas. Direitos indígenas foram reconhecidos na proteção das florestas.Transição justaUma das principais conquistas é o Mecanismo de Belém para uma transição justa, que organiza um caminho para que países em desenvolvimento possam planear a mudança para economias de baixo carbono sem deixar trabalhadores e comunidades vulneráveis para trás..COP 30, a hora da verdade