Luiz Inácio Lula da Silva, presidente brasileiro
Luiz Inácio Lula da Silva, presidente brasileiroEPA/THOMAS MUKOYA / POOL

Funcionamento do G20 está ameaçado, diz Lula da Silva. Adotada declaração conjunta apesar da ausência dos EUA

Os líderes do G20 apelaram a uma paz "justa" e "duradoura" na Ucrânia, assim como no Sudão, na República Democrática do Congo e nos "territórios palestinianos ocupados".
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O presidente brasileiro alertou este sábado, 22 de novembro, que o funcionamento do G20, grupo de países desenvolvidos e emergentes, está ameaçado, após os ataques dos Estados Unidos à cimeira do bloco, que começou este sábado, 22 de novembro, em Joanesburgo, na África do Sul, e da qual saiu uma declaração conjunta em que apelaram a uma paz "justa" e "duradoura" na Ucrânia, assim como no Sudão, na República Democrática do Congo e nos "territórios palestinianos ocupados".

"O próprio funcionamento do G20 como espaço de coordenação alargado está ameaçado", afirmou Luiz Inácio Lula da Silva na sessão plenária, após a inauguração da cimeira no Centro de Exposições Nasrec, em Joanesburgo, sem mencionar diretamente os Estados Unidos.

"É necessário preservar a capacidade deste fórum para abordar os principais problemas do nosso tempo. Se não conseguirmos encontrar uma solução dentro do G20, não o será possível fazer num mundo idealizado", enfatizou o presidente brasileiro.

Estas palavras ressoaram fortemente num primeiro dia da cimeira marcada pela ausência dos Estados Unidos nos debates, depois de o seu presidente, Donald Trump, ter decidido boicotar a reunião.

Trump afirmou, em 7 de novembro, que os africânderes - sul-africanos brancos descendentes dos primeiros colonos europeus - "estão a ser mortos e massacrados" e que as suas terras estão a ser "confiscadas ilegalmente" na África do Sul, o que Pretória nega veementemente.

"É uma verdadeira vergonha que a cimeira do G20 esteja a ser realizada na África do Sul", declarou Trump.

No entanto, o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, confirmou na quinta-feira que recebeu uma notificação de última hora de Washington sobre uma mudança de posição em relação à participação do seu país, que se limitará agora à presença do encarregado de negócios da embaixada norte-americana em Pretória, Marc Dillard, na cerimónia de domingo, na qual a África do Sul passará a presidência rotativa do G20 aos Estados Unidos, que a assumirão em 1 de dezembro.

No seu discurso, Lula destacou ainda que "conflitos como o da Ucrânia pelo gás, para além das trágicas consequências humanas e materiais, geram impactos significativos na cadeia de abastecimento energético e alimentar".

O líder brasileiro afirmou ainda que "os problemas socioeconómicos históricos da América Latina e das Caraíbas persistem sem qualquer perspetiva de solução".

"Estes problemas", alertou Lula da Silva, "não serão resolvidos com ameaças [de utilização] de força”.

“Sem satisfazer as necessidades dos países em desenvolvimento, não será possível restaurar o equilíbrio global nem garantir uma prosperidade sustentável a longo prazo. A desigualdade extrema representa um problema sistémico para todas as economias”, avaliou o presidente brasileiro.

Lula enfatizou que 90% da população mundial vive "em países com elevada desigualdade de rendimentos" e que, neste contexto, o G20 deveria "promover a adoção de mecanismos inovadores de troca de dívida por desenvolvimento e ações climáticas".

Por outro lado, acrescentou, que é tempo de "declarar a desigualdade uma emergência global e reformular as normas e instituições que perpetuam as assimetrias".

Além disso, o problema da dívida pública global é "eticamente inaceitável e economicamente insustentável. Quase metade da população mundial vive em países que gastam mais ao serviço da dívida do que em cuidados de saúde ou educação", enfatizou.

Adotada, por unanimidade, declaração conjunta apesar da ausência dos EUA

Apesar da ausência dos EUA, os chefes de Estado e de Governo do G20, que reúne as principais economias do mundo, adotaram este sábado, por unanimidade, uma declaração de líderes.

Assim anunciou Vincent Magwenya, porta-voz do presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, que detém a presidência rotativa do grupo, assegurando que o documento foi adotado por "unanimidade por todos os países presentes", o que "demonstra o compromisso que os membros do G20 têm com o multilateralismo como princípio para a colaboração e a cooperação".

Magwenya explicou que, embora a declaração seja geralmente aprovada no final da cimeira, ao longo de sexta-feira, durante várias conversações bilaterais, "surgiu a ideia de que deveríamos proceder primeiro à adoção da declaração da cimeira como primeiro ponto do dia e depois continuar com o restante da sessão".

Declaração apela a paz "justa" e "duradoura" em vários países em guerra

Na declaração conjunta, os líderes do G20, reunidos numa cimeira em Joanesburgo, apelaram a uma paz "justa" e "duradoura" na Ucrânia, assim como no Sudão, na República Democrática do Congo e nos "territórios palestinianos ocupados".

"Guiados pelos propósitos e princípios da Carta da ONU na sua totalidade, trabalharemos por uma paz justa, abrangente e duradoura no Sudão, na República Democrática do Congo, nos territórios palestinianos ocupados e na Ucrânia, assim como para colocar fim a outros conflitos e guerras em todo o mundo", disseram no documento.

Esta é a única referência à Ucrânia no documento de 30 páginas, embora o plano de paz dos Estados Unidos para os ucranianos tenha interrompido a agenda da cimeira e os líderes europeus estejam a realizar inúmeras consultas para formular uma contraproposta.

Os líderes do G20 prometeram ainda proteger melhor o fornecimento de minerais estratégicos, essenciais para a transição energética, das perturbações geopolíticas e comerciais, segundo a declaração publicada pelo Governo sul-africano.

"Procuramos garantir que a cadeia de valor dos minerais estratégicos possa resistir melhor a interrupções, sejam elas decorrentes de tensões geopolíticas, medidas comerciais unilaterais inconsistentes com as regras da OMC [Organização Mundial do Comércio], pandemias ou desastres naturais", referiram no documento.

Muitos países estão a redobrar os seus esforços para garantir o acesso a estes minerais, que são também muito utilizados na eletrónica e são abundantes no continente africano, depois de a dependência destes recursos ter sido evidenciada pelas restrições impostas pela China às suas exportações de elementos de terras raras.

Espera-se que durante a cimeira os líderes do G20 abordem temas como o crescimento económico inclusivo e sustentável, o comércio, o financiamento para o desenvolvimento e a dívida dos países pobres no primeiro dia da cimeira, que termina no domingo.

Fundado em 1999, o G20 é composto por 19 países — Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, França, Alemanha, Índia, Indonésia, Itália, Japão, Coreia do Sul, México, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos — além de duas organizações regionais: a União Europeia (UE) e a União Africana (UA).

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente brasileiro
Ausência dos EUA no primeiro G20 em África “pode trazer novos caminhos de cooperação económica internacional”

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