Horas depois de ter apresentado a sua demissão de primeiro-ministro, Sébastien Lecornu recebeu de Emmanuel Macron a tarefa de manter conversações com outros partidos para tentar traçar um caminho para sair da crise. Uma crise política que foi criada pelo presidente francês quando, em junho do ano passado, depois da vitória da extrema-direita nas europeias, decidiu convocar umas eleições legislativas antecipadas que resultaram num Parlamento dividido em três blocos e nenhuma maioria absoluta. Macron já vai no seu quinto chefe de governo neste segundo mandato (e o terceiro desde as últimas eleições) e está sob uma pressão crescente para dissolver o Parlamento e deixar os franceses irem outra vez a votos ou até mesmo demitir-se, hipóteses que tem rejeitado..Bolsa de Paris tomba, euro recua e ouro em máximos após nova crise política em França.“O presidente confiou ao sr. Sébastien Lecornu, o primeiro-ministro cessante responsável pelos assuntos do dia-a-dia, a responsabilidade de conduzir as negociações finais até quarta-feira à noite para definir uma plataforma de ação e estabilidade para o país”, informou esta segunda-feira, 6 de outubro, ao final da tarde o Palácio do Eliseu em comunicado. Uma tarefa aceite por Lecornu, que terá esta terça-feira de manhã reuniões com partidos políticos, para “manter discussões finais com as forças políticas para a estabilidade do país”, como explicou o primeiro-ministro demissionário no X. “Informarei o chefe de Estado na quarta-feira à noite se tal é possível ou não, para que possa tirar todas as conclusões necessárias”.Sébastien Lecornu tornou-se esta segunda-feira no primeiro-ministro com o mandato mais curto da Quinta República francesa ao apresentar a demissão 27 dias após ter sido nomeado - um recorde que já pertencia a outro indicado por Macron, Michel Barnier - e apenas 14 horas depois de ter dado a conhecer o elenco do seu governo. Em causa, segundo Lecornu, esteve a intransigência partidária, garantindo que estava “pronto para chegar a um acordo, mas todos os partidos queriam que todos os outros adotassem o seu programa completo”. “Não seria preciso muito para que funcionasse”, mas as “atitudes partidárias” e “certos egos” atrapalharam, criticou.Críticas que, num primeiro momento, se devem à reação dos aliados de centro-direita Os Republicanos (LR) à composição do novo governo, referindo que esta não espelhava a “profunda ruptura” com a política passada que Lecornu prometera na sua tomada de posse. O principal alvo era o antigo militante republicano (e filiado no partido de Macron desde a sua eleição, em 2017) Bruno Le Maire como ministro da Defesa, que acabou por se demitir ontem do governo numa tentativa de evitar esta crise. O líder d’Os Republicanos e ministro do Interior, Bruno Retailleau, chegou mesmo a acusar Lecornu de “esconder” a nomeação de Le Maire, mas negou qualquer responsabilidade na queda do governo.O anúncio dos titulares das principais pastas no domingo à noite alargou as críticas a todos os setores políticos, entre aliados e oposição, acusando o novo executivo de ser demasiado ou insuficientemente à direita e com ameaças de o derrubar.Para Marine Le Pen, líder da extrema-direita no Parlamento, a solução para esta “crise de regime” está nas mãos de Emmanuel Macron, que deve escolher entre renunciar ao cargo ou convocar novas eleições. “A demissão é uma questão de consciência e de Estado, e nada mais. (...) Comprometidos com a República, portanto, apelaremos simplesmente à pessoa em questão para uma introspeção e um despertar salutar para a França”, afirmou no X. “A segunda opção é a dissolução. Na nossa opinião, isso é irremediável. O Reagrupamento Nacional não convoca eleições para si próprio, mas com um único propósito: defender os interesses da França e do povo francês.”Do lado da França Insubmissa, de extrema-esquerda, Jean-Luc Mélenchon apelou “à consideração imediata da moção apresentada por 104 deputados para a destituição de Emmanuel Macron”. Uma moção que será analisada pelos serviços parlamentares na quarta-feira, 8 de outubro. Boris Vallaud, líder parlamentar do Partido Socialista, questionou esta segunda-feira a missão que foi confiada por Macron a Lecornu - “Que mais pode propor ou fazer que não tenha feito nos últimos 27 dias?” - mas reiterou a disponibilidade de socialistas, ecologistas e até comunistas para participarem num futuro governo. “Creio saber que os ‘insubmissos’ têm como prioridade a demissão do presidente da República. Estamos a perguntar-nos como podemos ser úteis ao povo francês imediatamente e não após uma hipotética (...) eleição ou demissão.”Da parte dos aliados de Macron, o cenário também não é animador para o presidente (que prefere evitar novas eleições), com Agnès Evren, porta-voz dos Republicanos, a dizer que não acredita que Lecornu consiga formar um novo executivo e que o seu partido “deixou o governo devido à perda de confiança”. Até o líder do Renascimento, o partido de Emmanuel Macron, disse esta segunda-feira à noite que “como muitos franceses, já não compreendo as decisões do presidente da República: houve a dissolução e, desde então, houve decisões que dão a impressão de uma forma de determinação para manter o controlo”.Sobre as negociações que terão lugar esta terça e quarta-feira, Gabriel Attal, também ele ex-primeiro-ministro de Macron, garantiu que participará, mas apelou a uma mudança de método “para dar a sensação de que entendemos que devemos partilhar o poder, foi o que nos disseram os franceses no momento da dissolução”. .França. Lecornu toma posse defendendo "ruturas" não apenas na "forma", mas também "na substância"