Um dos responsáveis pelo Brexit - cujo referendo foi convocado há 10 anos -, Nigel Farage vive aos 61 anos o seu momento. É o político mais popular do Reino Unido e o partido que fundou em 2021, Reform UK, venceria as eleições legislativas se estas se realizassem agora (o partido recebe recebe 28% das intenções de voto, contra 20% dos trabalhistas, 17% dos conservadores e 16% dos liberais). O antigo eurodeputado aproveita as dificuldades económicas deixadas ao governo trabalhista, a frágil liderança do Partido Conservador e uma passadeira vermelha de outras formações políticas e meios de comunicação para fazer da imigração ilegal a principal preocupação dos britânicos. Há pouco mais de um ano, o horrendo crime perpetrado contra três crianças (uma das quais filha de imigrantes portugueses) em Southport, foi combustível para se espalhar a falsidade de que o infanticida era um refugiado muçulmano a aguardar legalização e, com isso, multiplicaram-se manifestações da extrema-direita e desordem pública. O ambiente continuou crispado, com o número de migrantes a atravessar o Canal da Mancha de forma ilegal a aumentar. Entre junho de 2024 e junho de 2025 as autoridades britânicas contabilizaram a chegada de 49 mil pessoas sem documentação, 43 mil das quais através de pequenas embarcações. Um aumento de 38% face a igual período de 2023-2024, e nos quais pontificam afegãos, eritreus, iranianos, sírios e sudaneses. Depois do feito de afastar Londres da União Europeia, Nigel Farage demorou a reentrar no centro do debate político. Mas as sucessivas lideranças fracassadas dos conservadores e a pouca saúde da economia britânica legada aos trabalhistas de Keir Starmer propiciaram o caldo para que o Reform UK, partido que nasceu como uma empresa em 2021 - e que em fevereiro último passou a organização sem fins lucrativos -, fizesse o seu caminho. Na eleição que levou Keir Starmer à chefia do governo, no ano passado, Farage foi eleito deputado, assim como outros quatro correligionários. Em maio, as eleições locais em 23 circunscrições trouxeram a vitória ao Reform em dez assembleias e a eleição de dois mayors. De seguida, Farage fez propostas que alguma esquerda não desdenharia, caso da nacionalização da empresa metalúrgica British Steel, restituir os subsídios familiares (limitados aos dois primeiros filhos) ou o subsídio para os reformados pagarem a fatura de energia. “O Reform UK é o verdadeiro partido dos trabalhadores e dos sindicalistas”, disse Farage, cujo passado está ligado ao liberalismo da City. .106 000Requerentes de asilo a receber alojamento em junho, enquanto aguardam decisão administrativa. Entre estes, 32 mil estão alojados em 210 hotéis britânicos..Ao mesmo tempo, decerto inspirado na política de Donald Trump de impedir a construção de parques eólicos e de promover os combustíveis fósseis, o populista inglês mostra-se contra as políticas de transição energética, bem como a meta da neutralidade carbónica, alegando que esse dinheiro serviria para financiar medidas sociais. A estas promessas, Farage juntou uma campanha no verão centrada na imigração e que coincidiu com a detenção de um migrante etíope, acusado de agressão sexual a uma menor de 14 anos em Epping, 40 quilómetros a nordeste de Londres. O líder do Reform UK apelou a protestos diante dos hotéis em que a maior parte dos migrantes, tal como o suspeito etíope, estão alojados. .600 000Imigrantes em situação irregular é o número que Farage propõe expulsar do país em cinco anos numa operação que prevê custar o equivalente a 11,5 mil milhões de euros.. Aproveitando a ausência dos líderes dos outros partidos e a estratégia de Starmer de não responder a Farage, este protagonizou repetidas conferências de imprensa sobre imigração e criminalidade e arvorou-se como o líder de facto da oposição, apesar da pequena representação parlamentar do seu partido. Na terça-feira, ao apresentar o plano “Restaurar a justiça”, declarou que as travessias de pequenas embarcações são “uma ameaça genuína à ordem pública”, ao referir-se às 28 mil pessoas que pisaram solo britânico desde janeiro. Propõe que qualquer pessoa a entrar no Reino Unido nessas condições seja detida e deportada. Para este esquema resultar seria necessário revogar a lei dos Direitos Humanos, bem como abandonar a convenção Europeia dos Direitos Humanos, a convenção sobre Refugiados, a convenção das Nações Unidas contra a Tortura e a convenção do Conselho da Europa contra o tráfico de pessoas. “A alternativa é não fazer nada. Essa é a alternativa muito clara, simplesmente não fazer nada. Apenas permitir que este problema se amplie e cresça”, disse Farage.A mensagem passou. O líder do partido de extrema-direita é o político mais popular (3 pontos negativos) na mais recente sondagem YouGov, enquanto o primeiro-ministro tem 26 pontos negativos. E o Reform recebe 28% das intenções de voto, contra 20% dos trabalhistas, 17% dos conservadores e 16% dos liberais. Ao plano de Farage, o gabinete de Starmer preferiu dizer que “o crescimento da economia e a melhoria do nível de vida são a prioridade número um do governo”.