Exposição Sino-Portuguesa de Artefactos dos Quatro Séculos da Rota Marítima da Seda (I)

Exposição Sino-Portuguesa de Artefactos dos Quatro Séculos da Rota Marítima da Seda (I)

Co-organizada pelo Instituto Cultural do Governo da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) e pelo Museu do Palácio de Pequim, com o apoio do Museu Nacional de Arte Antiga de Portugal, da Fundação Oriente e da Biblioteca da Ajuda, a exposição “Reflexos das Ligações Marítimas: O Intercâmbio Cultural Sino-Português entre os Séculos XVI e XIX” está atualmente patente no 4.º piso do Museu de Arte de Macau
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A mostra reúne um total e 177 peças (ou conjuntos) provenientes do Museu do Palácio, de instituições museológicas portuguesas e do Instituto Cultural da RAEM, apresentando o percurso do intercâmbio cultural sino-português ocorrido entre os séculos XVI e XIX através da Rota Marítima da Seda - desde o comércio popular às relações oficiais - evidenciando o papel único de Macau enquanto plataforma de confluência entre culturas do Oriente e do Ocidente.

A exposição estrutura-se em três secções temáticas - “Aurora da Rota da Porcelana”, “Intercâmbio Cultural em Porcelana” e “Diálogos entre Cortes” - selecionando peças representativas pertencentes a instituições culturais da China e de Portugal.

O tema “Reflexos das Ligações Marítimas” simboliza não só o legado material abundante que deixou a Rota Marítima da Seda, como também o fulgor do diálogo e da mútua aprendizagem entre civilizações que tomou lugar por via de Macau enquanto “janela cultural”.

O primeiro núcleo temático - “Aurora da Rota da Porcelana” - recua a 1498, quando a frota portuguesa liderada por Vasco da Gama contornou o Cabo da Boa Esperança e alcançou Calecute, na Índia, marcando a abertura oficial da nova rota marítima para o Oriente.

Em 1510, os portugueses ocuparam Goa e, no ano seguinte, Malaca, chegando em 1513 às costas de Guangdong, na China, onde iniciaram o comércio de entreposto entre a China e o Sudeste Asiático. Como não chegaram a estabelecer relações diplomáticas oficiais com a dinastia Ming, os portugueses acabaram por abandonar as águas de Guangdong, procurarando novas oportunidades ao longo das costas de Fujian e Zhejiang. Nesta fase, a porcelana chinesa - sobretudo a louça azul e branca de Jingdezhen, na província de Jiangxi - tornou-se objeto de coleção para as cortes e aristocracias europeias. O estabelecimento do comércio cerâmico sino-português abriu caminho para a entrada sistemática da porcelana chinesa no mercado europeu e contribuiu para o desenvolvimento da produção europeia de porcelana por encomenda.

Entre o final da dinastia Ming e o início da dinastia Qing (1628-1700), os conflitos militares interromperam parcialmente o comércio internacional em Macau. No entanto, já durante o reinado de Kangxi (1654-1722), e com o estabelecimento das relações diplomáticas entre as cortes chinesa e portuguesa, o comércio foi retomado, permitindo a Macau continuar a desempenhar o papel de nó estratégico nas redes globais de comércio, expandindo a exportação de porcelanas chinesas para diversas partes do mundo.

No final do século XIX, os portugueses ocuparam Macau e estabeleceram a administração colonial no território, mas, com o desenvolvimento de Hong Kong como porto estratégico para o comércio marítimo costeiro da China, Macau acabaria por perder gradualmente o seu estatuto de principal entreposto comercial na região.

O segundo núcleo - “Intercâmbio Cultural em Porcelana” - aborda a fusão artística entre Oriente e Ocidente no campo da produção cerâmica. Segundo registos históricos, na Europa da época havia grande entusiasmo pela criação de peças que incorporassem elementos estéticos chineses, enquanto a produção cerâmica chinesa, por sua vez, introduziu inovações adaptadas à procura do mercado europeu.

A exposição reúne peças valiosas oriundas de instituições de Portugal, do interior da China e da RAEM, apresentando a história do comércio marítimo de porcelanas e o intercâmbio cultural nas cortes da China e de Portugal ao longo de centenas de anos.
A exposição reúne peças valiosas oriundas de instituições de Portugal, do interior da China e da RAEM, apresentando a história do comércio marítimo de porcelanas e o intercâmbio cultural nas cortes da China e de Portugal ao longo de centenas de anos.

Entre os séculos XVII e XIX, a produção de porcelana encomendada por clientes europeus atingiu o seu auge. Os artesãos chineses passaram a integrar também nas decorações das peças exportadas elementos baseados na sua própria imaginação sobre o mundo ocidental. Neste período, tanto as formas como os motivos ornamentais refletem de forma notável o diálogo entre as culturas chinesa e europeia.

A porcelana família rosa de Cantão, surgida no século XVIII, é um exemplo paradigmático deste fenómeno. Produzida a partir de peças brancas provenientes de Jingdezhen e pintada posteriormente em Cantão (Guangzhou), resultou de um processo no qual os artesãos locais, em resposta às preferências dos comerciantes estrangeiros, combinaram técnicas de pintura cerâmica características da região.

Este modelo representa uma importante categoria de porcelana de exportação e evidencia a expansão da produção cerâmica chinesa para além dos tradicionais centros manufatureiros, inaugurando um novo modelo comercial: o de aplicar decorações em grande escala fora do local de fabrico e destinar as peças exclusivamente ao mercado externo.

O terceiro núcleo - “Diálogo entre Cortes” - evidencia o papel da diplomacia cultural no contexto sino-português. Fontes históricas apontam que os missionários portugueses ao serviço da corte Qing desempenharam um papel essencial no desenvolvimento das relações diplomáticas entre a China e Portugal. Desde o século XV que Portugal detinha o Padroado do Oriente, e, após a fundação da Companhia de Jesus, o progresso das missões no Extremo Oriente dependeu amplamente do patrocínio da Coroa portuguesa.

Segundo estimativas parciais, entre o final do século XVI e o século XVIII, mais de sessenta jesuítas portugueses serviram na China por mais de vinte anos. Entre eles, várias figuras de destaque exerceram funções na corte imperial, incluindo Gabriel de Magalhães, Félix da Rocha, José de Espinha, Tomás Pereira, entre outros. Estes missionários deixaram contributos assinaláveis em áreas como a astronomia e a reforma do calendário, engenharia mecânica, cartografia e a música de corte, tornando-se importantes mediadores culturais no intercâmbio entre as civilizações europeia e chinesa.

"Iniciativa do Macao Daily News"

* Texto e fotos Zi Fan (imagens cedidas pelo Museu de Arte de Macau)

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