A primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, alertou na terça-feira que as indústrias de Defesa na Europa e na Ucrânia precisam de ser reforçadas nos próximos cinco anos já que a Rússia pode representar uma ameaça real à segurança da União Europeia até ao final da década. “Cortar nas nossas despesas com a Defesa nos últimos 30 anos foi um erro enorme”, referiu Frederiksen num discurso no Parlamento Europeu para marcar o início do semestre da Dinamarca na presidência do Conselho da União Europeia. “O reforço da indústria de Defesa europeia é uma prioridade absoluta e temos de ser capazes de nos defender até 2030, o mais tardar”, prosseguiu a líder do governo dinamarquês, sublinhando que “nunca, mas nunca, devemos permitir que a Europa seja colocada numa posição em que não nos possamos defender”.A guerra na Ucrânia e a ameaça da Rússia levou a Comissão Europeia a apresentar em março o plano ReArmar a Europa, também conhecido como Prontidão 2030, que tem como objetivo mobilizar mais de 800 mil milhões de euros para permitir que os 27 aumentem os seus orçamentos de Defesa. A primeira parte do plano consiste em libertar a utilização do financiamento público da Defesa a nível nacional, com a ativação da cláusula de salvaguarda nacional do Pacto de Estabilidade e Crescimento, o que permitirá aos 27 aumentar significativamente estas despesas sem acionar o procedimento relativo aos défices excessivos. Um mecanismo que Ursula von der Leyen acredita que pode criar um espaço orçamentar de cerca de 650 mil milhões de euros ao longo de um período de quatro anos e ao qual, na terça-feira, 15 países (Bélgica, Croácia, República Checa, Dinamarca, Estónia, Finlândia, Grécia, Hungria, Letónia, Lituânia, Polónia, Portugal, Eslováquia e Eslovénia) foram autorizados a aderir. Foi criado também um instrumento de empréstimo de 150 mil milhões de euros denominado Ação de Segurança para a Europa (SAFE) para facilitar a aquisição conjunta de equipamento de defesa, como sistemas de defesa antimíssil, drones e soluções de cibersegurança. Por fim, o Banco Europeu de Investimento é encorajado a expandir os seus empréstimos a projetos de Defesa e segurança, enquanto se acelera a União de Poupança e Investimento para mobilizar capital privado para a indústria de Defesa. “Estamos a viver os tempos mais importantes e perigosos. Não preciso de descrever a natureza grave das ameaças que enfrentamos. Ou as consequências devastadoras que teremos de suportar se essas ameaças se concretizarem”, sublinhou a presidente da Comissão Europeia em março, notando que a resposta que estava a receber dos 27 é que “estamos numa era de rearmamento”A par desta estratégia, a NATO - organização à qual pertencem 23 dos 27 países do bloco - aprovou na sua cimeira de junho uma declaração na qual “os Aliados comprometem-se a investir anualmente 5% do PIB em requisitos essenciais de Defesa, bem como em despesas relacionadas com a Defesa e a segurança até 2035, a fim de garantir as nossas obrigações individuais e coletivas”. Um compromisso que obrigará os seus Estados-membros a gastos de dezenas de milhões de euros nos próximos dez anos - por exemplo, a Alemanha gasta atualmente 2% do seu Produto Interno Bruto, sendo que, no início do ano, o chanceler Friedrich Merz revelou que 1% do PIB germânico representa cerca de 45 mil milhões de euros. Coisas não estão a evoluir suficientemente depressaNo entanto, os think tanks europeus Bruegel e Instituto de Economia Mundial de Kiel alertam que este aumento das despesas não se traduzirá necessariamente na capacidade militar melhorada que a Europa ambiciona até 2030. Uma análise que é partilhada pelo ministro da Defesa dinamarquês, Troels Lund Poulsen. “As coisas não estão a evoluir suficientemente depressa para nos podermos defender daqui a cinco anos. (…) É um enorme, enorme desafio atingir esse objetivo”, afirmou o governante na semana passada. De acordo com um relatório conjunto do Bruegel e do Kiel agora divulgado, alcançar a meta da prontidão europeia em 2030 exigirá não só uma maior utilização das compras europeias e da concorrência entre os fabricantes de armamento para reduzir custos, mas também um esforço conjunto para modernizar as forças armadas e priorizar as novas tecnologias.O mesmo documento nota que a produção europeia de projéteis de artilharia e obuses aumentou significativamente, quase cumprindo os requisitos para uma dissuasão fiável e autónoma contra a Rússia - enquanto milhões de projéteis de artilharia estão a ser produzidos, mais de 400 obuses são fabricados anualmente por várias empresas europeias, um aumento significativo em relação aos 168 de 2022. No entanto, a produção de tanques, veículos de combate de infantaria, mísseis e aviões de combate continua muito abaixo dos níveis necessários. Os investigadores do Bruegel e do Kiel estimam que a produção de tanques e veículos de infantaria precisaria de aumentar até seis vezes para acompanhar o ritmo do rearmamento da Rússia. Da mesma forma, a capacidade de fabrico de mísseis da Europa necessita de se expandir urgentemente para reforçar as suas capacidades de dissuasão.Uma maior aposta na inovação militarO relatório destaca ainda que a Europa continua fortemente dependente dos Estados Unidos para a tecnologia avançada de armamento, sendo a produção nacional de sistemas de ponta entre os membros do bloco dos 27 ainda limitada. De notar também que os sistemas de armas europeus são, em média, significativamente mais caros do que os seus congéneres internacionais.“Apesar do forte aumento das despesas com a Defesa, os esforços de rearmamento da Europa podem fracassar, a menos que a integração do mercado de Defesa em todo o continente avance”, refere Guntram Wolff, professor da Escola Solvay de Bruxelas e autor do estudo do Bruegel e o do Kiel. “Fazer encomendas conjuntas de sistemas de armas selecionados aos fornecedores mais económicos da Europa reduziria os preços.” Para além da aquisição conjunta, o autor desta análise realça que um foco mais forte na inovação é essencial para atingir os objetivos de defesa da Europa. “O planeamento de armamento deve agora virar-se mais para as novas tecnologias que se têm mostrado eficazes na Ucrânia”, sublinha Wolff, notando que expandir a produção de drones ou veículos não tripulados não será suficiente. A Europa também precisa de desenvolver a sua própria infraestrutura de computação em nuvem e recursos de Inteligência Artificial.Entretanto, aponta o mesmo relatório, o financiamento europeu para a investigação e desenvolvimento em matéria de Defesa necessita de sofrer um aumento substancial. Atualmente, os países europeus investem anualmente cerca de 13 mil milhões de euros, um valor bem longe dos 145 mil milhões de dólares gastos pelos Estados Unidos. “Isto deixa a Europa atrás dos EUA, da China e da Rússia em áreas como os drones, os sistemas de mísseis e a guerra digital”, alerta Wolff, apontando que a criação de uma agência europeia de inovação, inspirada na Agência de Projectos de Investigação Avançada de Defesa (DARPA), agência do Departamento de Defesa dos EUA responsável pelo desenvolvimento de tecnologias avançadas para utilização militar, poderá ajudar a colmatar esta lacuna. O objetivo seria garantir que as startups de Defesa têm acesso igual aos contratos que os intervenientes estabelecidos, ajudando a colocar sistemas militares de ponta em funcionamento mais rapidamente.Dois países a ter em conta no panorama europeuComo já foi referido as despesas com Defesa têm aumentado nos últimos anos, com a Europa no seu conjunto a cumprir atualmente o objetivo de 2% da NATO. Ao mesmo tempo, a percentagem da despesa com a Defesa dedicada ao equipamento aumentou substancialmente em todos os países da NATO, impulsionada principalmente pelos membros europeus - a despesa coletiva com equipamento dos 27 quase duplicou em termos reais entre 2018 e 2023. Entre estes países há a ter em conta a Polónia, que é quem apresenta os maiores gastos em termos de PIB dentro da NATO e que, seguir à Ucrânia tem o maior exército da Europa. O pódio é fechado pela Alemanha, a maior economia europeia. Olhando para a Alemanha, entre janeiro de 2020 e abril de 2025, o Monitor dos Contratos Públicos Militares do think tank Kiel identificou 213 encomendas contendo 291 artigos num valor total de 170 mil milhões de euros. Não foi registado nenhum aumento relevante após a invasão russa da Ucrânia - pelo contrário, o volume de encomendas nos doze meses que se seguiram à invasão (21,3 mil milhões de euros) foi inferior a qualquer um dos dois anos anteriores - tendo esta tendência sido apenas invertida a partir da primavera de 2023. De referir ainda que entre fevereiro e abril deste ano - ou seja, entre as eleições federais alemãs e a tomada de posse do governo, que aconteceu no início de maio - Berlim não efetuou quaisquer ordens de compra militar.No caso da Polónia, foram identificadas pelo Kiel um total de 97 encomendas para o período entre janeiro de 2019 e maio de 2025, num total de cerca de 66 mil milhões de euros.É provável que os stocks militares polacos aumentem nos próximos anos, já que as aquisições substanciais realizadas principalmente desde 2022 começarão a chegar a partir de 2025 até 2032, com alguns dos produtos a serem entregues atualmente e os outros prestes a serem entregues nos próximos anos. Isto irá substituir, em particular, algum do equipamento doado à Ucrânia.A invasão russa marcou, precisamente, um ponto de viragem nas aquisições polacas - de acordo com o monitor do Kiel, o período antes da guerra na Ucrânia é marcado por uma ausência geral de aquisições, sendo que cerca de 80% das encomendas polacas foi realizada após 2022, quando a invasão começou. É referido ainda que o investimento em capacidades terrestres é a principal prioridade nas aquisições da Polónia..Trump recebe dos Aliados os 5% de gastos em Defesa e compromete-se com o artigo 5.º da NATO.Ucrânia perde ajuda dos EUA e recebe de Bruxelas plano para rearmar a Europa