O secretário Pete Hegseth e o seu advogado pessoal Parlatore na cerimónia em que o segundo se tornou advogado da Marinha.
O secretário Pete Hegseth e o seu advogado pessoal Parlatore na cerimónia em que o segundo se tornou advogado da Marinha.X.com

EUA. O secretário da Defesa e o seu advogado todo-o-terreno que puseram os jornalistas em pé de guerra

Pete Hegseth pôs em prática um plano do seu conselheiro e advogado que, na prática, criminaliza a atividade jornalística junto do Pentágono.
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A mais recente controvérsia do secretário da Defesa (ou antes, da Guerra) dos Estados Unidos resultou na saída de uma centena de jornalistas de dezenas de órgãos de comunicação acreditados em permanência no Pentágono. Mas também expõe o papel de um homem que é ao mesmo tempo conselheiro de Pete Hegseth no Pentágono, seu advogado pessoal, mas também causídico com processos em tribunal nos quais defende militares, em aparente conflito de interesses.

Na quarta-feira, o Pentágono ficou praticamente sem jornalistas em cobertura permanente. Do edifício de mais de 800 mil metros quadrados e no qual trabalham cerca de 20 mil funcionários saíram os correspondentes de todos os jornais de referência bem como de todas as estações televisivas, à exceção de uma alinhada com a extrema-direita (OAN). Outra estação concorrente para o mesmo público alvo, a Newsmax, bem como a Fox News, a principal fonte de TV do presidente Donald Trump, também deixaram as instalações.

Jornalistas durante uma conferência de imprensa no Pentágono.
Jornalistas durante uma conferência de imprensa no Pentágono.Brigitte N. Brantley / Departamento de Defesa dos EUA

De acordo com o Washington Post, além da TV OAN, aceitaram os termos jornalistas de outros meios de direita como o jornal Epoch Times e o site Federalist, além de freelancers e correspondentes de meios estrangeiros.

Os jornalistas e os órgãos de comunicação recusaram assinar uma nova política do Pentágono, segundo a qual os profissionais da comunicação teriam de aceitar severas limitações à sua atividade. Em particular, os jornalistas credenciados no Departamento de Guerra ficam sujeitos a ação penal caso solicitem qualquer informação, material não classificado incluído, que não tenha sido previamente aprovado para divulgação. Segundo os novos regulamentos, estão a “solicitar ou encorajar funcionários do governo a infringir a lei”.

Segundo a Associação de Imprensa do Pentágono, a falta de adesão às novas regras deve-se “à sua ameaça implícita de criminalizar a divulgação de informações sobre segurança nacional e expor aqueles que a assinassem a uma possível perseguição judicial”. O chefe da delegação em Washington do The New York Times, Richard Stevenson, lembra que "o público tem o direito de saber como o governo e os militares estão a agir" e que as novas regras “ameaçam punir os jornalistas pela recolha de notícias comuns protegida pela Primeira Emenda” da Constituição dos EUA.

Pete Hegseth.
Pete Hegseth.EPA/OLIVIER HOSLET

Pete Hegseth, de 45 anos, acumula polémicas. Desde o seu primeiro discurso, em Munique, no qual tirou o tapete à Ucrânia, ao mais recente, perante centenas de generais, e na qual disse que iria avançar com normas de aptidão física mais exigentes e acabar com quaisquer vestígios de políticas de diversidade (o que chamou de "Departamento Woke") e convidou as altas patentes militares que discordassem a demitirem-se. Foi nomeado para o cargo sem qualquer experiência política.

O secretário Pete Hegseth e o seu advogado pessoal Parlatore na cerimónia em que o segundo se tornou advogado da Marinha.
Vende munições, não lava as mãos e já atirou um machado a um músico. Hegseth é a escolha de Trump para a Defesa

Antigo militar, foi criticado por má gestão de fundos de duas associações de veteranos a que presidiu, bem como pelo seu comportamento (sexista e regado a álcool). Era apresentador da Fox News quando foi convidado por Trump e logo foi notícia de que chegou a um acordo extrajudicial com uma mulher que o acusou de violação, em 2017.

Hegseth recorreu ao advogado Timothy Parlatore, que tinha ficado famoso ao defender com sucesso um militar acusado de vários crimes. O militar em questão, Edward Gallagher, fazia parte da unidade de operações especiais SEAL da Marinha e acabou por ser absolvido da maior parte das acusações, tendo sido condenado por posar junto de um cadáver. Quem fez uma campanha na TV pela sua absolvição e pela intervenção de Donald Trump, então no seu primeiro mandato, foi Hegseth enquanto comentador na Fox News.

No caso da alegada violação ocorrida em 2017, Parlatore escreveu um comunicado no qual atribuiu a culpa à mulher. “Testemunhas declararam que o Sr. Hegseth estava visivelmente embriagado, mas a queixosa não, enquanto ela o conduzia pelo braço até ao seu quarto de hotel”. Uma vez no quarto de hotel onde Hegseth estava hospedado, a mulher não saiu e foi “a agressora ao iniciar a atividade sexual”.

Segundo o Post, é também Parlatore o autor do documento de 21 páginas que restringe a atividade jornalística no Pentágono. Em março, explodiu o Signalgate, o escândalo em que inadvertidamente o diretor da revista The Atlantic Jeffrey Goldberg foi adicionado a um grupo na aplicação de mensagens Signal e na qual se discutiram pormenores da operação militar no Iémen. Foi também nesse mês que Parlatore regressou à Marinha, desta vez para os quadros do corpo de advogados e logo de seguida passou a ser conselheiro de Hegseth, suprindo o despedimento de outros três, em abril, altura em que se discutia a sua possível demissão.

O secretário Pete Hegseth e o seu advogado pessoal Parlatore na cerimónia em que o segundo se tornou advogado da Marinha.
Pode Pete Hegseth ser a primeira baixa da Administração Trump?

Com Hegseth preocupado com as fugas de informação (por exemplo, sobre os planos militares para o Canal do Panamá), Parlatore foi encarregado de descobrir os responsáveis. E este decidiu usar testes de polígrafo em funcionários considerados suspeitos. Uma política que causou profundo mal-estar ao ponto de a Casa Branca intervir para acabar com a mesma.

O mais curioso é que Parlatore, de 46 anos, continua a sua atividade como advogado civil, mas com vários processos em que defende militares, como por exemplo o almirante na reserva Robert Burke, acusado de corrupção. "Não sei qual seria o conflito", disse ao Politico. "Estou na reserva da Marinha, como muitos advogados." Mas decerto nenhum que esteja em casos cujo interesse é contrário ao da Marinha e que seja conselheiro do secretário da Defesa. "O que é que o advogado do governo do outro lado pensará se estiver a lidar com alguém que ajuda a definir a política do Departamento de Defesa e em quem o secretário da Defesa confia pessoalmente?”, questiona Jeff Hauser, diretor do grupo Revolving Door Project, sobre o duplo papel de Parlatore.

Antes de ingressar no Pentágono, Parlatore voltou a ter notoriedade como um dos advogados de Donald Trump no caso dos documentos que o empresário levou da Casa Branca e no caso da tentativa de anular as eleições. Parlatore também defendeu o criminoso Anthony 'Skinny' Santoro e o advogado do mafioso John Gotti, Bruce Cutler, de quem chegou a ser parceiro nas lides jurídicas.

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