Ao apontar o dedo ao Ocidente e à NATO, o presidente russo voltou a desresponsabilizar-se pela guerra que iniciou na Ucrânia no seu discurso na cimeira da Organização de Cooperação de Xangai. Na reunião que decorreu em Tianjin, Vladimir Putin foi recebido como um convidado especial por Xi Jinping, andou de mãos dadas com o indiano Narendra Modi, e ouviu destes palavras de alento na construção de uma frente antiocidental.Duas semanas depois de ter sido reabilitado pelo presidente Donald Trump, quando este o recebeu de tapete vermelho em Anchorage, Putin referiu-se a essa reunião de duas horas e meia ao mencionar “os entendimentos alcançados na recente cimeira russo-americana no Alasca”, embora sem especificar quais, mas que, na sua perspetiva, “abrem caminho para a paz na Ucrânia”. Na mesma senda, mostrou-se agradecido aos parceiros, em particular à China e à Índia, “pelos esforços e propostas” com o objetivo de “facilitar a resolução da crise ucraniana”. Sobre esta, Putin voltou a bater na mesma tecla, sem uma única variação. As famosas “raízes” ou “causas profundas” do conflito “não surgiram como resultado do ataque da Rússia à Ucrânia, mas sim como resultado de um golpe de Estado na Ucrânia, apoiado e provocado pelo Ocidente, e das tentativas subsequentes de suprimir a resistência”, por um lado; e “as constantes tentativas do Ocidente de atrair a Ucrânia para a NATO, o que representa uma ameaça direta à segurança da Rússia”, por outro. .Xi Jinping, Narendra Modi e Putin voltam a alinhar agendas em cimeira na China. “Para que o acordo ucraniano seja sustentável e de longo prazo, as causas profundas da crise, que acabei de mencionar e que já mencionei muitas vezes antes, devem ser eliminadas, e um equilíbrio justo na esfera da segurança deve ser restaurado”, advogou. Momentos antes de admitir a ingerência no país vizinho, o mesmo Putin dirigira os maiores elogios à Carta da ONU perante 22 chefes de Estado ou de governo de países, muitos dos quais com pergaminhos questionáveis no que respeita à adesão a esses e outros princípios estabelecidos pela ONU, a começar pela própria Rússia. . Estas declarações foram vistas no mínimo como o esvaziamento do momento que sucedeu à reunião no Alasca, com uma correria diplomática de Kiev e dos seus aliados para tentar contrariar a influência de Putin na Casa Branca, agendar uma cimeira entre os líderes dos países em guerra, obter garantias de segurança num momento de pacificação e pugnar pelo cessar-fogo. .'Big show' Xi de olho em Trump: da parceria com Modi à parada militar com Putin e Kim. “Seja o que for que tenha dito a Trump no Alasca, ele está simplesmente a ignorá-lo”, comentou à Sky News John Bolton, antigo conselheiro de segurança do presidente norte-americano. Bolton, que na semana passada viu a sua casa ser alvo de buscas por parte do FBI, concordou com a ideia de que Trump tinha sido humilhado pelo líder russo. “Acho que ele [Trump] não percebe isso, mas creio que Putin acredita que a velha magia está de volta, que o seu treino no KGB lhe permitiu novamente enganar Trump. Está a correr muito bem para o Kremlin.”.“A supremacia do direito internacional, o direito de uma nação à autodeterminação, a igualdade soberana, a não interferência em assuntos internos, o respeito à independência e aos interesses nacionais de cada Estado. Esses princípios são verdadeiros e inabaláveis até hoje.”Vladimir Putin.“As constantes tentativas do Ocidente de atrair a Ucrânia para a NATO representam uma ameaça direta à segurança da Rússia.”Vladimir Putin. Na reunião entre Modi e Putin, o primeiro-ministro indiano pediu o fim do conflito o quanto antes, mas também mostrou prosseguir uma política externa própria. “Mesmo nas situações mais difíceis, Índia e Rússia sempre caminharam lado a lado”, disse nas redes sociais. A declaração final da cimeira de Tianjin (metrópole que dista 150 quilómetros de Pequim) mostra preocupação pela Palestina e condena os ataques aéreos de Israel e EUA ao Irão, mas sobre a guerra na Ucrânia, nem uma linha. Na ótica do Ministério dos Negócios Estrangeiros ucraniano, a omissão “indica o fracasso dos esforços diplomáticos de Moscovo”, bem como de “impor a ideia de que os estados fora da Europa e da América do Norte têm uma visão pró-Rússia sobre as causas, consequências e formas de pôr fim” à guerra. No que funcionou como uma operação de charme de uma alternativa ao Ocidente, o anfitrião defendeu uma “governação [global] mais justa e razoável”, em oposição à “mentalidade da Guerra Fria, do confronto entre blocos, e dos atos de intimidação”.