Os protestos contra o crescente custo de vida no Irão alastraram esta terça-feira, 30 de dezembro, a várias universidades, com os estudantes a unirem-se a lojistas e comerciantes de bazares, apesar do apoio dado pelo presidente Masoud Pezeshkian que, nas redes sociais, afirmou na segunda-feira à noite que tinha pedido ao ministro do Interior para ouvir as “reivindicações legítimas” dos manifestantes. “O bem-estar da população é a minha preocupação diária. Temos medidas fundamentais em agenda para reformar o sistema monetário e bancário para manter o poder de compra do povo”, escreveu no X Pezeshkian que, apesar de ser presidente, tem menos poder do que o Líder Supremo do Irão, o ayatollah Ali Khamenei. “Instruí o ministro do Interior a ouvir as suas reivindicações legítimas por meio do diálogo com os representantes dos manifestantes, para que o governo possa agir com responsabilidade e com todas as suas forças para resolver os problemas”. Já esta terça-feira, a porta-voz do governo, Fatemeh Mohajerani, adiantou que será estabelecido um mecanismo de diálogo, que incluirá conversações com os líderes dos protestos. “Reconhecemos oficialmente os protestos. Ouvimos as suas vozes e sabemos que isto tem origem na pressão natural decorrente da pressão sobre os meios de subsistência das pessoas”, disse, citada pelos meios de comunicação estatais.Na mesma linha, o presidente do parlamento iraniano, Mohammad Bagher Ghalibaf, pediu “medidas necessárias focadas no aumento do poder de compra da população”. “As preocupações e protestos da população em relação aos problemas de subsistência devem ser respondidos com total responsabilidade e diálogo”.Os protestos tiveram início no domingo, quando os lojistas próximos de dois dos principais centros comerciais de tecnologia e telemóveis na zona de Jomhouri, em Teerão, bem como nos arredores do Grande Bazar, fecharam os seus estabelecimentos e saíram à rua depois do rial, a moeda do Irão, ter atingido um novo valor baixo no mercado não oficial - o dólar norte-americano valia cerca de 1,42 milhões de riais, em comparação com os 820.000 riais registados um ano antes, enquanto a inflação atingiu os 42,5% em dezembro, cenário que se deve à instabilidade dos últimos anos, sanções internacionais e ameaças de ataques de Israel e dos Estados Unidos, como Donald Trump deixou claro na segunda-feira à noite no seu encontro com o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu.Segundo o jornal turco Hurriyet, um comerciante que não quis ser identificado queixou-se de que as autoridades não ofereceram qualquer apoio aos comerciantes que lutam contra o aumento dos custos de importação. “Nem se preocuparam em saber como é que a cotação do dólar afetava as nossas vidas”, lamentou. “Tivemos de decidir protestar. Com este preço do dólar, nem sequer conseguimos vender uma capa de telemóvel, e as autoridades não se importam que as nossas vidas dependam da venda de telemóveis e acessórios.”Fotos da agência de notícias conservadora Fars mostraram gás lacrimogéneo a ser usado para dispersar os manifestantes em Teerão na segunda-feira, enquanto vídeos de protestos, confirmados pela Reuters como tendo ocorrido na capital iraniana, mostravam dezenas de pessoas a marchar por uma rua enquanto cantavam “Descansa em paz, Reza Xá”, em referência ao fundador da dinastia real deposta na revolução islâmica de 1979. “Foram relatados pequenos confrontos físicos entre alguns manifestantes e as forças de segurança”, noticiou a Fars. Já a agência de notícias pró-trabalhista ILNA referia na segunda-feira que os manifestantes “estão a exigir uma intervenção imediata do governo para conter as flutuações cambiais e definir uma estratégia económica clara”.Na manhã desta terça-feira, a maioria das lojas e cafés ao longo das principais ruas de Teerão, incluindo a Avenida Vali-asr, com 18 quilómetros, estavam abertos mas mantendo-se uma forte presença policial, para evitar novos distúrbios. Mesmo assim, de acordo com a Fars, centenas de estudantes juntaram-se aos protestos em quatro universidades de Teerão.Nas redes sociais, segundo a Reuters, eram vários os iranianos que comentavam as manifestações, como Masoud Ghasemi, que alertava para a possibilidade de os protestos alastrarem ao resto do país, ou Soroosh Dadkhah, que dizia que os preços elevados e a corrupção levaram as pessoas “ao ponto de explosão”. A Guarda Revolucionária alertou os participantes num comunicado que se oporá a “qualquer tentativa de (...) caos ou ameaça à segurança”. Ao mesmo tempo, a agência Tasnim, ligada à Guarda Revolucionária, afirmou que os “meios de comunicação anti-iranianos e organizações de segurança estrangeiras, através de alguns dos seus agentes internos, estiveram presentes em algumas concentrações para transformar os protestos em distúrbios”.A economia do Irão apresenta problemas desde que as sanções dos Estados Unidos foram reimpostas em 2018, quando Donald Trump, então no seu primeiro mandato, terminou um acordo internacional sobre o programa nuclear do país. Na altura deste acordo, em 2015, que levantou as sanções internacionais em troca de controlos rigorosos sobre o programa nuclear do Irão, a moeda nacional estava cotada a 32 mil riais por dólar.As sanções das Nações Unidas contra o país relacionadas com o programa nuclear iraniano foram reimpostas em setembro, levando ao congelamento de ativos iranianos no estrangeiro, interrupção das transações de armas com Teerão e imposição de sanções relacionadas com o programa de mísseis balísticos do Irão. O mesmo tendo acontecido com a União Europeia, que, entre outras coisas, ampliou a lista de pessoas e entidades sujeitas ao congelamento de ativos e reativou as restrições à exportação e importação de produtos de dupla utilização, tecnologia sensível e bens relacionados com os setores da energia, naval e metais. No mês seguinte, segundo a Reuters, foram realizadas várias reuniões de alto nível no Irão sobre como evitar o colapso económico, contornar as sanções e lidar com a indignação pública.Esta terça-feira, os EUA anunciaram ter adicionado 10 indivíduos e entidades sediadas no Irão (e na Venezuela) à sua lista de sanções, citando os seus agressivos programas de armamento.A rápida desvalorização do rial está a agravar as pressões inflacionistas no país, a fazer subir os preços dos alimentos e outros bens essenciais e a pressionar ainda mais os orçamentos familiares, tendência que poderá agravar-se com a subida do preço da gasolina dos últimos dias.De acordo com as estatísticas oficiais, a taxa de inflação em dezembro subiu para 42,2% em relação ao mesmo período do ano passado, e acelerou 1,8% face a novembro. Os preços dos alimentos subiram 72% e os dos artigos de saúde e medicamentos aumentaram 50% em relação a dezembro de 2024, o que agrava os receios de hiperinflação. Segundo a AFP, a flutuação dos preços está a paralisar as vendas de certos produtos importados, com os vendedores e compradores a preferirem adiar todas as transações até que a situação se esclareça.O presidente Massoud Pezeshkian mostrou-se determinado a combater a inflação e o elevado custo de vida no domingo, durante a apresentação do orçamento para o próximo ano que inclui um aumento salarial de 20%, um valor que, no entanto, continua muito abaixo da taxa de inflação. Têm ainda circulado notícias nos media oficiais de que o governo pretende aumentar os impostos no Ano Novo iraniano, que começa a 21 de março, o que causou ainda mais preocupação entre a população.A primeira vítima destes protestos foi o governador do Banco Central do Irão, Mohammad Reza Farzin, que se demitiu na segunda-feira. Logo em seguida um assessor da presidência iraniana anunciou no X que “Abdolnasser Hemmati será nomeado governador”. Uma solução questionável já que Hemmati foi destituído em março, pelo Parlamento, do cargo de ministro da Economia e Finanças, devido à forte desvalorização do rial..Quatro momentos marcantes deste ano turbulento no IrãoConflito com IsraelIsrael lançou ataques aéreos surpresa contra o Irão a 13 de junho, com relatos de explosões em Teerão. Vários oficiais militares são mortos, incluindo o comandante da Guarda Revolucionária Islâmica, Hossein Salami, e o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Mohammad Bagheri. O Irão lança ataques aéreos contra Israel em resposta aos ataques aéreos anteriores. A 21 de junho, os EUA atacam três instalações nucleares iranianas. Um cessar-fogo mediado pelos EUA e pelo Qatar entrou em vigor três dias depois. Na segunda-feira, num encontro em Mar-a-Lago com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, Donald Trump disse que os EUA poderão apoiar outro grande ataque de Israel ao Irão caso o país retome a reconstrução dos seus programas de mísseis balísticos ou armas nucleares.Programa nuclearAs tensões em relação ao programa nuclear iraniano atingiram um ponto crítico este ano. Em junho, a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) informou que o Irão tinha acumulado urânio enriquecido suficiente para produzir nove ogivas nucleares. E a 12 desse mês, um dia antes dos ataques de Israel, a AIEA declarou o Irão em incumprimento das suas obrigações nucleares, a primeira vez desde 2005. O regresso de Donald Trump à Casa Branca foi sinónimo de novas sanções contra agentes dos serviços de informação, grupos paramilitares, redes petrolíferas e produção de drones, mas também a proibição da entrada de iranianos nos EUA, promulgada no início de junho. Em setembro, as sanções da ONU anteriores ao acordo nuclear de 2015 voltaram a vigorar, pressionando a economia iraniana e as suas ligações de comércio internacional.Aumento das execuçõesEstima-se que o número de execuções no Irão em 2025 tenha mais do que duplicado em comparação com o número de execuções realizadas em todo o país em 2024. O grupo de defesa dos direitos humanos Iran Human Rights (IHR), sediado na Noruega, informou a BBC que verificou pelo menos 1.500 execuções até ao início de dezembro, acrescentando que muitas outras ocorreram desde então. Na mesma linha, o grupo sediado nos EUA Human Rights Activists News Agency, ao cobrir o período de 1 de janeiro a 20 de dezembro, afirmou que as execuções aumentaram 106% em relação a 2024, tendo registado nesse período, pelo menos, 1922 execuções, com cerca de dez a serem realizadas em público. Um dos executados foi o autor do ataque de 2023 à embaixada do Azerbaijão em Teerão. A HRANA nota ainda que, pelo menos 168 pessoas, foram condenadas à morte em 2025, com o Supremo a confirmar as sentenças em pelo menos 56 casos. Caos nas infraestruturasA 26 de abril, uma enorme explosão atingiu o maior porto do Irão, perto de Bandar Abbas, matando pelo menos 57 pessoas e ferindo mais de 1.000. Numa escala menor, a 6 de março, uma pessoa morreu numa explosão seguida de incêndio numa instalação militar em Teerão, enquanto que, a 7 de abril, sete mineiros morreram numa fuga de gás numa mina de carvão perto de Damghan. Ainda em abril, a 29, uma explosão num depósito de produtos químicos em Meymeh, na província de Isfahan, matou duas pessoas e feriu outras duas. A 2 de outubro, uma pessoa morreu e quatro ficaram feridas na explosão de uma possível cápsula de hidrogénio num laboratório da faculdade de engenharia e tecnologia da Universidade de Teerão, na capital do país. .UE volta a aplicar sanções após decisão da ONU. Irão ameaça com resposta "firme e apropriada"