Salvo um trunfo na manga de última hora, o primeiro-ministro francês, Michel Barnier, deverá perder um dos votos de censura que vai ser votado esta quarta-feira a partir das 16.00 (15.00 em Lisboa) na Assembleia Nacional. Será a primeira vez desde 1962 que um governo cai desta forma, deixando uma série de cenários em aberto - não só políticos, mas também económicos - e uma única certeza: o presidente Emmanuel Macron só pode convocar novas eleições legislativas em junho de 2025. .Depois de semanas de tensão, a gota de água foi a decisão de Barnier de recorrer ao artigo 49.3 da Constituição para aprovar o orçamento para a Segurança Social sem o aval dos deputados. Este mecanismo coloca a responsabilidade no governo, mas a Assembleia Nacional pode contestar votando uma moção de censura. E é isso que vai acontecer, com tanto a Nova Frente Popular (NFP, aliança de esquerdas que inclui a radical A França Insubmissa, além dos socialistas e ecologistas) como o Reunião Nacional (RN, extrema-direita) a apresentarem duas propostas..A esquerda não vai aprovar a moção da extrema-direita, mas o RN já disse que votará a favor do texto da NFP. Apesar das críticas que este contém ao partido de Marine Le Pen. “Uma moção de censura não é uma coligação ou um acordo político”, escreveu a líder parlamentar do RN no X. É “a expressão de uma rejeição das opções políticas e orçamentais propostas pelo Governo.”.O bloco governamental critica a aliança de Le Pen com a esquerda radical (que ela diz ser um “perigo” para o país), mas a deputada lembrou que a única aliança que houve e que “mergulhou França no caos” foi a “frente republicana” que existiu entre a primeira e a segunda volta das legislativas - a aliança de esquerda acabou por eleger o maior número de deputados, apesar de o RN ser o maior partido no hemiciclo..Cenário 1: Barnier passa.“O momento é sério, é difícil, mas os riscos não são impossíveis”, disse esta terça-feira um ainda confiante Barnier numa entrevista à TF1 e France 2. Mas um acordo de última hora é o cenário mais improvável. Até porque Barnier pode estar só a comprar tempo, já que será necessário votar o orçamento como um todo a 20 de dezembro - e aí poderá haver nova tentativa de o passar com o artigo 49.3, abrindo a porta a nova moção de censura..Se alguma das moções passar esta quarta-feira, como previsto, o próximo passo cabe a Macron - que esta terça-feira disse “não acreditar” na censura do governo e que “confia na coerência das pessoas”. O presidente estava numa visita oficial à Arábia Saudita, mas deverá regressar a Paris a tempo da votação - prevista para decorrer três horas após o início do debate. O presidente é o único com o poder para nomear um primeiro-ministro..Cenário 2: um novo PM.Macron pode surpreender e voltar a nomear Barnier, mas isso será visto como um desafio da parte da oposição - que poderá voltar a unir-se e fazê-lo cair, rejeitando um voto de confiança. O presidente, que rejeitou a possibilidade de convidar a esquerda a formar governo por causa da França Insubmissa, poderá encontrar outra figura do centro-direita para assumir o cargo. Contudo, o escolhido (ou a escolhida) terá que fazer cedências contínuas a Le Pen - como aconteceu com Barnier, que em princípio continuará de forma interina até haver um sucessor. .O presidente pode voltar a pedir aos partidos que procurem chegar a uma coligação, tentando fazer a implodir a NFP - uma possibilidade seria levar os socialistas a romper com a Frente Insubmissa, sendo que têm sido vários os problemas com a aliança de esquerda. Finalmente, o presidente pode escolher nomear um governo tecnocrático para garantir a gestão corrente do país até poder convocar novas legislativas, em junho..Independentemente do que acontecer, será pouco provável que a França tenha um novo orçamento a tempo de entrar em vigor a 1 de janeiro. O governo deverá provavelmente passar uma lei que permita continuar com o orçamento de 2024 nos primeiros meses de 2025..Independentemente de quem for o próximo primeiro-ministro, terá que lidar com uma complicada situação orçamental - com a França a prever um défice de 6% este ano. Barnier tinha tentado lidar com a situação com um aumento de 60 mil milhões de euros em impostos e uma redução dos gastos, mas a austeridade não agradou à oposição. Barnier, na entrevista desta terça-feira, jogou com o medo da crise económica para tentar convencer os deputados a votar contra a censura..Cenário 3: Macron demite-se.A opção mais radical em cima da mesa para Macron é apresentar ele próprio a demissão, desencadeando novas presidenciais. O seu mandato só acaba em 2027 e esse é um cenário que voltou esta terça-feira a rejeitar: “É ficção política.” Seja como for, será mais uma crise no seio da Europa, onde também o governo alemão se prepara para ir às urnas..susana.f.salvador@dn.pt