Estamos no fim do primeiro mês da presidência polaca do Conselho da União Europeia. Consegue fazer um primeiro balanço?Estes primeiros meses são mais de cerimónia. O primeiro-ministro Donald Tusk só apresentou as prioridades da presidência polaca no dia 15. Tivemos vários eventos culturais em Bruxelas e também houve apresentações da presidência polaca em todo o mundo. O que também já começou foram os grupos de trabalho e os encontros informais de ministros. Pouco a pouco, começa-se com os trabalhos sérios. [No dia 22] o primeiro-ministro Tusk apresentou as prioridades frente ao Parlamento Europeu e, nesse dia, começaram os trabalhos legislativos. É muita coisa e as prioridades são muito amplas.A presidência polaca identifica sete prioridades: Defesa e Segurança, Proteção do Povo e das fronteiras, resistência à interferência estrangeira e desinformação, garantir a segurança e liberdade dos negócios, transição energética, competitividade e resiliência na agricultura e segurança na saúde. Uma agenda ambiciosa para seis meses…Efetivamente, mas não é uma agenda para seis meses. Nós começamos um novo trio de presidências, que conta ainda com a Dinamarca e Chipre. Portanto, o programa que temos é do trio. Mas é verdade que as prioridades, mesmo para ano e meio, são muito ambiciosas. Mas são prioridades que têm muito a ver com a situação geopolítica, com a situação europeia de hoje. E conforme esta mudar, também o enfoque muda. Mas acho que essas prioridades vão ficar connosco por muitos anos ainda. Este foco na segurança é para ficar. O slogan da presidência polaca é precisamente “Segurança, Europa”. Tendo em conta o cenário, essa é a clara prioridade?Claro, porque, na verdade, segurança é tudo. Quando falamos em segurança, pensamos logo na segurança militar. E não é verdade, porque um cidadão feliz é um cidadão que se sente seguro. O enfoque militar é importante devido à guerra no continente europeu. Para nós, polacos, é ainda mais atual devido à nossa situação geográfica, mas é atual para toda a Europa. Mas também temos de dar enfoque às questões do quotidiano dos europeus, da segurança económica, energética, de saúde, de educação, basicamente tudo. A segurança interna da UE é muito importante. Foi isso que o primeiro-ministro Tusk disse no Parlamento Europeu, referindo que a Europa tem de ser forte, tem de voltar a acreditar que é forte, porque os factos apoiam essa convicção. A Europa tem de ser uma campeã moral, mas também tem de ter força militar. Porque se olhamos para o mundo hoje, especialmente após a tomada de posse do presidente Trump nos EUA, é a força que importa. A Europa é forte, só tem de dar-se conta disso.Estamos numa mudança de era, com a presidência de Donald Trump nos EUA. A Europa preparou-se para não contar com a América para a sua Defesa?Eu acho que sim. Não estávamos 100% preparados, com certeza, mas a consciência do que significaria o abandono da América já entrou nas discussões políticas e deram-se passos para nos prepararmos para uma situação dessas. O nosso foco na segurança militar, na segurança externa da UE, tem muito a ver com isso - damo-nos conta de que vamos ter de ser mais independentes. Isso não quer dizer construir uma arquitetura militar propriamente europeia, porque somos todos membros da NATO, mas vamos ter de ser mais independentes também do ponto de vista da indústria militar, que basicamente a Europa não tem. A Europa não produz equipamento militar e agora vamos ter de assumir também essa responsabilidade. Em relação à Ucrânia, a Europa teme que os EUA de Trump retirem a sua ajuda e tenham de ser os europeus a avançar para compensar. Para a Polónia, cuja situação geográfica a torna ainda mais sensível a esta questão, é uma grande preocupação?É muito importante. Mas não acredito na retirada de toda a ajuda americana Acho que tem mais a ver com pressionar os membros da NATO para que invistam mais em Defesa. Já vimos o mesmo na primeira Administração Trump, agora só é ainda mais forte devido à guerra na Ucrânia. Mas é bom que tenhamos noção disso e nos estejamos a preparar. Não é fácil construir uma fábrica de armamento de um dia para o outro, mas acho que estamos a dar bons primeiros passos. Estávamos a falar da NATO e dessa pressão dos EUA - na verdade também o próprio secretário-geral Mark Rutte tem falado em 3%. A Polónia nesta matéria está mais bem posicionada do que outros países, sendo dos que mais investe em Defesa?Para nós é uma coisa natural, tendo a guerra ao lado, na fronteira da Polónia. É normal que gastemos mais em Defesa do que outros países que estão mais longe da guerra, mas eu acho que todos os membros da NATO estão ou a chegar aos 2% ou, pelo menos, no caminho para lá chegar. Portugal, por exemplo, tinha como meta chegar a 2% em 2030 e agora baixou para 2029. Nós na Polónia em 2025 vamos chegar aos 4,7%. Não estamos a falar de um gasto militar para sempre, mas neste momento difícil do ponto de vista geopolítico, temos de o fazer. No fundo é um investimento. E se vamos ter fábricas de equipamento militar no solo europeu, melhor ainda.Uma coisa que se percebeu durante a covid é que a Europa não pode estar dependente em nada. Na Defesa também? Sim, aí não era uma questão militar, era de saúde. Percebeu-se que a globalização não é uma solução para tudo. Por isso também uma das prioridades da presidência polaca é a segurança na saúde, que é uma grande lição que aprendemos na pandemia.Estávamos a falar de geografia. Para a Polónia, na ponta Leste da União Europeia, a Rússia é a grande ameaça?Sim, quando se está na Polónia é. E temos a nossa história comum, por isso é impossível, para nós, pensar na Rússia e libertarmo-nos da História. Mas durante muitos anos, tanto a Polónia como as Repúblicas Bálticas, eram olhadas com um pouco de receio pelo resto da Europa, que nos via como russófobos. Mas o presidente Putin acabou por confirmar tudo o que nós dizíamos. A Rússia é uma ameaça, porque não joga conforme as regras. Está a violar o Direito Internacional, está a violar a Carta das Nações Unidas que ela própria assinou. Por isso quer dizer que não existem regras. Todos achámos que, após a II Guerra Mundial, a Europa estava tranquila, que a guerra já não vinha bater à nossa porta. Mas veio. Por isso precisamos ser mais fortes.A Polónia tem pedido a vários Estados-membros para avançarem com a adesão da Ucrânia à UE. Espera algum progresso nesse sentido, mesmo sabendo que o processo vai ser longo?Sim, é um processo que vai ser longo. Para a Polónia demorou 10 anos. Não é realista pensar que a Ucrânia vai entrar na União Europeia em dois anos. Mas queremos avançar com as negociações, queremos abrir os primeiros capítulos, não só com a Ucrânia, mas também com a Moldávia, por exemplo. Achamos que uma Europa segura é uma Europa que tem uma vizinhança segura. O que vai ser também muito importante são os Balcãs Ocidentais. O Montenegro é o mais avançado de todos os candidatos. Mas também outros países, com os quais gostaríamos de ir fechando capítulos e abrindo novos. Ou abrir as negociações para os que ainda lá não chegaram. Estamos focados na prioridade do alargamento, não só para a Ucrânia. E temos de reafirmar essa prioridade da UE, porque se não formos nós, nos Balcãs, quem vai ser? A Rússia vai afirmar a sua influência. Não corremos o risco de países que estiveram muitos anos com os processos parados, acharem que a Ucrânia está a ter tratamento de favor?Sim, mas precisa de avançar. Sempre que se fala de alargamento da UE, começa outra discussão sobre a necessidade de reforma da UE. É verdade que com mais membros vamos ter de reformar a nossa estrutura, e ainda ninguém é capaz de dizer que direção essa reforma deve seguir. O processo de negociação é longo porque estamos entre a discussão interna e a consciência de que precisamos de deixar entrar novos membros. Se a situação é diferente para a Ucrânia nesse sentido? Talvez, mas pode catalisar as negociações para outros.A discussão sobre a reforma da UE é quase inevitável quando se fala numa Europa a 32 ou 35 no futuro. Mudar é inevitável quando, mesmo a 27, o processo de decisão já não é fácil?É difícil, precisamos de mais integração, sim, mas não temos outra opção. Se observarmos o mundo de hoje e as potências - não só a Rússia, os EUA, a China, mas também as novas potências, a Índia, o Brasil -, temos de ficar unidos, porque sem a UE, nenhum país europeu, nem a Alemanha, é capaz de competir.Neste momento temos uma UE em que as suas duas locomotivas enfrentam crises internas. Por isso, é ainda mais importante haver uma UE unida e forte, que não esteja dependente da força da Alemanha ou da França?Exatamente. Porque todos os países podem passar por dificuldades de vez em quando, mas dão devemos focar-nos nelas. Devemos ir avançando com a integração, ultrapassando obstáculos.O primeiro-ministro Tusk conhece muito bem os corredores da União Europeia, tendo sido presidente do Conselho Europeu. Isso pode ajudar ao sucesso da presidência polaca da UE?Absolutamente, porque ele não só conhece os mecanismos, mas também a maioria dos líderes e tem a facilidade de poder falar com eles diretamente e não perder-se na burocracia europeia. Tusk também conhece bem António Costa, o atual presidente do Conselho Europeu, essa relação pessoal acaba por poder agilizar alguns mecanismos?Na nossa cultura, tal como na cultura portuguesa, a relação pessoal é muito importante, por isso acho que sim, certamente.A Polónia sucedeu à Hungria na presidência da UE. Budapeste e Varsóvia têm posições muito diferentes em relação a vários temas. Como foi a passagem de poder, houve cooperação?Sim, temos as nossas divergências, mas nós começámos o nosso trio e a Hungria fechava o seu trio. O programa deles era diferente do nosso. Houve algumas questões legislativas, negociações, que herdámos, mas é sempre assim de uma presidência para a outra.No caso da Dinamarca, que é quem vos vai suceder, como faz parte do trio, é um trabalho mais em contínuo?Exatamente, porque o programa do trio já está definido e é comum a todos nós. A Dinamarca vai entrar na preparação das negociações que são sempre mais difíceis, que são as do Orçamento. O orçamento atual vai até 2027, então 2026, que já vai ser de negociações e já se estão a preparar agora.A presidência da UE é também uma oportunidade para a Polónia se dar a conhecer aos outros 26?Sim, vamos ter um programa muito interessante, também a nível cultural. Vamos fazer tudo, também em Portugal, para interessar o público pelos eventos culturais polacos e, através disso, convidarmos todos a visitar o nosso país.É também a oportunidade para mostrar que a UE é muito mais do que a burocracia de Bruxelas?Com certeza. Porque há uma tendência europeia de os políticos, quando não sabem explicar alguma coisa complicada para o povo, dizerem que a culpa é de Bruxelas. Mas é impossível não ter burocracia se somos 27 países. E a voz de cada membro da UE é importante. Isso exige burocracia e leva tempo, mas garante que os países que não são de grande porte, como os nossos, têm também a sua voz. Durante a presidência há uma concentração em Bruxelas, porque os grupos de trabalho estão lá, o trabalho legislativo está lá, mas, para nós, é mais uma oportunidade de mostrar a Polónia, não só como membro da UE, mas também como um país interessante. E, aí, o lado cultural é muito importante.