"O que você sabe sobre Portugal?” foi um quizz que Ana Cristina Marques criou para a ajudar a participação da Embaixada de Portugal no Cazaquistão na Feira Euroasiática em Astana, há alguns meses. “A ideia foi testar os conhecimentos dos participantes, nomeadamente os cazaques, sobre a história, geografia, cultura e gastronomia portuguesa”, conta a professora da Escola de Ciências e Humanidades da Universidade Nazarbayev. “Cristiano Ronaldo todos conhecem e sabem que é português. Funciona como um grande embaixador de Portugal. Já era assim quando dei aulas no Curdistão iraquiano”, explica Ana Cristina Marques, enquanto bebemos um chá na zona de convívio da universidade, que tem o nome do primeiro presidente do Cazaquistão, país independente desde 1991. Um grupo de alunos cazaques passa por nós e cumprimenta a socióloga portuguesa que desde o ano letivo de 2024-2025 é sua professora.Peço que me explique a referência ao Curdistão iraquiano. Ana Cristina Marques, ri-se. “É uma longa história.” Fico assim a saber que nasceu em Leiria, em 1979, e lá fez “a escola toda até entrar para Antropologia” na Universidade Nova de Lisboa. “Acho que esta escolha da licenciatura explica muito o meu gosto por sair, conhecer outras maneiras de viver”, diz. Seguiu-se o mestrado no ISCTE, na área das Ciências Sociais, e depois o doutoramento, no Departamento de Sociologia. “Tenho estudado muito as questões da família, também do género e da sexualidade. A minha tese de doutoramento foi sobre a sexualidade juvenil na minha cidade e lembro-me de que na época não havia muitos estudos sobre o tema”, sublinha. Foi para Inglaterra por razões pessoais ainda antes de terminar o doutoramento. Chegou a trabalhar no Departamento de Antropologia do University College de Londres, enquanto concluía a tese. Entretanto, divorciou-se “e foi tempo de pensar no futuro, e conhecidos em Inglaterra falaram-lhe do jobs.ac.uk, um portal com ofertas para pessoas qualificadas, um portal de emprego científico”, conta. “E candidatei-me a uma oferta no Curdistão iraquiano. Na verdade, de início até pensei estar a candidatar-me ao Cazaquistão”, relembra entre risos. E lá foi parar à Universidade de Soran. “A questão da mulher curda era muito importante para o governo regional do Curdistão, que é muito autónomo, e quer dar uma imagem da região como mais liberal, mais democrática, mais inclusiva do que o resto do Iraque. Estão sempre em competição com o governo de Bagdad”, explica a leiriense.Foram sete anos ao todo no Curdistão iraquiano, em duas fases, a primeira a começar em 2014. Tempos agitados, com o grupo jihadista ISIS a controlar largas porções dos territórios sírio e iraquiano. “Os peshmergas, os combatentes curdos, estavam envolvidos nos combates, mas nós não sentíamos a guerra.” É neste contexto complicado, numa primeira experiência de trabalho num país de maioria muçulmana, e com a ameaça terrorista bem próxima, que Ana Cristina Marques se cruza com o atual marido. “É inglês e foi para o Curdistão dar aulas de Literatura Inglesa. Conhecemo-nos lá. E como não havia embaixada portuguesa em Bagdad, fomos casar-nos à embaixada em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos”, conta.Houve alguns momentos em que tiveram de viver longe um do outro, Ana Cristina Marques de volta à Europa, o marido ainda no Curdistão iraquiano. Depois ela teve uma oportunidade de trabalho em Portugal, mas por motivos profissionais o marido voltou ao Curdistão iraquiano, em 2018. E ela foi também, até que em 2024 o desejo de mudança acentuou-se e o Cazaquistão, finalmente, afirmou-se como uma opção. E para o marido também.“Sabia que era um país de maioria muçulmana, mas secular. E, de facto, é grande a diferença com o Curdistão iraquiano. Por exemplo, a emancipação da mulher. No Curdistão havia um discurso oficial de promoção da mulher, e elas eram muitas nas universidades, mas na sociedade as desigualdades de género, especialmente a mobilidade das mulheres nos espaços públicos, continuam acentuadas. Aqui no Cazaquistão, uma coisa que me fez sentir mais a vontade no início foi ver mulheres em todo o lado a trabalhar. A omnipresença feminina no espaço público foi importante, professoras e alunas, empregadas de mesa, caixas de supermercado, até condutoras de táxi”, conta a portuguesa.Um dos desafios de viver em Astana, no coração da Ásia Central, foi o frio. Diz que no primeiro ano “nem foi muito mau”, apanhou só 20 graus negativos, “e as pessoas dizem que foi um inverno bom”. De qualquer forma, com roupa quente, que comprou quando chegou aqui, lida-se bem com o clima, até porque as universidades têm casas para os professores e dá para vir por túneis até à zona das aulas. Também existem na universidade amplas zonas de convívio, como aquela onde estamos a conversar, protegida dos ventos da estepe, com cafés e esplanadas. E “os alunos são incríveis, muito respeitadores, mas com imenso espírito crítico. Eles são uma expressão muito interessante de influências pós-soviéticas, ocidentais e orientais. Vale muito a pena!”Habituada às restrições alimentares islâmicas, depois de anos a viver no Curdistão iraquiano, Ana Cristina Marques diz que em Astana pode encontrar-se porco no supermercado, e mesmo vinhos portugueses. Sobre a gastronomia cazaque, nomeadamente a carne de cavalo, confessa estar à vontade: “Sou do tempo em que havia em Portugal talhos que vendiam bifes de cavalo.”O Natal de Ana Cristina Marques é em Portugal. Mesmo uma cidadã do mundo tem de matar saudades.Em Astana."Cazaquistão proporciona grandes oportunidades de investimento para empresas portuguesas"