Ao contrário do seu primeiro mandato (2017-2021), à chegada à Casa Branca Donald Trump tinha um programa e só na primeira semana promulgou 37 ordens executivas. Em linhas gerais, sob a capa do excecionalismo norte-americano, abriu uma guerra comercial de geometria variável, promoveu o combate à imigração, desregulou proteções ambientais e pôs termo aos projetos de energia renovável, iniciou um programa de despedimentos de trabalhadores federais, retirou todo o financiamento a órgãos de comunicação públicos, enviou a Guarda Nacional para Los Angeles e Washington e ameaça replicar a medida noutras cidades. Em reação, ao fim de sete meses e meio de presidência, foram instaurados centenas de processos nos tribunais, 337 dos quais a decorrer, segundo o site Lawfare. Taxas aduaneirasNa sexta-feira, um tribunal federal de recurso arrasou a utilização das taxas sobre as importações como uma ferramenta discricionária ao dispor do presidente. Para os juízes, Trump recorreu de forma equivocada à lei de poderes económicos de emergência internacional. “A lei confere ao presidente autoridade significativa para tomar uma série de medidas em resposta a uma emergência nacional declarada, mas nenhuma dessas medidas inclui explicitamente o poder de impor taxas, impostos ou similares, nem o poder de tributar”, concluiu a maioria do coletivo de juízes. “Na ausência de uma autorização válida do Congresso, o presidente não tem autoridade para impor impostos.” A decisão, que recebeu quatro votos discordantes (em 11), foi salomónica porque, apesar de notar que se está perante um abuso de poder, manteve em vigor a pauta aduaneira decidida pelo presidente, ao adiar a execução da decisão até outubro. Uma medida para permitir o recurso da administração Trump ao Supremo Tribunal - o que aconteceu na quarta-feira. A instância judicial mais alta dos EUA, com uma maioria de seis juízes conservadores em nove, tem um histórico de decisões favoráveis ao presidente - a mais importante das quais ao considerar que os atos presidenciais têm imunidade. O Supremo tem até quarta-feira para decidir se aceita o caso. Trump tem recorrido à sua rede social, Truth Social, para mostrar o quão importante é a sua política tributária, lançada em abril como o “dia da libertação”. Comentou na sexta-feira: “Se estas tarifas alguma vez desaparecerem, será um desastre total para o nosso país.” No domingo, elevou a carga dramática, com recurso a palavras em maiúscula: “Sem tarifas e todos os biliões de dólares que já arrecadámos, o nosso país estaria completamente destruído e o nosso poder militar seria instantaneamente aniquilado.” Para Trump, as taxas aduaneiras têm um duplo propósito: desincentivar as importações para equilibrar as balanças comerciais e proteger a indústria do seu país, e usá-las como um instrumento coercivo para aplicar a outros países, sejam aliados, sejam adversários. Scott Bessent, secretário do Tesouro, estimava chegar a setembro com as negociações concluídas. No entanto, a incerteza sobre a validade jurídica desta política poderá levar os países em negociações a não se apressarem.Militarização das cidadesEm junho, perante manifestações nas ruas contra as ações de fiscalização e detenção de imigrantes por parte de agentes armados do Serviço de Imigração e Fronteiras (ICE, sigla em inglês), Trump respondeu com o envio de quatro mil soldados da Guarda Nacional e 700 fuzileiros. O governador, o democrata Gavin Newsom, opôs-se e recorreu aos tribunais. Uma primeira decisão condenatória foi revertida em recurso. Na terça-feira, o juiz federal Charles Breyer deliberou que a Guarda Nacional foi utilizada de forma ilegal, uma vez que a força reservista foi instruída para cumprir tarefas policiais, como “estabelecer perímetros de proteção, bloqueios de trânsito, controlo de multidões e similares”. . A lei Posse Comitatus proíbe de forma expressa o desempenho destas funções por militares. Breyer, que não deu ordens para a saída dos remanescentes 330 elementos da Guarda Nacional que permanecem em Los Angeles, não se coibiu de comentar o envio de soldados para a capital e das repetidas ameaças de Trump em destacar outros para Chicago ou Boston, ao dizer que desta forma se está a “criar uma força policial nacional com o presidente como seu chefe”. A decisão foi objeto de recurso pela administração Trump.Em agosto, o presidente alegou “emergência de criminalidade” e avançou com 2300 elementos da Guarda Nacional para Washington. A capital norte-americana está sujeita a um modelo próprio administrativo, sem governador, pelo que cabe ao presidente decidir sobre esta matéria. Ainda assim, o procurador-geral do Distrito de Colúmbia Brian Schwalb decidiu avançar na quinta-feira com um segundo processo legal contra o que diz ser um “excesso ilegal do poder federal”. Também ontem, o Departamento de Defesa autorizou o uso de uma base naval nos arredores de Chicago para acolher operações do ICE e poder vir a receber um contingente da Guarda Nacional, caso Trump avance com a sua ameaça. “Podemos resolver a situação em Chicago. Basta que nos peçam. Mas tenho um governador incompetente que não nos quer lá”, disse o presidente na quarta-feira. O governador em questão, J.B. Pritzker, foi contundente: “Recuso-me a fingir que tudo isto é normal. Recuso-me a admitir que a crueldade abjeta que estamos a ver com a execução das políticas de Trump e Stephen Miller seja aceitável ou justificável”, referindo-se também ao vice-chefe de gabinete da Casa Branca.ImigraçãoO combate à imigração ilegal assentou na premissa de que há países como a Venezuela a instrumentalizarem os cidadãos para estes “invadirem” os EUA e, como tal, é merecedor de uma resposta em força. Trump invocou a lei de 1798 sobre os inimigos estrangeiros, a qual foi usada na Guerra Anglo-Americana (1812) e nas duas guerras mundiais. Mas na terça-feira um painel de juízes de um tribunal de segunda instância concordou com colegas de primeira instância ao concluir que a presença no país de imigrantes ilegais não constituía uma “invasão ou incursão predatória” como reza a lei. Este processo também vai desaguar no Supremo Tribunal. Até lá, como o editorial do The Washington Post de quarta-feira aponta, o caso pode ganhar novos argumentos, caso o recente ataque das forças navais dos EUA a uma embarcação venezuelana seja o início de um conflito armado.Mas se Trump acusa o líder venezuelano Nicolás Maduro de ser o cabecilha de um grupo terrorista, ao mesmo tempo não mostra empatia pelas pessoas que fugiram do regime bolivariano para o seu país. Em 2021, Joe Biden havia concedido um regime de proteção temporária aos venezuelanos, impedindo a sua deportação devido aos riscos que corriam ao serem repatriados. Na quarta-feira, um porta-voz da administração declarou que esse estatuto foi revogado a 250 mil dos 600 mil venezuelanos no país. Ensino e investigaçãoAlegando antissemitismo e ideologia woke, a administração cancelou milhares de milhões de dólares em financiamento a algumas das principais universidades, e com isso pôs em xeque investigação científica a decorrer fosse no campo da saúde, fosse no campo da tecnologia. Enquanto, por exemplo, o presidente da Universidade da Virgínia se demitiu e outras universidades chegaram a acordo com o governo federal, a Universidade de Harvard entrou em litigância, tendo acusado o governo federal de violar a Constituição. Na quarta-feira, a juíza Allison Burroughs deu razão à mais antiga instituição universitária dos EUA, ao escrever que é “difícil concluir outra coisa senão que os arguidos usaram o antissemitismo como uma cortina de fumo para um ataque direcionado e ideologicamente motivado às principais universidades deste país”. Além disso, escreveu, as ações de Trump "comprometeram décadas de investigação e o bem-estar de todos aqueles que poderiam beneficiar dessa investigação, além de refletirem um desrespeito pelos direitos protegidos pela Constituição e pelas leis federais”. O caso será objeto de recurso. Saúde. Robert F. Kennedy Jr. (RFK), que alega ter ficado sem parte do cérebro devido a um verme, é uma raposa a tomar conta de um galinheiro como secretário da Saúde. Duas dezenas de associações profissionais médicas e de instituições de saúde pediram a sua demissão devido à forma como lida com a ciência e algumas processaram-no. Um dos seus cavalos de batalha é o Centro de Controlo de Doenças, responsável pela política de vacinação. No final de agosto, RFK demitiu a diretora daquela instituição depois de ela ter recusado sair pelo próprio pé. Susan Monarez acusa o secretário de “usar a saúde pública como arma para obter ganhos políticos”. Com a sua saída, RFK restringiu o acesso à vacina da covid e levou para o painel de aconselhamento de vacinas pessoas antivacinação. Monarez também aponta o dedo ao ex-candidato presidencial por “colocar milhões de vidas americanas em risco” ao demitir funcionários da saúde do governo federal. Kennedy levou à saída de 20 mil dos 82 mil funcionários do departamento e propôs um corte de 40% do orçamento. Uma ideia recusada pelos republicanos, que propõem uma redução de 6% para o próximo ano fiscal.